
“Temos que forçar nossas autoridades a que criem condições para que as histórias sejam contadas. O futuro só será nosso se pudermos contar o passado”, sublinhou o cineasta no lançamento no Cine Botafogo
“Estamos vivendo um momento de conflito muito grande entre a memória e a desmemória, onde contar histórias como essa da Lúcia Maria Pimentel é fundamental para preservar e defender o nosso futuro”, afirmou o renomado cineasta Silvio Tendler, durante a sessão gratuita do filme “Ousar Viver! Histórias da Maria”, terça-feira (11) à noite, na Estação Botafogo, no Rio de Janeiro.
Apesar da falta de luz e depois a forte chuva que desabou sobre a cidade maravilhosa, não faltou energia para tantas lideranças sindicais, partidárias, amigos e companheiros da veterana combatente do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), e do próprio Tendler – que aniversariou no dia seguinte – comparecerem. Na oportunidade, o cineasta reiterou que é necessário resgatar o passado para que daqui alguns anos não estejamos sendo induzidos a acreditar “em contos catastróficos”.
Tendler recordou que “quando o mundo estava longe do que está agora”, havia um assistente de direção que falava sobre campos de concentração e dizia que “abandonando a memória, daqui a 10, 15 anos, pode haver pessoas vendo essas imagens e dizendo que são fake, que são bonecos, figuras maquiadas e que isso nunca aconteceu”. “Nós começamos a viver essa desmemória”, alertou.
FILMES DE TENDLER MOBILIZAM CONSCIÊNCIAS
Premiado com filmes como “Jango”, “Os Anos JK” e “O veneno está na mesa”, Tendler valoriza o resgate histórico como forma de mobilizar consciências para romper as amarras impostas pelo sistema financeiro e pelas transnacionais, que fazem com que “o Brasil seja um país desmemoriado obrigatoriamente”. Por isso, enfatizou, é preciso “forçar as nossas autoridades a criarem condições para que as histórias sejam contadas, pois o futuro só será nosso se pudermos contar o passado”.
Agradecendo a Maria Pimentel por ter oferecido sua trajetória como referencial e a parceria das meninas do Instituto Angelim, o cineasta reconheceu a relevância de cada um dos membros da equipe de produção.
Segundo a produtora executiva do documentário e coordenadora de projetos do Angelim, Mirlene Simões, “o filme expressa a Maria de todas as lutas, a Maria que inspira a defender os direitos das mulheres e das trabalhadoras, apresentando o caminho de resistência em tempos duros”. “É uma vida pela democracia, uma vida coletiva, pela vida das mulheres. Histórias que ficaram guardadas no passado e que agora temos a alegria e a satisfação de apresentar às novas e futuras gerações”, destacou. Mas mais do que tudo, assinalou Mirlene, agradecemos a Maria “por nos emprestar sua história para que possamos lembrar de projetos coletivos pela democracia, por lembrarmos das mulheres à frente destas lutas”.
Para Monica Fonseca Severo, da equipe de produção, “este é um filme que fala de juventude, de compromisso, de gente que se percebe como fazedora de história. É uma injeção de ânimo para seguirmos na luta”.
O jornalista Franklin Martins foi um dos muitos que deixaram seu depoimento gravado no documentário e compareceram ao lançamento no Botafogo, frisando que “não teve ditadura boazinha, não teve essa história de ditabranda, isso é má-fé”.
Dirigente histórico da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), João Batista Lemos, resgatou “a trajetória da Maria, uma liderança que conheci no âmbito da Federação Sindical Mundial (FSM) e da Organização Internacional do Trabalho, com quem aprendi a construir ações unitárias de envergadura pelos direitos sociais e trabalhistas”. “Não conhecia toda essa intensa relação com a família do governador de Pernambuco Miguel Arraes na Argélia, seu papel na Revista Brasil Popular nem do minucioso trabalho realizado na gráfica da luta armada. Vejo isso tudo com muito orgulho”, salientou Batista.
Companheiro de Maria nos tempos de MR8 e atualmente vice-presidente estadual do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Irapuan Ramos Santos apontou que “o lançamento do filme ‘Ousar Viver!’ vem em um momento importante da luta dos patriotas, que reacende a força dos revolucionários e é um exemplo para a nossa juventude”.
Para Luiza Lobo, colega de Maria nos tempos do Colégio Bennett, o documentário recordou toda a intensidade e engajamento daqueles dias de “terror total”, onde se vivia a dor e o sofrimento da perseguição e da repressão. “Em 1964 eu estava com 16 anos e via meus sonhos todos no chão: os militares haviam tomado o poder, nada de bom ia acontecer. Nosso presidente, o Jango, havia ido embora, não tinha como segurar, destruíram nosso colégio, nada mais de reforma agrária, igualdade, liberdade, devastaram as florestas, sumiram os indígenas, acabaram com os trens”, ressaltou. O filme dá uma bela sacudida nestas lembranças, “cumprindo o papel de combater a alienação e a idolatria do nada”, sintetizou Luiza Lobo, remetendo “a uma reflexão de que a única maneira de sair daquela situação é com consciência, para evitar a manipulação”. “O documentário contribui para que tenhamos pessoas engajadas”, assinalou.
MARIA DE TODAS AS LUTAS
A trajetória de Maria iniciou no combate ao Golpe de 1964, que depôs o governo de João Goulart. Integrante da Dissidência da Guanabara (DI-GB), logo passou a militar no Movimento Revolucionário 8 de Outubro – organização responsável pela captura do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick. Como foi lembrada, a ação viria a ter um papel fundamental não só para a libertação de 15 lideranças opositoras que estavam criminosamente encarceradas, mas pela leitura de um manifesto em rede nacional de rádio e televisão denunciando as torturas e os crimes praticados pelo regime.
Em 1969, Maria passou 100 dias presa por sua resistência ao regime e, posteriormente, exilada, viveu na Argélia e na Suíça, antes de retornar, clandestina, ao Brasil em 1975. Desde então, sua atuação tem sido marcada por uma série de avanços significativos no movimento sindical, incluindo a diretoria do Sindicato dos Gráficos de São Paulo, a liderança da Comissão Organizadora da 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em 1981, e do Congresso da Mulher Trabalhadora, em 1985.
O argumento foi desenvolvido por Fabíola Notari, Lenice Antunez, Maria Beatriz Rocha, Mirlene Simões e Monica Fonseca Severo.
LEONARDO WEXELL SEVERO
“Ousar Viver! Histórias da Maria”. Assista e compartilhe!