“Não podemos nos calar ante a carnificina praticada contra civis palestinos”, afirma Lula

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: José Cruz - Agência Brasil)

Em mensagem lida pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, o chefe do Executivo criticou o “unilateralismo” e as “grandes potências” que “agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas”

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, participou nesta terça-feira (27), no Palácio Itamaraty, da cerimônia em comemoração ao Dia do Diplomata. O evento marcou também a entrega da Ordem de Rio Branco e a formatura da Turma Eunice Paiva do Instituto Rio Branco.

O vice-presidente leu para os formandos a mensagem enviada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que não pode estar presente à solenidade por motivos de saúde. Ele destacou em sua mensagem os desafios crescentes para a diplomacia brasileira em um cenário global de instabilidade. “Caberá a vocês serem diplomatas em uma era de negação da diplomacia. Na política, a democracia está em perigo. Na diplomacia, cresce o unilateralismo”, afirmou.

Vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, leu o pronunciamento de Lula no evento (Foto: Canal Gov)

Segundo Lula, a defesa de uma ordem internacional mais justa passa, necessariamente, pelo fortalecimento do multilateralismo e pela atuação conjunta no combate à fome e à pobreza. “É inconcebível que se gastem US$ 2,4 trilhões por ano com armamentos enquanto existem mais de 730 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar”, escreveu.

O presidente Lula voltou a criticar o que chamou de carnificina de Israel em Gaza. “Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas. A guerra em Gaza é um sintoma trágico desse mal. O Brasil condenou o terrorismo do Hamas de maneira clara e contundente. Mas não podemos nos calar ante a carnificina praticada contra civis palestinos, que resultou na morte de milhares de mulheres e crianças inocentes”, afirmou, destacando que “a comunidade internacional precisa reconhecer o Estado palestino”.

O chefe do Executivo falou também sobre a guerra da Otan contra a Rússia, usando a Ucrânia como bucha de canhão. “Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito. Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória”, disse Lula.

A necessidade de reconstruir mecanismos de integração na América do Sul também teve destaque na mensagem do presidente. Ele criticou a marginalização do Sul Global nas decisões internacionais. “Se permanecer fragmentada, a região será marginalizada no rearranjo do tabuleiro global”, apontou Lula.

“O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas. Os Estados Unidos são uma presença incontornável para a América Latina e para o Brasil. Os laços entre as sociedades brasileira e americana são robustos. A parceria com a China, onde acabo de realizar uma segunda visita de Estado, tem imenso potencial transformador. Nosso diálogo político e sinergias vão impulsionar planos nacionais de transição energética, reindustralização e infraestrutura”, prosseguiu o presidente.

Ao encerrar a mensagem, o presidente fez menção ao caráter plural da nação brasileira, citou o estudo que mostrou a grande miscigenação da população e fez um apelo para que a pluralidade do povo brasileiro sirva de exemplo no cenário internacional. Ele destacou que essa diversidade deve ser a marca da atuação diplomática do país. “Em um mundo que está substituindo pontes por muros, é essa a pluralidade que vocês representarão no exterior”, concluiu.

Leia, na íntegra, a mensagem de Lula lida por Geraldo Alckmin

Ao longo de quase onze anos como presidente, tive o privilégio de comparecer a quase todas as formaturas de egressos do Instituto Rio Branco.

Com a cerimônia de hoje, cerca de 700 diplomatas já se formaram em meus três mandatos.

Eles correspondem a quase metade dos 1.600 membros do corpo diplomático brasileiro.

Em seus 80 anos de existência, o Instituto Rio Branco contribuiu de forma decisiva para o profissionalismo do serviço exterior brasileiro e foi fundamental para a inserção internacional do país.

Mas o peso da responsabilidade que recai sobre a diplomacia brasileira é hoje maior do que nunca.

Voltei a ser presidente em uma época de negação da política.

Caberá a vocês serem diplomatas em uma era de negação da diplomacia.

Na política, a democracia está em perigo.

O extremismo ameaça as instituições pelas quais Eunice Paiva, homenageada pelos formandos de 2024, e muitos outros lutaram para construir e defender.

Na diplomacia, cresce o unilateralismo.

Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas.

Nos planos interno e externo, proliferam tentativas de impor visões de mundo e de sociedade, desconsiderando a diversidade que enriquece a experiência humana.

O desprezo pelas diferenças é um convite à desumanização.

A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, paraninfa desta turma, retrata em sua obra o silenciamento da população negra.

Indígenas e mulheres partilham dessa dor.

Migrantes são criminalizados por desejarem uma vida melhor.

Levado às últimas consequências, o apagamento do outro leva a seu extermínio.

A guerra em Gaza é um sintoma trágico desse mal.

O Brasil condenou o terrorismo do Hamas de maneira clara e contundente. Mas não podemos nos calar ante a carnificina praticada contra civis palestinos, que resultou na morte de milhares de mulheres e crianças inocentes.

A comunidade internacional precisa reconhecer o Estado palestino.

Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito.

Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória.

A única solução é o diálogo entre as partes.

Só existe entendimento quando há respeito à pluralidade.

