
Ministro Alexandre de Moraes, em entrevista ao Globo, revela o que as investigações sobre o fatídico 8 de janeiro de 2023 já conseguiram esclarecer até o momento
O ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) das investigações sobre as ações golpistas ocorridas em 8 de janeiro do ano passado, revelou que até o presente momento foi possível desvendar três planos à época contra ele próprio, entre os quais, até mesmo, homicídio.
Questionado sobre os planos urdidos pelos golpistas à época, Moraes detalhou:
“Eram três planos. O primeiro previa que as Forças Especiais (do Exército) me prenderiam em um domingo e me levariam para Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio. E o terceiro, de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes. Para sentir o nível de agressividade e ódio dessas pessoas, que não sabem diferenciar a pessoa física da instituição”.
“E o terceiro (plano), de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes. Para sentir o nível de agressividade e ódio dessas pessoas, que não sabem diferenciar a pessoa física da instituição”.
E prosseguiu:
“Houve uma tentativa de planejamento. Inclusive, e há outro inquérito que investiga isso, com participação da Abin, que monitorava os meus passos para quando houvesse necessidade de realizar essa prisão. Tirando um exagero ou outro, era algo que eu já esperava. Não poderia esperar de golpistas criminosos que não tivessem pretendendo algo nesse sentido. Mantive a tranquilidade. Tenho muito processo para perder tempo com isso. E nada disso ocorreu, então está tudo bem”.
Sobre a possibilidade de se evitar as ações predatórias que se abateram contra a sede dos três poderes republicanos, o ministro, que já foi secretário de Segurança Pública, em São Paulo, e ministro da Justiça, fez sua avaliação e justificou as ações tomadas para interromper a sanha golpista.
O que chocava era a inação da Polícia Militar. Fui secretário de Segurança Pública em São Paulo e ministro da Justiça. Afirmo sem medo de errar: não precisaria de cem homens do Batalhão de Choque para dispersar aquilo. O que precisávamos ver era qual gravidade e a sequência. Fiquei aguardando a provocação da Polícia Federal e da Advocacia-Geral da União (AGU) para decidir (no inquérito). Achei importante três decisões: as prisões do então secretário (Anderson Torres) e do comandante geral da Polícia Militar (Fábio Augusto Vieira), para evitar efeito dominó em outros estados. Eu me certifiquei que as demais polícias militares estavam tranquilas, mas não podíamos arriscar. Ao mesmo tempo, o afastamento do governador (Ibaneis Rocha), para evitar que pudesse ocorrer algo extremista em outros estados, eventualmente outro governador apoiar movimento golpista. E a determinação de prisão em flagrante imediata de quem permanecesse em frente a quartéis pedindo golpe.
“O que chocava era a inação da Polícia Militar. Fui secretário de Segurança Pública em São Paulo e ministro da Justiça. Afirmo sem medo de errar: não precisaria de cem homens do Batalhão de Choque para dispersar aquilo”.
Em relação às aglomerações que se formaram defronte aos quartéis em todo país, inclusive no Quartel-General do Exército, em Brasília, durante o governo Bolsonaro, Moraes comentou:
“Foi um erro muito grande das autoridades deixar, durante o ano passado, aquelas pessoas permanecerem na frente dos quartéis. Isso é crime e agora não há mais dúvida disso. O Supremo Tribunal Federal recebeu mais de 1.200 denúncias contra quem estava acampado pedindo golpe militar, tortura e perseguição de adversários políticos. No dia do segundo turno, também tivemos um problema grave com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), objeto de inquérito, que inclusive gerou a prisão do ex-diretor (Silvinei Vasques). Houve a greve dos caminhões tentando parar o país. A violência estava num crescente. No dia da diplomação, 12 de dezembro de 2022, houve prisões após a (tentativa de) invasão da Polícia Federal. Como na posse não houve nada, infelizmente as pessoas da área de segurança talvez tenham ficado mais otimistas. O grande erro doloso foi permitir a entrada (dos golpistas) na Esplanada dos Ministérios. O 8 de Janeiro foi o ápice do movimento: a tentativa final de se reverter o resultado legítimo das urnas”.
