LUIZ CARLOS AZEDO
A prisão do general de Exército da reserva Walter Souza Braga Netto, ontem, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da Polícia Federal (PF), após parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), é uma mudança de paradigma no tratamento dado aos militares na política brasileira desde a redemocratização. O ministro também autorizou busca e apreensão em relação a ele e ao coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor do general. Ambos são suspeitos de envolvimento em tentativa de golpe de Estado e de obstrução de Justiça por tentar atrapalhar as investigações sobre os episódios relacionados aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Ironicamente, a prisão ocorreu um dia após o 13 de dezembro, aniversário do Ato Institucional n°5, que completou 56 anos. Assinado pelo então presidente Arthur da Costa e Silva, em 1968, o AI-5 marcou a fascistização do regime militar implantado após o golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart. Deu-se ali o início do período mais sombrio do regime militar. Não foi, como alguns imaginam, um golpe dentro do golpe, depois de uma disputa interna entre facções militares, mas o avanço de um processo de endurecimento do regime.
Os militares se sentiam ameaçados pelas articulações de uma Frente Ampla por políticos de oposição, entre os quais alguns que haviam articulado o golpe de estado — como Carlos Lacerda, da UDN — ou apoiado a destituição de João Goulart, porque suspeitavam que pleitearia a reeleição, como Juscelino Kubitschek e Ulysses Guimarães, ambos do PSD.
Esses políticos pretendiam restabelecer as eleições diretas para a Presidência, que deveriam ter sido realizadas em 1965. Grandes manifestações estudantis realizadas àquela época, entre as quais a famosa “Passeata dos 100 mil”, no Rio de Janeiro, sinalizavam a corrosão do apoio social ao regime.
Apresentado em cadeia nacional de rádio, pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, o AI-5 tinha 12 artigos. Numa canetada, acabou com a garantia de habeas corpus em casos de crimes políticos; fechou o Congresso Nacional, pela primeira vez desde 1937; autorizou o presidente a decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, confiscar bens privados e intervir em todos os estados e municípios.
Estabeleceu, também, a censura aos meios de comunicação e a tortura como prática nas prisões políticas. O filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles Junior, em cartaz nos cinemas, mostra a realidade à qual oposicionistas e seus parentes foram submetidos.
Não devemos nos iludir. A inspiração dos golpistas de 8 de janeiro de 2023 estava no passado: a destituição de João Goulart e o AI-5. Todas as investigações apontam para Braga Netto como o comandante militar do golpe, com objetivo de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, num primeiro momento. Depois, em 8 de janeiro, destituí-lo.
Não era um “golpe dentro do golpe”. O objetivo era manter Jair Bolsonaro no poder, fiador do apoio popular. A PF apontou a participação ativa do general Braga Netto na tentativa de pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderirem ao golpe e destituir Lula, além de desmoralizar os que se recusaram a fazê-lo.
ALTA TRAIÇÃO
Braga Netto respondia às acusações em liberdade, como lhe garantia o devido processo legal, mas tentou saber de informações sobre a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid e obstruir a Justiça. A obtenção e entrega de recursos financeiros para execução de monitoramento de alvos e planejamento de sequestros e, possivelmente, homicídios de autoridades, já pesava contra ele.
Não é trivial a prisão de um general na história do Brasil. Os antecedentes são os generais Custódio de Melo, durante a Revolta da Armada, em 1893/1894; Assis Brasil, Ladário Pereira Teles, Osvino Ferreira Alves, Euryale de Jesus Zerbini, além do marechal Henrique Teixeira Lott, durante o golpe militar de 1964.
Onde está o novo paradigma? A prisão de Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, e vice na chapa de Bolsonaro, ocorre no âmbito de uma investigação conduzida pelo STF. O caso mais próximo é o do general Newton Cruz, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), que esteve preso em 2000, por ordem da Justiça Federal, acusado de envolvimento na morte do jornalista Alexandre Von Baumgarten. Nesse caso, investigava-se um homicídio, não uma tentativa de golpe de Estado.
Para quem tem dúvida de que as coisas mudaram, recém-eleita para presidir o Superior Tribunal Militar (STM), a ministra Maria Elizabeth Rocha, que assumirá o comando da Corte em março, mandou o recado de que os militares devem atuar nos “quartéis e não na política”. Na última terça-feira, durante entrevista, disse que finalizada a apreciação por parte do STF, havendo indícios de crimes militares, os envolvidos também podem responder perante a Justiça Militar.
“Nesse caso, somos nós que avaliaremos, somos nós que julgaremos e, ao fim, depois das sentenças penais transitadas em julgado, se a condenação for superior a dois anos, há também a possibilidade de uma abertura de um processo para incompatibilidade ou indignidade para com o oficialato. E o oficial, então, é excluído das Forças Armadas e perde o posto e a patente”, explicou.
No Alto Comando do Exército, além de golpista, Braga Netto é considerado um traidor, devido aos ataques que fez aos seus pares.
Publicado originalmente no Correio Braziliense. Reproduzido com autorização do autor.