
“Nenhum prefeito foi convidado a sentar na mesa e dialogar com mineradoras, governos estaduais e Federal, Ministério Público”, critica prefeito de Mariana
A Prefeitura de Mariana (MG) decidiu não aderir ao Acordo de Reparação da Bacia do Rio Doce pelo rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco (associação da Vale com a BHP Billiton) em 2015, causando destruição de comunidades, impactos ambientais e a morte de 19 pessoas. O pacto prevê o pagamento de R$ 6,1 bilhões aos municípios (somando os repasses para todos) no prazo de 20 anos. Dos 49 municípios de MG e ES atingidos pela tragédia, 26 assinaram o acordo.
Liderados por Mariana, os outros 26 municípios que rejeitaram o termo apontam a falta de critério na destinação dos recursos, o percentual de reparação e o pagamento no prazo de 20 anos, como empecilhos para chegar a um consenso.
Para o prefeito Juliano Duarte (PSB), o número de prefeitos que aderiram ao termo de reparação representa uma derrota para os governos estadual e federal. “Consideramos isso uma derrota para os governos estadual e federal. A proposta de repactuação veio depois de 9 anos do rompimento da barragem”, disse à Agência Brasil na sexta-feira (7).
Ele também critica a falta de diálogo com as prefeituras. “Nenhum prefeito foi convidado a sentar na mesa e dialogar com mineradoras, governos estaduais e Federal, Ministério Público. Tomaram decisão que veio de cima para baixo. Estamos abertos ao diálogo, mas, nesses termos do acordo, não iremos aceitar”, continuou o chefe do Executivo marianense, um dos municípios mais afetados pelo desastre.
Segundo o prefeito, o pedido dos municípios às empresas era de R$ 17 bilhões de pagamentos – quase R$ 11 bilhões a mais do que foi firmado. Duarte ressaltou que considera justo o valor total de reparação repactuado, mas reclamou da distribuição e reiterou o descontentamento pela exclusão das prefeituras nas negociações.
“Depois de nove anos, acontece a repactuação, e quando acontece, nenhum prefeito foi convidado a participar, a sentar à mesa, a dialogar. Nós consideramos isso como uma derrota tanto para o governo federal quanto para o governo do estado, já que, infelizmente, não houve diálogo com as prefeituras”, avalia. “A economia de Mariana, junto com a barragem, desmontou. A prefeitura perdeu quase 70% da sua receita”, prosseguiu o prefeito.
Segundo ele, a parcela dos municípios que aderiu ao acordo o fez por dificuldades financeiras graves. O prefeito de Marina citou o caso de Barra Longa/MG, onde a prefeitura alegou precisar do dinheiro para pagar os servidores. “O impacto é maior nas cidades. Os problemas sociais estão nelas. Não estão na porta dos governos Federal ou estadual”.
“Desse acordo de R$ 170 bilhões”, explicou, “somente 4% seriam divididos entre 49 municípios, ou seja, R$ 6,1 bilhões”. “O Fórum de Prefeitos pediu 11% do valor total de repactuação”, explicou. “Consideramos esse percentual com base no acordo que foi feito na cidade de Brumadinho”, exemplifica. “Isso daria aproximadamente R$ 17 bilhões, que seriam divididos entre os municípios.”
AÇÕES NA JUSTIÇA
No dia 28 de fevereiro, 21 municípios entraram na justiça com uma nova ação e pedido de R$ 46 bilhões às mineradoras por danos morais coletivos. Eles sustentam que o pagamento de R$ 6,1 bilhões pela Samarco é insuficiente.
Além dos problemas levantados pelos municípios, o acordo homologado em novembro de 2024 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), suscita outros questionamentos. Uma das condicionantes é o fim de disputas judiciais no Brasil e no exterior. O julgamento, na corte de Londres, contra a BHP Billiton está em fase final. A companhia britânica controla, com a Vale, a Samarco, proprietária da barragem de rejeitos que colapsou há nove anos.
O processo iniciado pelo Tribunal Superior de Londres foi retomado na quarta-feira (5), com as alegações finais — etapa que precede a decisão do juiz. A decisão deve ser anunciada até 15 de março próximo. A ação movida na Justiça inglesa, por cerca de 620 mil atingidos pela tragédia, pleiteia mais de R$ 260 bilhões em indenizações da anglo-australiana BHP.
Uma decisão do ministro Flavio Dino, do STF, na quarta (5), determinou que indenizações internacionais não podem ser usadas para pagamentos dos honorários dos escritórios que defendem os atingidos. A medida teria ajudado a atrair mais municípios ao acordo. Contudo, a decisão não impediu o direito de as prefeituras continuarem buscando seus direitos no exterior, e por isso várias delas mantêm o processo.
Também na quarta, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, negou um pedido da Associação Mineira de Municípios (ANM) para que o prazo de adesão ao acordo de Mariana, encerrado na quinta (6), fosse estendido.
O acordo aprovado pelo STF é uma reformulação da política de reparação anterior, que estabeleceu a Fundação Renova para executar as ações. Entre as principais alterações está o encerramento da fundação e a transferência dos recursos diretamente para as prefeituras.
Um total de R$ 100 bilhões do valor acordado com a Vale serão repassados aos entes públicos (União, os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e municípios que aderirem). Destes, R$ 32 bilhões serão destinados à recuperação de áreas degradadas, remoção de sedimentos, reassentamento de comunidades e indenizações a pessoas afetadas. Antes da repactuação, R$ 38 bilhões já haviam sido gastos em ações de reparação de danos.
As indenizações incluem R$ 35 mil aos atingidos em geral e R$ 95 mil aos pescadores e agricultores; a estimativa é de que 300 mil pessoas terão direito a receber os valores.
Apesar de ver como positivo o esforço do Estado na condução do processo, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), apontou falhas na sua condução. Por exemplo, ausência de participação livre e informada dos atingido durante as discussões, além de “insuficiente” o previsto para às reparações individuais. “Foi um acordo que não discutiu a reparação integral dos atingidos”, disse ao HP o coordenador nacional MAB, Joceli Andrioli no ano passado.
A reportagem entrou em contato com Joceli e outros representantes do Movimento para atualizar as informações, mas não obteve retorno até a publicação.