Enquanto fortes chuvas inundavam o estado do Rio de Janeiro deixando doze mortos, pessoas sem casa e ruas alagadas principalmente na Baixada Fluminense, o governador Cláudio Castro (PL) estava de férias em Orlando, na Flórida. Até este domingo quando embarcou de volta para casa — o Palácio da Guanabara estava sendo chefiado pelo vice-governador, Thiago Pampolha (MDB).
Castro ainda culpou o fenômeno climático El Niño pelas fortes chuvas no Estado durante o final de semana.
“Com esta nova realidade do El Niño, infelizmente este é o nosso novo normal. E por isso, o Estado e as cidades têm de ser cada dia mais resilientes”, disse Castro nesta ao jornal O Estado de S. Paulo.
O fenômeno ocorre pelo aquecimento acima do normal das águas do Oceano Pacífico próximas à Linha do Equador. Essa mudança altera a circulação dos ventos e a formação das chuvas em diferentes regiões do planeta, porém, tudo isso já era sabido meses e até anos antes do desastre que aconteceu nos últimos dias no Rio de Janeiro.
Depois da escalada de mortes, Castro interrompeu suas férias nos Estados Unidos para coordenar in loco as ações de enfrentamento ao temporal. Como 1º compromisso da volta, o governador se reuniu com representantes dos órgãos envolvidos na força-tarefa.
Chegou a 12 o número de mortos pelo temporal que atingiu o Rio de Janeiro no fim de semana. A última vítima encontrada é um morador do Chapadão, na Pavuna, na Zona Norte do Rio. Ele foi arrastado pela correnteza, e seu corpo foi achado no bairro São Matheus, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
Duas pessoas estão desaparecidas, segundo o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil do Estado: Elaine Cristina Souza Gomes, que teve o carro arrastado pela enxurrada após a subida do rio Botas, em Belford Roxo; e um homem que foi arrastado pela correnteza no Chapadão. Ele ainda não foi identificado.
2.400 militares do Corpo de Bombeiros, com o apoio de drones e cães, trabalham após as chuvas fortes que atingiram principalmente a Zona Norte do Rio e a Baixada Fluminense.
O estacionamento do Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, na Zona Norte, foi alagado e a energia só foi restabelecida de manhã, informou o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD). A Avenida Brasil também foi interditada por causa de alagamentos e liberada no fim da manhã. As estações Pavuna, Engenheiro Rubens Paiva, Acari Fazenda Botafogo e Coelho Neto da Linha 2 do Metrô estão temporariamente fechadas por causa do transbordamento do rio Acari.
A dona de casa Lucimar Gomes, 49, entrou em pânico quando a água da chuva que caiu em Acari, zona norte do Rio, invadiu sua casa, e ela não conseguiu socorrer a filha de 18 anos, com paralisia cerebral, que ficou com água “até o pescoço”.
O governo federal a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) foram acionados após problemas na Rodovia Washington Luís (BR-040), na altura de Duque de Caxias, na baixada fluminense. Um bolsão d’água gigantesco se formou na rodovia impedindo a passagem de veículos.
O Rio Botas, em Belford Roxo, que transbordou durante o temporal, está obstruído pelo lixo. Uma mulher segue desaparecida após o veículo onde ela estava cair no rio, no sábado (13).
Além do Rio Botas, outros quatro também transbordaram inundando a casa de milhares de moradores da Baixada Fluminense, entre eles: Rio Capivari em Caxias, Rio dos Macacos em Paracambi, Rio Alcântara em São Gonçalo e Rio Engenhoca em Niterói.
Estima-se que o número de desalojados e desabrigados chegue a 600 em todos os municípios — só em Nova Iguaçu, seriam 300 pessoas.
A capital foi colocada em estágio 4 (numa escala que vai até 5) de atenção por causa das chuvas na madrugada. Segundo a prefeitura, houve registro recorde de chuva em Anchieta, onde em 24 horas choveu 259,2 milímetros. Um centro de crise foi montado no bairro da Pavuna.
CHUVA JÁ ERA PREVISTA, DIZ PAES
O prefeito Eduardo Paes, disse que a chuva que atingiu a capital fluminense — e o estado do Rio — já era esperada para essa época do ano.
“Eu sou daqueles que tem horror àquela conversinha de ‘chuva recorde, pegou de surpresa’. Não tem surpresa nisso, acho que todos nós sabemos que tradicionalmente no verão do Rio de Janeiro chove. E chove muito, tem mudanças climáticas, mas aqui sempre choveu”, disse Paes em entrevista ao Bom Dia Rio.
““Tem situações que o poder público pode administrar. Então, por exemplo, essa bacia do Rio Acari, que foi nosso grande problema. Se pegar ali na Fazenda Botafogo, a gente fez uma grande dragagem ao longo desse ano todo. Você tem muita ocupação às margens do rio no Jardim América, tem um entroncamento com Via Dutra, que é um problema”, disse.
