
O avanço da pejotização, com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de suspender todos os processos sobre o tema no país, foi alvo de severas críticas na audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, na quinta-feira (29).
De acordo com autoridades, magistrados e juristas presentes, a pejotização – prática em que empresas contratam o trabalhador como pessoa jurídica (PJ) para fugir dos custos e obrigações legais – acentua a precarização das relações trabalhistas, compromete a proteção social e esvazia direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Para o senador Paulo Paim, autor da solicitação pela realização da audiência, a pejotização “é um ataque frontal à CLT” e “fragiliza o pacto social brasileiro”.
“Estamos falando de milhões de trabalhadores e de um rombo que já chega a R$ 89 bilhões aos cofres públicos desde a reforma trabalhista”, disse o senador, ao citar dados da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
O desembargador Clóvis Schuch Santos, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, criticou a decisão do Supremo: “Estamos vendo uma destruição da CLT, da Previdência e até da economia, com a legitimação de vínculos precários”. “Quem vai contratar um trabalhador com todos os direitos trabalhistas, se pode fazê-lo por meio de uma PJ, sem direito algum, apenas com a remuneração?”, questionou.
Segundo o desembargador, o avanço da pejotização no Brasil representa um “retrocesso” e não pode ser confundido com modernização. “O que é moderno realmente hoje no mundo do trabalho é avançar na proteção, é avançar na civilização”, disse.
Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Augusto César Leite de Carvalho, “não há base jurídica para a pejotização como forma lícita de contratação quando há subordinação, pessoalidade e continuidade. A realidade dos fatos deve prevalecer sobre a formalidade do contrato”.
Conforme o ministro, a pejotização é um retrocesso social. “A autorização dessa prática fragiliza a rede de proteção social que financia direitos como licença-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria”, disse.
A coordenadora-geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Dercylete Loureiro, que mostrou dados do ministério sobre o perfil dos trabalhadores pejotizados, afirmou: “Estamos falando de faxineiros, serventes, vendedores, porteiros. Pessoas vulneráveis que não têm patrimônio para dissociar da própria força de trabalho. É uma crise existencial do direito do trabalho; elas são submetidas a contratos precários por falta de alternativas”, declarou.
Os dados apresentados por ela mostram que 93% dos trabalhadores pejotizados ganham até R$ 6 mil e, desses, mais da metade recebe até R$ 2 mil.
“Ou reafirmamos a primazia da realidade ou consagraremos um modelo de faz de conta, que legitima a fraude e desmonta o direito do trabalho”, destacou o representante do Ministério Público do Trabalho (MPT) e coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, Renan Kalil. Segundo ele, o número de denúncias de fraudes trabalhistas quintuplicou na última década.
O diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Renato Bignami, citou a reforma trabalhista de 2017, afirmando que ela contribuiu significativamente para a pejotização no país. “O mercado de trabalho, pós-reforma, trouxe um aumento exponencial da terceirização e pejotização. Esse cenário é desafiador para todos os operadores do Direito, principalmente aqueles que atuam no Direito do Trabalho”, pontuou.