Na entrevista, o ministro, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), justificou a não adoção da Garantia da lei e da Ordem (GLO) e afirmou o que o Exército, enquanto instituição, não compactuou com a sandice golpista.
“Nas investigações e nos interrogatórios de vários desses golpistas, temos que os discursos nos quartéis onde estavam acampados diziam que deveriam vir para Brasília. De vários financiadores, (a ordem era que) deveriam vir, invadir o Congresso e ficar até que houvesse uma GLO para que o Exército fosse retirá-los. E, então, eles tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe. O que mostra o acerto em não se decretar a GLO, porque isso poderia gerar uma confusão maior, e sim a intervenção federal. Não que o Exército fosse aderir, pois em nenhum momento a instituição flertou (com a ideia). Em que pese alguns dos seus integrantes terem atuado, e todos eles estão sendo investigados”.
“Então, eles tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe. O que mostra o acerto em não se decretar a GLO, porque isso poderia gerar uma confusão maior, e sim a intervenção federal. Não que o Exército fosse aderir, pois em nenhum momento a instituição flertou (com a ideia). Em que pese alguns dos seus integrantes terem atuado, e todos eles estão sendo investigados”.
Moraes também esclareceu até onde as investigações sobre o rumoroso episódio podem chegar.
“Não há limite. Todos aqueles que tiverem a responsabilidade comprovada, após o devido processo legal, serão responsabilizados. Todas as pessoas sobre as quais a Polícia Federal encontrar indícios serão investigadas, desde os executores até eventuais políticos. Mas isso a investigação é que vai demonstrar”.
O magistrado também avaliou a influência das plataformas digitais para a ocorrência do 8 de janeiro e a necessidade de regulamentá-las.
“A regulamentação das redes sociais vai ser uma bandeira importante do Tribunal Superior Eleitoral no primeiro semestre de 2024. Elas falharam e foram instrumentalizadas no 8 de Janeiro. Proliferaram o discurso de ódio, antidemocrático, permitindo que as pessoas se organizassem para a “festa da Selma”, que era o nome utilizado (para o 8 de Janeiro)”.
“A regulamentação das redes sociais vai ser uma bandeira importante do Tribunal Superior Eleitoral no primeiro semestre de 2024. Elas falharam e foram instrumentalizadas no 8 de Janeiro”.
O ministro do STF fez também uma análise do perfil dos golpistas e as ameaças que ele e sua família continuam recebendo.
“Esses golpistas são extremamente corajosos virtualmente e muito covardes pessoalmente. Então, chegam muitas ameaças, principalmente contra minhas filhas, porque até nisso eles são misóginos. Preferem ameaçar as meninas e sempre com mensagens de cunho sexual. É um povo doente”.
“Esses golpistas são extremamente corajosos virtualmente e muito covardes pessoalmente”.
Sobre eventuais excessos cometidos nas detenções feitas a partir do 8 de janeiro e nos apenamentos dos condenados, esclareceu:
“Nunca vi alguém preso achar que a sua prisão é justa. Analiso as críticas construtivas, mas ignoro as destrutivas. Nenhum desses golpistas defende que alguém que furtou um notebook não possa ser preso. E eles, que atentaram contra a democracia, não podem? Os presos são de classe média, principalmente do interior, e acham que a prisão é só para os pobres. A Justiça tem que ser igual para todos”.
“Quem faz a pena não é o Supremo Tribunal Federal, é o legislador. O Congresso aprovou uma legislação substituindo a Lei de Segurança Nacional exatamente para impedir qualquer tentativa de golpe. Se as penas máximas fossem aplicadas em todos os cinco crimes, pegariam mais de 50 anos, mas pegaram 17 (no máximo). Se não quisessem ser condenados, não praticassem nenhum crime”.
Por fim, falou sobre as lições que ficam após a tentativa golpista.
“A primeira é impedir a continuidade dessa terra sem lei das redes sociais. Sem elas, dificilmente (os atos golpistas) teriam ocorrido de forma tão massiva. Na parte criminal eleitoral, todos os políticos, quando houver comprovação de participação, devem ser alijados da vida política, além da responsabilidade penal. Quem não acredita na democracia não deve participar da vida política do país”.