
[Este artigo foi lido por Eunice Wong, atriz formada na Juilliard, apresentada na lista da Audible, de Melhores Mulheres Narradoras. Seu trabalho está nas melhores listas anuais de audiolivros do The New York Times, Audible, Audiofile e Library Journal (http://www.eunicewong.actor/).]
CHRIS HEDGES E EUNICE WONG
Os bilionários, fascistas cristãos, vigaristas, psicopatas, imbecis, narcisistas e desviantes que tomaram o controle do Congresso dos EUA, da Casa Branca e dos tribunais estão canibalizando a máquina do Estado. Essas feridas autoinfligidas, características de todos os impérios em decadência, irão incapacitar e destruir os tentáculos do poder. E então, como um castelo de cartas, o império entrará em colapso.
Cegos pela arrogância, incapazes de compreender o poder em declínio do império, os mandarins do governo Trump se refugiaram em um mundo de fantasia onde fatos duros e desagradáveis não mais os perturbam. Eles balbuciam absurdos incoerentes enquanto usurpam a Constituição e substituem a diplomacia, o multilateralismo e a política por ameaças e juramentos de lealdade. Agências e departamentos, criados e financiados por atos do Congresso, estão sendo reduzidos a cinzas.
Eles estão removendo relatórios e dados governamentais sobre mudanças climáticas e se retirando do Acordo de Paris sobre o Clima. Estão saindo da Organização Mundial da Saúde. Estão sancionando funcionários do Tribunal Penal Internacional — que emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da defesa Yoav Gallant por crimes de guerra em Gaza. Eles sugeriram que o Canadá se tornasse o 51º estado dos EUA. Formaram uma força-tarefa para “erradicar o viés anticristão”. Pedem a anexação da Groenlândia e a tomada do Canal do Panamá. Propõem a construção de resorts de luxo na costa de uma Gaza despovoada sob controle dos EUA, o que, se ocorrer, derrubaria os regimes árabes sustentados pelos EUA.
Os governantes de todos os impérios decadentes, incluindo os imperadores romanos Calígula e Nero ou Carlos I, o último governante dos Habsburgo, são tão incoerentes quanto o Chapeleiro Maluco, pronunciando observações sem sentido, formulando enigmas sem resposta e recitando saladas de palavras de trivialidades. Eles, assim como Donald Trump, são um reflexo da podridão moral, intelectual e física que assola uma sociedade doente.
Passei dois anos pesquisando e escrevendo sobre os ideólogos distorcidos que agora tomaram o poder em meu livro American Fascists: The Christian Right and the War on America. Leia enquanto ainda puder. Sério.
Esses fascistas cristãos, que definem o núcleo ideológico do governo Trump, não se desculpam pelo ódio às democracias pluralistas e seculares. Eles buscam, como detalham exaustivamente em inúmeros livros “cristãos” e documentos como o Project 2025 da Heritage Foundation, deformar os poderes judiciário e legislativo, junto com a mídia e a academia, para transformá-los em apêndices de um Estado “cristianizado” liderado por um governante ungido divinamente. Eles admiram abertamente apologistas nazistas, como Rousas John Rushdoony, um defensor da eugenia que argumenta que a educação e o bem -estar social devem ser entregues às igrejas e a lei bíblica deve substituir o código legal secular e os teóricos do Partido Nazista como Carl Schmitt. Eles são racistas, misóginos e homofóbicos. Eles abraçam teorias bizarras de conspiração da substituição branca por um monstro sombrio que chamam de ‘o woke’. Basta dizer que eles não estão fundamentados em um universo baseado na realidade.
Os fascistas cristãos vêm de uma seita teocrática chamada Dominionismo. Essa seita ensina que os cristãos estadunidenses têm a missão divina de tornar os EUA um estado cristão e um agente de Deus. Os oponentes políticos e intelectuais desse biblicalismo militante são condenados como agentes de Satanás.