Relações de Estado não podem ficar à mercê de diferenças políticas entre os governos.

Esse equívoco contaminou, nos últimos anos, o processo de integração em nossa região.

Dar prioridade ao entorno não é uma escolha, é uma necessidade.

Estradas, ferrovias e linhas de transmissão não têm ideologias.

A circulação de pessoas e de bens passa ao largo das desavenças entre governantes.

Reunir os doze presidentes sul-americanos, como fizemos em 2023, tornou-se praticamente impossível.

Mas o Brasil não pode perder do horizonte a revitalização dos órgãos da integração. Precisamos reconstruir a UNASUL e dotar a CELAC de maior institucionalidade.

Em junho, promoveremos a segunda Cúpula Brasil-Caribe.

Se permanecer fragmentada, a região será marginalizada no rearranjo do tabuleiro global.

O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas.

Os Estados Unidos são uma presença incontornável para a América Latina e para o Brasil.

Os laços entre as sociedades brasileira e americana são robustos.

A parceria com a China, onde acabo de realizar uma segunda visita de Estado, tem imenso potencial transformador.

Nosso diálogo político e sinergias vão impulsionar planos nacionais de transição energética, reindustralização e infraestrutura.

A Ásia como um todo vem se consolidando como eixo dinâmico da economia global.

Temos no Japão um parceiro de longa data e na Índia um vasto campo inexplorado de colaboração.

Com vários países do Sudeste Asiático, já temos volume de comércio superior ao que possuímos com sócios tradicionais.

A relação com a Europa continua estratégica.

Dentro de alguns dias estarei na França, país importante na construção de uma ordem multipolar.

O acordo Mercosul-União Europeia é um símbolo contra o protecionismo.

Estamos criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas.

Nossas economias, juntas, representam um PIB de 22 trilhões de dólares.

A defesa dos valores democráticos é, hoje, a mais importante missão que compartilhamos.

Laços históricos conectam o Brasil não só ao continente europeu, mas também ao africano.

Temos com a África uma dívida que só pode ser paga em solidariedade, cooperação e transferência de tecnologia.

Foi com esse espírito que realizamos na semana passada o Segundo Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, e que se encerrou com a visita de Estado do presidente João Lourenço, de Angola.

Em breve, sediaremos, no Rio de Janeiro, a Cúpula dos BRICS.

O BRICS é, hoje, o porta-voz de uma ordem internacional diversa, que já não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945.

Quando a ONU foi fundada, ela contava com apenas 51 membros. Hoje somos 193 nações na organização.

Não é admissível que cinco países tornem os demais reféns de suas vontades e interesses.

A prosperidade permanecerá um privilégio de poucos enquanto as vozes do Sul Global não estiverem devidamente representadas no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional.

Há quem critique o conceito de Sul Global, argumentando que somos muito diferentes entre nós.

Mas países de renda baixa e média continuam na periferia de um sistema que só beneficia o centro.

Os países ricos foram, historicamente, os grandes responsáveis pela mudança do clima, mas serão os mais pobres quem sofrerão o maior impacto.

A noção de justiça climática será crucial na COP30, em Belém.

É preciso lembrar que embaixo de cada árvore há uma pessoa.

É inconcebível que se gastem 2,4 trilhões de dólares por ano com armamentos enquanto existem mais de 730 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

A presidência brasileira do G20 deixou como legado a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que está trabalhando para erradicar esses flagelos de uma vez por todas.

Caras formandas e caros formandos,

O multilateralismo é ferramenta fundamental para que o Brasil atinja seus objetivos nacionais.

Não poderemos falar em justiça tributária sem que haja um entendimento internacional sobre a tributação de super-ricos.

Não conseguiremos coibir violações de direitos em plataformas digitais sem que haja um esforço coletivo para regulá-las.

Não lograremos preservar a Amazônia sem que todos os países façam sua parte para combater o aquecimento global.

O papel de vocês, diplomatas, implica levar para a frente externa as batalhas que travamos internamente.

Precisamos combater o extremismo e as desigualdades lá fora com o mesmo vigor com que lutamos aqui dentro.

Em pouco mais de um mês, nos despedimos do Papa Francisco, do presidente Mujica e do fotógrafo Sebastião Salgado.

O humanismo e a solidariedade que eles representavam são fonte de inspiração para o mundo.

A ciência mostrou recentemente que o Brasil é o país com a maior diversidade genética do mundo.

Sem desconsiderar a história de violência por trás da miscigenação que nos caracteriza, é significativo que o povo brasileiro tenha a pluralidade inscrita em seu DNA.

Em um mundo que está substituindo pontes por muros, é essa a pluralidade que vocês representarão no exterior.

As recentes premiações do cinema brasileiro em festivais internacionais dão prova da vitalidade da cultura nacional e da nossa política audiovisual.

Quero aproveitar essa cerimônia para cumprimentar Fernanda Torres, Walter Salles, Kleber Mendonça, Wagner Moura e todos os que contribuíram para esse feito.

Estou certo de que a turma Eunice Paiva contribuirá para continuar fazendo do Brasil uma força positiva para a humanidade e para o planeta.

Muito obrigado.

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