
ANA NAZARETH*
“Ela foi em busca do sonho dela. Ela seguia os passos de sua mãe, que sempre trabalhou com saúde”, afirmou em declaração ao HP, a prima de Raynéia, Aline Costa.
“Infelizmente, a minha filha teve que perder a vida para que esta crise seja divulgada. Eu espero que a sua morte pelo menos ajude a resolver este conflito”, afirmou, em prantos, Maria José da Costa, mãe da jovem pernambucana Raynéia Lima, que estava concluindo o curso de Medicina na Universidade Americana em Manágua (UAM).
Raynéia foi assassinada no dia 23 à noite quando saia do plantão do Hospital no qual fazia residência médica. Seu carro foi metralhado.
A prima de Raynéia, Aline Costa, declarou que “ela estava começando a trabalhar na profissão que escolheu. Ela foi em busca do sonho dela. Ela seguia os passos de sua mãe, que sempre trabalhou com saúde. Ela queria trabalhar como médica e todos nós sentíamos que – apesar dela ter tido que ir tão longe para correr atrás de seu sonho – ela estava feliz, porque a gente fica feliz quando faz aquilo que gosta de fazer. A lembrança que a gente vai ter de Rayneia é a dessa pessoa alegre, radiante e feliz”.
Como homenagem póstuma, a estudante teve o diploma de médica entregue pela Universidade à mãe, Maria José. Os parentes e amigos acorreram ao Cemitério Morada da Paz, na cidade de Paulista, na região metropolitana do Recite.
“Que seja feita justiça”, declarou ainda a mãe, “a minha filha não vai ficar esquecida. Que quem matou a minha filha seja punido. Que pague por isso. Seja o presidente, seja quem for”.
O funeral foi acompanhado pelo secretário de Justiça e Direitos Humnos de Pernambuco, Pedro Eurico, que salientou que a morte de Raynéia foi causada por um atentado político, “foi terrorismo”.
Pedro Eurico ressaltou que “não podemos deixar esse crime impune” e anunciou que o governo do Estado entrou com uma representação na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) através do Itamaraty. Na brutal repressão do governo Ortega com paramilitares mascarados às manifestações contra o neoliberalismo e pela antecipação das eleições, já morreram 450 pessoas, 600 estão desaparecidas e há quase 3 mil feridos, conforme entidades populares.
Segundo o pai de Raynéia, Ridevando Pereira, em uma postagem recente, no Facebook, ela declarou o carinho por seus pais. “É doloroso já não contar com a presença de vocês aqui pertinho”, escreveu, acrescentando sentir saudades da família. “Obrigada por serem meus pais, meus amigos, meu apoio, meu tudo! Amo vocês incondicionalmente!”
Ray – como era tratada carinhosamente pelos amigos – foi sepultada vestida com o jaleco do Hospital da Polícia Nacional de Manágua, local onde trabalhava, e com o diploma da Universidade Americana em Manágua (UAM), concedido postumamente. “Rayneia sofreu muito para conquistar este documento”, afirmou emocionada a mãe.
Vizinhos, parentes, amigos, lotaram as proximidades do túmulo da estudante, vestindo camisetas brancas com a foto dela.
O governo Ortega imputou o crime a um “segurança privado”, Pierson Gutiérrez Solís, que já foi preso e confessou, mas no dia seguinte ao assassinato o reitor da universidade que Raynéia cursava, Ernesto Medina, havia responsabilizado pelo assassinato paramilitares que dariam proteção ao poderoso tesoureiro do partido de Ortega, cuja casa é nas imediações do local do crime. “As forças paramilitares sentem que têm carta branca, ninguém vai dizer nada a eles, ninguém vai fazer nada, eles andam sequestrando e fazendo batidas”, denunciou.
Ao ser atingida, Raynéia estava sozinha em seu carro, com o namorado vindo em outro carro atrás. Com Solís foi encontrado um fuzil automático Colt M4. Insatisfeito pelo desenrolar das supostas investigações, o governo brasileiro chamou de volta o embaixador em Manágua. Conforme a prima Aline Costa, tudo o que a família sabe é que “o carro foi metralhado e que ela foi atingida no diafragma. Sabemos que tentaram a reanimação por 25 minutos, mas não conseguiram”. Raynéia chegou a ser levada ao Hospital-Escola Militar, mas não resistiu. A bala teria perfurado o diafragma, o pâncreas e o fígado. Conforme relatos, o carro teria várias perfurações de bala.
Ela estava na Nicarágua desde 2013 e planejava voltar, formada, ao Brasil no início de 2019. “Ela foi para realizar o grande sonho da vida dela. Foram seis anos de sacrifício e eu, daqui, empurrava ela com a minha perseverança”, recordou Dona Maria.
Nestes dois meses de protestos, o que não falta são mortes violentas. O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) responsabilizou o governo da Nicarágua por “assassinatos, execuções extrajudiciais, maus tratos, possíveis atos de tortura e prisões arbitrárias” – condenação idêntica à feita pela CIDH.
Por sua vez, o próprio irmão do presidente nicaraguense, e ex-comandante do exército sandinista, Humberto Ortega, afirmou na semana passada que a responsabilidade pela violência é do governo, e pediu o fim dos paramilitares e a imediata restauração da lei e diálogo. Também o Itamaraty, na nota em que cobrou esclarecimentos sobre o assassinato da brasileira, voltou a rechaçar “o aprofundamento da repressão, o uso desproporcional e letal da força e o emprego de grupos paramilitares em operações coordenadas pelas equipes de segurança”.
Dona Maria não via Raynéia desde 2014, por causa do preço da passagem. “Mainha, eu te amo”, foram às últimas palavras da filha para ela, no dia em que seria morta.
*A matéria enviada por Ana Nazareth, que esteve presente ao funeral da pernambucana, Raynéia Lima, na cidade de Paulista, região metropolitana do Recife.