Sob o domínio cristão, a América não será mais uma nação pecaminosa e decaída, mas uma na qual os 10 mandamentos formarão a base de nosso sistema jurídico, o criacionismo e os ‘valores cristãos’ formarão a base do nosso sistema educacional, e a mídia e o governo proclamarão as boas novas a todos”, observei no meu livro. “Sindicatos, leis de direitos civis e escolas públicas serão abolidas. As mulheres serão removidas da força de trabalho para ficar em casa, e a todos aqueles considerados insuficientemente cristãos serão negados a cidadania. Além de seu mandato de proselitismo, o governo federal será reduzido à proteção dos direitos de propriedade e à segurança da ‘pátria’ ‘.
Os fascistas cristãos e seus financiadores bilionários, observei, ‘falam em termos e frases que são familiares e reconfortantes para a maioria dos americanos, mas não usam mais palavras para significar o que quiseram dizer no passado’. Eles cometem logocídio, matando definições antigas e substituindo-as por novas. Palavras – incluindo verdade, sabedoria, morte, liberdade, vida e amor – são desconstruídas e atribuídos significados diametralmente opostos. A vida e a morte, por exemplo, significam vida em Cristo ou morte a Cristo, um sinal de crença de incredulidade. A sabedoria refere -se ao nível de comprometimento e obediência à doutrina. A liberdade não é sobre liberdade, mas a liberdade que vem de seguir Jesus Cristo e ser libertada dos ditames do secularismo. O amor é torcido ao significar uma obediência inquestionável àqueles, como Trump, que afirmam falar e agir por Deus.
A espiral da morte está acelerando e inimigos fantasmas, tanto internos quanto externos, serão culpados pela derrocada, perseguidos e designados para a destruição. Quando os destroços estiverem completos, assegurando a miséria da população e o colapso dos serviços públicos, restará apenas o instrumento bruto da violência estatal. Muitas pessoas sofrerão, especialmente à medida que a crise climática impuser com intensidade cada vez maior a sua retribuição letal.
O colapso quase total do nosso sistema constitucional de freios e contrapesos aconteceu muito antes da chegada de Trump. O retorno de Trump ao poder representa o estertor final da Pax Americana. Não está distante o dia em que, como o Senado Romano em 27 a.C., o Congresso dará o seu último voto significativo e entregará o poder a um ditador. O Partido Democrata, cuja estratégia parece ser não fazer nada e torcer para que Trump imploda, já se resignou ao inevitável.
A questão não é se vamos cair, mas quantos milhões de inocentes levaremos conosco. Dado o poder de violência industrial que o nosso império exerce, pode ser um número enorme — especialmente se os que estão no comando decidirem recorrer às armas nucleares.
O desmantelamento da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) — que Elon Musk afirma ser operada por um “ninho de víboras marxistas radicais de esquerda que odeiam os EUA” — é um exemplo de como esses incendiários são incapazes de compreender o funcionamento dos impérios.
A ajuda externa não é benevolente. Ela é uma arma usada para manter a primazia sobre as Nações Unidas e remover governos que o império considera hostis. Aquelas nações na ONU e em outras organizações multilaterais que votam da maneira como o Império exige, que entregam sua soberania às empresas globais e às forças armadas dos EUA, recebem assistência. Aquelas que não o fazem, não.
Quando os EUA ofereceram construir um aeroporto na capital do Haiti, Porto Príncipe, o jornalista investigativo Matt Kennard relatou que exigiram que o Haiti se opusesse à admissão de Cuba na Organização dos Estados Americanos — e isso foi feito.
A ajuda externa financia projetos de infraestrutura para que corporações possam operar fábricas exploradoras e extrair recursos. Também sustenta a “promoção da democracia” e a “reforma judicial” que sabotam os líderes e governos que tentam permanecer independentes do império.
A USAID, por exemplo, financiou um “projeto de reforma de partidos políticos” que foi projetado “como um contrapeso” ao “radical” Movimento ao Socialismo (Movimiento al Socialismo) e buscava impedir que socialistas como Evo Morales fossem eleitos na Bolívia. Em seguida, financiou organizações e iniciativas, incluindo programas de treinamento para que os jovens bolivianos pudessem aprender as práticas empresariais estadunidenses, uma vez que Morales assumisse a presidência, para enfraquecer o seu controle sobre o poder.
