
TCU aponta um saldo devedor de R$ 109,4 bilhões. Um em cada 2 contemplados pelos programas não consegue pagar o financiamento
Uma auditoria promovida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), sob a relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues, ao se debruçar sobre o Plano Nacional de Educação (PNE), identificou uma inadimplência de 51,5% no Financiamento Estudantil (Fies) e no Programa Universidade para Todos (Prouni). No fim de 2022, o saldo devedor dos programas, ou seja, a soma das dívidas vencidas e não pagas, era de R$ 109,4 bilhões.
A auditoria sobre programas de financiamento estudantil está no Acórdão 1657/2024, que examinou R$ 176 bilhões alocados entre 2013 e 2022, sendo R$ 148 bilhões aplicados no Fies e R$ 28 bilhões no Prouni. No caso do Fies, um em cada dois beneficiados não efetuou os pagamentos, resultando em perdas financeiras que podem ser irreversíveis para os cofres públicos
Estima-se que, além da inadimplência de aproximadamente R$ 109 bilhões, somente nos processos de renegociação de dívidas, o governo tenha registrado prejuízos próximos a R$ 10 bilhões, com a oferta de descontos de até 99% para quitação dos débitos junto aos devedores.
Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2022 (Pnad contínua 2022), o TCU aponta que 80,8% da população brasileira com 25 anos ou mais não possui diploma de ensino superior, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2022) é de 52%.
O gasto público, entretanto, em educação superior no Brasil está próximo da média dos países da OCDE, de acordo com levantamento da própria organização internacional, o que pode indicar ineficiência na alocação dos recursos destinados a essa etapa de ensino, segundo levantamento do TCU. Em 2023, o governo brasileiro investia cerca de US$ 14.735 por aluno/ano no ensino superior. Na OCDE foram US$ 14.839 por aluno/ano.
O HISTÓRICO DO FIES
O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), criado ainda em 2001, no 2º mandato de FHC, é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitas na forma da Lei 10.260/2001. Podem recorrer ao financiamento os estudantes matriculados em cursos superiores que tenham avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação.
No entanto, o programa, mantido até hoje, tem apresentado resultados preocupantes, pois, se de um lado, assegura às instituições privadas de ensino superior o pagamento integral aportado pelos cofres públicos, de outro, muitos estudantes, como demonstrou a auditoria do TCU, após a sua formação, não têm conseguido pagar o financiamento, seja porque não lograram êxito no seu ingresso no mercado de trabalho ou pelo fato, muito comum nos dias de hoje, de sua renda não comportar essa despesa, que se estende, invariavelmente, por 15 anos.
O Fies, criado para, supostamente, ajudar estudantes a financiar o ensino superior, apresenta, com isso, resultados preocupantes. De acordo com a auditoria, um em cada dois beneficiários não pagou as mensalidades. Isso gera perdas financeiras significativas para os cofres públicos e limita a concessão de novos financiamentos.
O TCU também identificou que o governo registrou prejuízos de cerca de R$ 10 bilhões apenas nos processos de renegociação de dívidas.
O Fies recebeu R$ 148 bilhões entre 2013 e 2022 e o Prouni teve investimentos de R$ 28 bilhões no mesmo período. A soma dos recursos alocados corresponde a R$ 176 bilhões.
A título de comparação, todas as universidades federais (públicas), em 2022, receberam R$ 53,2 bilhões.
Embora tenham representado 2 importantes programas de inclusão social, permitindo aos pobres chegarem ao ensino superior, cujo acesso às universidades públicas tornou-se um funil, no País, nos últimos anos, o fato é que representaram uma transferência brutal de recursos públicos para poderosos conglomerados de ensino, hoje dominados em grande parte por fundações privadas internacionais sem nenhum compromisso com a nossa juventude, muito menos com um projeto nacional de desenvolvimento imprescindível para um país como o Brasil.
Basta dizer que, no auge do programa, essas instituições privadas chegaram a receber mais do erário que as universidades públicas, mas foram essas últimas que geraram e geram muito mais vagas e conhecimento, ou seja, desempenharam um papel social mais relevante que as aquinhoadas com dinheiro público.
RECOMENDAÇÕES DO TCU AO MEC
O TCU fez várias recomendações ao MEC, que devem ser implementadas em prazos específicos. Dentre elas, destacam-se:
- Elaboração de um plano de ação relacionado à Política Nacional de Educação Superior em até 180 dias.
- Definição clara das teorias que fundamentam os programas Fies e Prouni.
- Realização de uma avaliação detalhada da implementação dos programas em 365 dias.
Essas medidas visam aprimorar a eficiência no uso dos recursos públicos e proporcionar maior acesso à educação superior. O controle efetivo sobre esses programas precisa ser uma prioridade após os resultados da auditoria.
CONTEXTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL
Apesar do investimento significativo, o Brasil apresenta uma situação de desigualdade educacional. Enquanto a média de diplomados na OCDE é de 52%, no Brasil, 80,8% da população com 25 anos ou mais não possui diploma de ensino superior.
Isso leva à necessidade de políticas mais eficazes para garantir que os recursos destinados ao ensino superior sejam utilizados adequadamente. A auditoria do TCU revela ineficiências que devem ser tratadas com urgência.
O TCU também recomenda que o impacto financeiro dos programas Fies e Prouni seja comparado a outras intervenções federais. Isso permitirá uma análise mais clara sobre a eficácia do uso dos recursos públicos disponíveis. A comparação pode estimular inovações nas políticas educacionais e contribuir para a equidade no acesso à educação superior, atendendo melhor as necessidades da população.
MARCO CAMPANELLA