
A força das manifestações do dia 2 em toda a Rússia contra o pacote anti-Previdência do premiê Medvedev deixa claro que os retoques feitos pelo presidente Putin não convenceram a população
“Abaixo a reforma genocida”, “tirem as mãos da nossa aposentadoria” e “referendo já!”, bradaram multidões por toda a Rússia no domingo (2) em repúdio à famigerada ‘reforma da previdência’ do primeiro-ministro Medvedev, de indisfarçável inspiração no FMI, e que repete outros monstrengos cuja imposição é tentada praticamente no mundo inteiro.
A força das manifestações mostra que os retoques propostos pelo presidente Putin em busca de minorar os efeitos da ‘reforma’ e torná-la mais palatável, não convenceram. Na principal marcha, em Moscou, mais de 100 mil pessoas. A ‘reforma’ é repelida por 90% da população, conforme as pesquisas. Os atos homenagearam com um minuto de silêncio o líder da resistência no Donbass, Alexander Zakharchenko, assassinado em atentado no sábado. Os protestos se estenderam por mais de 100 cidades, de São Petersburgo, na costa báltica, a Vladivostok, no Pacífico, com manifestantes dizendo que “só no caixão vamos ver essa pensão” – numa referência a que a idade mínima de aposentadoria para os homens seria de 65 anos, quando a expectativa de vida deles atualmente é de 66 anos e, em várias regiões do imenso país, inclusive menor.

União de Mulheres Esperança da Rússia: “respeitem nossas aposentadorias”
Situação que levou os organizadores a considerar a reforma como “genocida” e ato de “terror social”. É o que acontece em 36 regiões da Rússia, sendo que na Sibéria, no Extremo Oriente, nas regiões setentrionais, a idade média é de 61 a 62 anos. Em Yekaterinburg, na região dos Urais, milhares de pessoas participaram de um ato chamado de ‘Regimento da Vergonha’, exibindo os retratos dos deputados que declararam apoio ao achaque aos aposentados.
Os atos deste fim de semana foram convocados pelo Partido Comunista da Federação Russa, Konsomol (Juventude), entidades populares e forças patrióticas. “A voz do povo deve ser ouvida”, afirmou o presidente do PCFR, Guenadi Ziuganov, ao exigir que a decisão seja tomada por plebiscito e não por deputados cujo partido escondeu na campanha eleitoral de março que ia tirar a aposentadoria dos idosos e o futuro dos mais jovens.
REJEIÇÃO
Mesmo Putin não saiu ileso da rejeição popular à ‘reforma da previdência’, com sua aprovação tendo caído de 80% para 63%. No principal recuo do malsinado projeto, o presidente russo defendeu em discurso à nação no meio da semana que a perda de anos de aposentadoria das mulheres seja igualada à dos homens, de cinco anos, e não de oito anos, como proposto inicialmente.
Ele também propôs reduzir em três anos o tempo de contribuição exigido para direito à aposentadoria, para 37 anos (mulheres) e 42 anos (homens). No mais, as propostas do presidente apenas maquiam alguns dos prejuízos causados a milhões de pessoas, que como ele admitiu, temem ficar na situação de “sem trabalho e sem aposentadoria”.
O que ele tentou amenizar propondo responsabilizar criminalmente, durante a transição, a demissão do que chamou de “idade de pré-aposentadoria” (cinco anos antes do novo limite) e aumento do seguro-desemprego provisoriamente. Sabedor do repúdio generalizado, ele insistiu em que era uma decisão “difícil, mas necessária”.
“Não era isso que a sociedade esperava do presidente da Federação Russa”, afirmou Ziuganov imediatamente após o discurso de Putin, e destacou a “rara unanimidade” com que o país rejeitou tal ‘reforma’. Em 2005, Putin havia rechaçado manobra semelhante contra os idosos e o futuro do país.
Na manifestação de Moscou, Ziuganov rebateu o falacioso argumento de que, sem o achaque dos aposentados, o orçamento estatal ficaria em risco e até mesmo “a segurança nacional”. Ele afirmou que o governo do Rússia Unida se recusou a adotar as propostas que permitiriam fazer o país crescer e se reindustrializar aceleradamente, o que possibilitaria um orçamento para este ano de “25 trilhões de rublos, e não esses 16 trilhões, garantindo mais cinco anos” só aí ao estatuto de aposentadoria atual, 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens, que foi criado por Stalin na década de 1930.
Como os apologistas da ‘reforma’ asseveram que, por falta de reposição de trabalhadores, o sistema de contribuição solidário terá de ser forçosamente complementado com recursos do orçamento, Ziuganov apontou mais fontes para o orçamento estatal – como deter a evasão de capital. “Durante um ano e meio, quase 4 trilhões de rublos foram tirados do país”.
OLIGARQUIA
“Dissemos: chamem as 200 famílias, a chamada oligarquia, que capturou 90% da riqueza nacional, e as obriguem a pagar impostos em escala progressiva. Mas [o governo] também se recusou”, assinalou Ziuganov. Ele lembrou que a alíquota máxima de imposto de renda nos principais países da Europa é de 45%, de 35% nos EUA, e nessa proporção na China. “E nós temos oligarcas pagando o mesmo que um professor ou trabalhador pobre. Isso não é justo, é absolutamente indigno”.
“Nós insistimos em fazer tudo pelo desenvolvimento da produção”, acrescentou o líder comunista, sobre a proposição de Putin de que a Rússia atinja a taxa média de crescimento mundial, de 3,5%. “Dizem que não há ninguém para trabalhar e não há produção. Existe. Em nós a utilização da capacidade produtiva está em 40-50%, com unidades inteiras continuando a estagnar-se e desmoronar-se”. Ele denunciou ainda que “o regime continua a injetar bilhões nos bancos e se recusa a parar a corrupção”.
“Esta reforma não permite que os jovens tenham um emprego normal. Entre nós, um em cada quatro jovens está sem trabalho, e um em cada três não consegue encontrar um emprego na sua especialização”, advertiu Ziuganov, lembrando que 1,5 milhão de jovens russos, sem perspectivas, deixaram o país.
Para Ziuganov, mesmo as alterações na reforma da previdência apresentadas são decorrência da enorme mobilização popular contra o esbulho, que está reunindo as forças patrióticas. Um ato menor foi realizado sob auspícios do partido Rússia Justa, o que se explica por estar marcada eleição de prefeito em Moscou no próximo dia 9. Com a segunda votação da reforma Medvedev prevista para 24 de setembro na Duma, as manifestações não vão parar: “aposentados, sim, oligarcas, não”.
ANTONIO PIMENTA