Kennard, em seu livro “The Racket: A Rogue Reporter vs The American Empire”, documenta como instituições dos EUA – como o National Endowment for Democracy, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a USAID e a Drug Enforcement Administration – atuam em conjunto com o Pentágono e a CIA para subjugar e oprimir o Sul Global.
Os estados clientes que recebem ajuda devem quebrar sindicatos, impor medidas de austeridade, manter salários baixos e sustentar governos fantoches. Os programas de ajuda, amplamente financiados e projetados para derrubar Morales, levaram eventualmente o presidente boliviano a expulsar a USAID do país.
A mentira vendida ao público é que essa ajuda beneficia tanto os necessitados no exterior quanto nós aqui em casa. Mas a desigualdade que esses programas facilitam no exterior replica a desigualdade imposta internamente. A riqueza extraída do Sul Global não é distribuída de forma equitativa. Ela acaba nas mãos da classe bilionária, muitas vezes guardada em contas bancárias no exterior para evitar a tributação.
Enquanto isso, os nossos impostos financiam desproporcionalmente o militarismo, que é o braço de ferro que sustenta o sistema de exploração. Os 30 milhões de estadunidenses que foram vítimas de demissões em massa e da desindustrialização perderam os seus empregos para trabalhadores em fábricas no exterior. Como Kennard observa, tanto no país quanto no exterior, essa é uma vasta “transferência de riqueza dos pobres para os ricos, global e internamente.”
“As mesmas pessoas que criam os mitos sobre o que fazemos no exterior também construíram um sistema ideológico semelhante que legitima o roubo aqui dentro; roubo dos mais pobres pelos mais ricos”, ele escreve: “Os pobres e trabalhadores do Harlem têm mais em comum com os pobres e trabalhadores do Haiti do que com as suas elites, mas isso tem que ser obscurecido para que o esquema funcione.”
A ajuda externa mantém fábricas ou “zonas econômicas especiais” em países como o Haiti, onde os trabalhadores labutam por centavos por hora e muitas vezes em condições insalubres para corporações globais.
“Uma das facetas das zonas econômicas especiais, e um dos incentivos para as corporações nos EUA, é que as zonas econômicas especiais têm ainda menos regulamentações do que o estado nacional sobre como você pode tratar o trabalho e os impostos e a alfândega,” Kennard me disse em uma entrevista. “Você abre essas fábricas nas zonas econômicas especiais. Paga-se uma miséria aos trabalhadores. Você tira todos os recursos sem precisar pagar a alfândega ou os impostos. O estado no México ou Haiti ou onde quer que seja, onde estão transferindo essa produção, não se beneficia de forma alguma. Isso é planejado. Os cofres do estado são sempre os que nunca são aumentados. São as corporações que se beneficiam.”
Essas mesmas instituições dos EUA e mecanismos de controle, Kennard escreve em seu livro, foram usados para sabotar a campanha eleitoral de Jeremy Corbyn, um feroz crítico do império dos EUA, para o cargo de primeiro-ministro na Grã-Bretanha.
Os EUA desembolsaram quase 72 bilhões de dólares em ajuda externa no ano fiscal de 2023. Financiaram iniciativas de água potável, tratamentos para HIV/AIDS, segurança energética e trabalho contra a corrupção. Em 2024, forneceram 42% de toda a ajuda humanitária registrada pelas Nações Unidas.
A ajuda humanitária, muitas vezes descrita como o “soft power”, é projetada para mascarar o roubo de recursos no Sul Global por corporações dos EUA, a expansão da presença militar dos EUA, o controle rígido de governos estrangeiros, a devastação causada pela extração de combustíveis fósseis, o abuso sistêmico de trabalhadores nas fábricas globais e o envenenamento de crianças trabalhadoras em lugares como o Congo, onde são usadas para minerar lítio.
Duvido que Musk e seu exército de jovens minions no Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) — que não é um departamento oficial dentro do governo federal — tenham ideia de como as organizações que estão destruindo funcionam, por que existem, ou o que isso significará para a queda do poder estadunidense.