Paes disse ainda que são esperados novos temporais até o final de abril e recomendou que as pessoas evitem sair de casa durante o mau tempo.
“Não tiro os meus olhos da cidade de final de novembro até final de abril. É a hora que vai chover. Tem que estar atento.”
GOVERNADOR AUSENTE
Apesar de já estar de volta ao trabalho nesta segunda-feira, a ausência de Castro em um momento de crise teve grande repercussão negativa. Ao longo do dia de domingo, o nome de Cláudio Castro ficou entre os assuntos mais comentados do X (antigo Twitter), sendo responsabilizado por políticos e cidadãos pela demora na resolução de conflitos.
“Se já temos informações suficientes há pelo menos 5 séculos de que a chuva vai cair no verão do Rio, então podemos dizer que tivemos tempo suficiente para nos prepararmos. Mas não foi isso o que nossos governantes fizeram nesse tempo todo. Foi nesse cenário que, mais uma vez, centenas de moradores do Rio de Janeiro perderam suas casas e seus pertences conquistados de forma dura ao longo de suas vidas. Pior, no momento em que escrevo já são quatro pessoas mortas no Grande Rio.
Infelizmente, sabemos que, se não mudarmos essa lógica de nossos prefeitos e governadores, no verão de 2025 mais uma vez os mais pobres sofrerão as consequências desastrosas do nosso modelo insustentável de produção. Uma outra certeza que temos é a de que o problema não é da natureza, mas sim da política. E mudar a política no Rio pode salvar vidas”, afirmou a deputada estadual do Rio, Dani Balbi (PCdoB).
Levantamento da consultoria Arquimedes, feito a pedido do jornal O Globo, mapeou 36 mil publicações que mencionaram o governador até às 16h desta segunda-feira. 80% delas, segundo a pesquisa, de cunho negativo. Um dos pontos chaves ocorreu em relação ao bolsão de água na rodovia estadual Washington Luís.
Neste meio tempo, a pressão nas redes foi tão grande que chegou a respingar no prefeito da capital, Eduardo Paes (PSD). De acordo com a Arquimedes, Paes foi citado em 43 mil postagens no X, sendo 68% contrárias ao prefeito — uma rejeição menor do que a alcançada por Castro.
“Eduardo Paes fez vídeos presenciais trabalhando, enquanto o Claudio Castro estava de férias, fora do país. O prefeito deu respostas mais adequadas às demandas, sobretudo no debate digital”, avalia Pedro Bruzzi, pesquisador da Arquimedes.
Adversário de Castro, Paes chegou a alfinetar o governador, sem citá-lo nominalmente. Em um tuíte, o gestor municipal relembrou que esta concessão não é de sua responsabilidade. “Só para lembrar: a BR 040 é uma concessão e não fica na cidade do Rio. Antes que me culpem”, disse o prefeito. Em seguida, afirmou que seu papel havia sido cumprido logo pela manhã com a liberação das rodovias localizadas na cidade.
DESABRIGADOS E AUXÍLIO
Em Nova Iguaçu, houve tumulto após uma multidão se reunir em frente ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras) em busca de ajuda. A prefeitura disse que muitas pessoas foram levadas ao local por conta de uma notícia falsa sobre distribuição de dinheiro.
“O Cartão Recomeçar é para as pessoas que perderam tudo. É um valor de R$ 3 mil. Mas, esse valor é para as pessoas que perderam tudo. Terá um critério muito grande para que eles recebam. Elas terão que procurar as prefeituras e se inscreverem no Cras”, disse.
O estado estima que 30 mil famílias deverão receber o benefício. Serão disponibilizados R$ 9 milhões pela Secretaria de Desenvolvimento Social. Cada cidade terá um calendário para disponibilizar o benefício.
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome anunciou nesta segunda-feira (15) a liberação de um auxílio financeiro para os desabrigados em consequência das intensas chuvas que vêm atingindo a cidade do Rio de Janeiro.
O auxílio, popularmente conhecido como “auxílio desabrigado”, é parte do Serviço de Proteção em Situação de Calamidades Públicas e Emergências. Ele consiste em uma assistência financeira de R$ 800 por pessoa que perdeu sua moradia devido a eventos como estas enchentes. Inicialmente, o auxílio será liberado apenas para os cidadãos da capital fluminense que obtiveram reconhecimento oficial de sua situação de emergência.
Contudo, acredita-se que ainda nesta segunda-feira outros municípios do estado do Rio de Janeiro declararão estado de emergência, o que permitirá que seus habitantes também tenham acesso a esse e outros benefícios delegados pelo governo federal.
O ministro da Integração, Waldez Góes, em comentários à CNN, reafirmou o comprometimento do governo federal com a assistência às regiões atingidas. “Estou hoje de plantão para receber os decretos municipais e fazermos o procedimento de reconhecimento e iniciarmos os planos de trabalho”, disse.