Na noite desta quarta-feira (20) a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei 5230/23, que altera alguns pontos da reforma do ensino médio. O projeto foi enviado ao Congresso pelo governo federal com o objetivo de desmontar os ataques realizados ao Ensino Médio durante os governos Temer e Bolsonaro e que foram batizados de “Novo Ensino Médio”.
O projeto aprovado pelos deputados é diferente do que foi apresentado pelo relator Mendonça Filho (União-PE) no final do ano passado e é fruto de um acordo com o governo para o aumento da carga horária da Formação Geral Básica para 2.400 horas, somados os três anos do ensino médio.
Mendonça Filho foi ministro da Educação de Michel Temer e um dos criadores do “Novo Ensino Médio”. Ele foi indicado para a relatoria do projeto pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e desvirtuou por completo o projeto enviado pelo governo federal, mantendo, na prática, as mazelas do “novo ensino médio”.
No relatório apresentado em dezembro, o deputado defendeu que a carga horária total da formação geral básica passasse de 1.800 horas – como é hoje – para 2.100 horas.
Após um amplo rechaço do movimento estudantil e dos setores ligados à Educação ao relatório de Mendoncinha, o ministro da Educação, Camilo Santana, costurou um acordo para a construção de um texto intermediário que contempla-se os principais pontos do texto apresentado pelo governo.
Camilo Santana acompanhou a votação da proposta e disse que o diálogo garantiu o retorno das 2.400 horas de formação geral básica, a essência do projeto, segundo ele. “Garantimos a formação geral básica boa, retomando a carga horária, e também garantimos o ensino técnico profissionalizante, que é o que queremos avançar no Brasil”, disse.
Ele afirmou que, durante a consulta pública feita pelo Ministério da Educação em 2023, 80% dos estudantes defenderam o ensino técnico profissionalizante integrado com o ensino médio.
A carga horária total do ensino médio continua a ser de 3.000 horas nos três anos (5 horas em cada um dos 200 dias letivos anuais). Para completar a carga total nos três anos, esses alunos terão de escolher uma área para aprofundar os estudos com as demais 600 horas, escolhendo um dos seguintes itinerários formativos:
- linguagens e suas tecnologias;
- matemática e suas tecnologias;
- ciências da natureza e suas tecnologias; ou
- ciências humanas e sociais aplicadas.
A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) afirmou que as 2.400 horas na formação geral básica foi uma vitória da luta dos estudantes e da Conferência Nacional de Educação. Dezenas de estudantes acompanharam a votação das galerias do Plenário. “Deve haver um entrelace entre a formação básica geral e a educação técnico-profissionalizante”, disse.
Alice Portugal e outros deputados defenderam os institutos federais de ensino como referência para um ensino profissionalizante mais consistente.
Para o deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ) houve vitórias em relação à lei de 2017, como as 2.400 horas na formação geral básica. Ele alertou que o ensino técnico com carga de 1.800 horas é uma precarização. “Teremos dois ensinos médios, um da formação geral, que poderá ser integral; e outro da formação técnica, precarizada, porque será para pobre”, disse.
A deputada Professora Luciene Cavalcante (Psol-SP) criticou o texto e afirmou que mudanças como o notório saber para professores do ensino profissionalizante e os itinerários formativos não vão significar melhoria para os estudantes. “Que mundo vocês estão pensando? É nossa escola pública, nosso cotidiano. Não podemos abrir mão do nosso futuro e nosso presente”, afirmou.
Na avaliação do dirigente da Campanha Nacional da Educação, Daniel Cara, o Novo Ensino Médio sofrerá um “impacto demolidor” com a ampliação da carga horária na Formação Geral Básica, mas ainda haverá um caminho a percorrer.
“A luta social é progressiva e vamos seguir firmes rumo à revogação do Novo Ensino Médio. E reitero: o NEM já sofrerá impacto demolidor com as 2400 de FGB – por isso, ocorreu tanta resistência por parte de Mendonça Filho e seus aliados. E fica a lição: as políticas educacionais não podem ser mais formuladas por pessoas que não entendem nada de educação”, afirmou.
RECONSTRUÇÃO DO ENSINO MÉDIO
O presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES-SP), Lucca Gidra, considerou um avanço com as horas obrigatórias, mas ponderou que o projeto apresentado por Mendonça Filho mantém atrasos que precisarão ser combatidos.
“Hoje tivemos uma importante conquista na luta pela reconstrução da Política Nacional do Ensino Médio que foi o estabelecimento das 2.400 horas nas disciplinas obrigatórias. É fundamental termos o retorno da prioridade às matérias que realmente são necessárias”, disse Lucca.
“Vale lembrar que foi o próprio Mendonça Filho que estabeleceu o Novo Ensino Médio e que destruiu os sonhos da juventude. Imagina só, um estudante que deseja passar em um vestibular e ter a garantia de um futuro melhor, chegar na escola e ter aula de ‘como fazer brigadeiro’, que é o resultado concreto dos itinerários criados por Mendonça Filho, quando era ministro”, ressaltou.
O líder estudantil relembra ainda que “a lógica privatista tentou transformar o Ensino Médio em uma incubadora para funcionários do Ifood. Tentou acabar com o sonho da juventude de ter um trabalho digno, de ir pra faculdade e contribuir com o desenvolvimento do país”.
MUDANÇAS A SEREM REALIZADAS
Um dos problemas no texto aprovado nesta noite está na previsão do uso de modalidades de ensino à distância para a aplicação das disciplinas obrigatórias.
Outro ponto que mudou em relação ao projeto enviado pelo governo é a obrigatoriedade do ensino de espanhol, que passa a ser facultativo.
Na visão do presidente da UMES, o que o relator propõe é retirar a escola do centro da formação dos estudantes. “A pandemia deixou em evidência que o Ensino à Distância não é uma ferramenta funcional, em especial para as disciplinas obrigatórias. O aluno é jogado de lado, sem qualquer acesso ao conteúdo e sem qualquer ferramenta para garantir que ele estude”, criticou. “O que precisamos de fato é de investimento na Educação. De escolas com estrutura, com acesso às tecnologias e com condições de fornecer aos estudantes um ambiente de aprendizagem. Nós, estudantes, lutamos para que o Ensino seja Integral e que esteja vinculado ao ensino técnico para garantir que os jovens tenham o futuro que merecem. E nós vamos lutar para retirar estes absurdos no Senado”, pontuou Lucca.