A apreensão de registros de pessoal do governo e material confidencial, o esforço para encerrar centenas de milhões de dólares em contratos governamentais — principalmente os relacionados à Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), as ofertas de indenizações para “drenar o pântano” incluindo uma oferta de indenização para toda a força de trabalho da CIA — agora temporariamente bloqueada por um juiz — a demissão de 17 ou 18 inspetores gerais e promotores federais, a interrupção de financiamentos e subsídios governamentais, os fazem canibalizar o leviatã que adoram.
Eles planejam desmontar a Agência de Proteção Ambiental, o Departamento de Educação e o Serviço Postal dos EUA, parte da maquinaria interna do império. Quanto mais disfuncional o estado se torna, mais cria oportunidades de negócios para corporações predatórias e empresas de private equity. Esses bilionários farão uma fortuna “colhendo” os restos do império. Mas, no final, estão matando a besta que criou a riqueza e o poder dos EUA.
Uma vez que o dólar não seja mais a moeda de reserva mundial, algo que o desmantelamento do império garante, os EUA não poderão pagar seus enormes déficits vendendo títulos do Tesouro. A economia estadunidense cairá em uma depressão devastadora. Isso desencadeará uma quebra da sociedade civil, com preços disparando, especialmente para produtos importados, salários estagnados e altas taxas de desemprego. O financiamento de pelo menos 750 bases militares no exterior e o nosso exército inchado se tornará impossível de sustentar. O império se contrairá instantaneamente. Será uma sombra de si mesmo. O hipernacionalismo, alimentado por uma raiva incipiente e a desesperança generalizada, se transformará em um fascismo estadunidense cheio de ódio.
“A queda dos Estados Unidos como a principal potência global pode ocorrer muito mais rapidamente do que qualquer um imagina,” escreve o historiador Alfred W. McCoy em seu livro “In the Shadows of the American Century: The Rise and Decline of US Global Power”.
Apesar da aura de onipotência que os impérios frequentemente projetam, a maioria é surpreendentemente frágil, sem a força inerente de um Estado-nação modesto. De fato, uma olhada em sua história deve nos lembrar que os maiores deles são suscetíveis ao colapso por diversas causas, sendo as pressões fiscais geralmente um fator primário. Por mais de dois séculos, a segurança e a prosperidade da pátria foram o principal objetivo para a maioria dos estados estáveis, tornando as aventuras externas ou imperiais uma opção descartável, geralmente alocada em no máximo 5% do orçamento doméstico. Sem o financiamento que surge quase organicamente dentro de uma nação soberana, os impérios são notoriamente predatórios em sua busca incessante por pilhagem ou lucro — como testemunham o comércio de escravos no Oceano Atlântico, a ganância da Bélgica pela borracha no Congo, o comércio de ópio na Índia Britânica, o estupro da Europa pelo Terceiro Reich, ou a exploração da Europa Oriental pela União Soviética.
Quando as receitas encolhem ou colapsam, McCoy aponta, “os impérios se tornam frágeis.”
“Tão delicada é a sua ecologia de poder que, quando as coisas começam a dar errado de verdade, os impérios se desmoronam com uma velocidade impiedosa: em apenas um ano para Portugal, dois anos para a União Soviética, oito anos para a França, onze anos para os otomanos, dezessete para a Grã-Bretanha e, provavelmente, apenas vinte e sete anos para os Estados Unidos, contando a partir do ano crucial de 2003 [quando os EUA invadiram o Iraque],” ele escreve.
A gama de ferramentas usadas para a dominação global — vigilância em massa, destruição das liberdades civis, incluindo o devido processo legal, tortura, polícias militarizadas, o sistema massivo de prisões, drones militarizados e satélites — será usada contra uma população inquieta e enfurecida.
O devorar do cadáver do império para alimentar a ganância desmesurada e os egos desses predadores prenuncia uma nova Idade das Trevas.
Originalmente publicado no blog do autor em 07 de fevereiro de 2025.