
“Não haverá independência nem paz no mundo enquanto houver um único Estado do mundo colonizado”, ressaltou Mohamed Alí Alí Salem, defendendo “o reconhecimento da República Árabe Saarauí Democrática (RASD) por se tratar de uma causa de direito internacional, de justiça”
Leonardo Wexell Severo, de Buenos Aires
“O regime do Marrocos é um regime feudal, uma monarquia feudal, uma excrescência em pleno século 21, que segue sendo regida por mentalidade, diretrizes e filosofia política medieval. Além disso, é um narcoestado, que produz, colhe e vende haxixe, que baseia sua política e diplomacia na chantagem e na compra de vontades”.
A denúncia foi feita pelo embaixador da República Árabe Saarauí Democrática (RASD) na Argentina e representante da Frente Polisário, Mohamed Alí Alí Salem, durante entrevista em Buenos Aires, no encerramento da II Conferência da Federação Internacional de Jornalistas e Meios de Comunicação Solidários à Causa Saarauí.
“É uma questão de criar os instrumentos para dar visibilidade a uma causa de direito internacional, de justiça. Porque não haverá independência nem paz no mundo enquanto houver um único Estado do mundo colonizado”, salientou o dirigente.
Localizado na África, o Saara Ocidental faz fronteira ao leste com a Argélia, ao sul com a Mauritânia e ao norte com o reinado do Marrocos, compartilhando o Atlântico com o Brasil, estando a apenas 80 milhas das Ilhas Canárias. Foi durante quase um século colônia espanhola. Possui uma das maiores reservas pesqueiras do mundo e as maiores jazidas de fosfato do mundo, além de cobre, urânio e ferro, o que o transforma em alvo da cobiça estrangeira.
Na avaliação de Mohamed Alí, “o Marrocos está desesperado porque estamos praticamente na parte final da disputa, quando o reinado precisará sentar para negociar com o povo saarauí”. E a derrota do reinado ocorre, esclarece, “apesar dos 2.700 quilômetros de muros erguidos, das oito milhões de minas e 150 mil soldados protegidos por drones e de todo aparato tecnológico israelense, da mesma forma que na Palestina”. “Estamos no final do confronto, daí esse desespero. Eles roubam nossas riquezas, estando em dois terços do nosso país o fosfato, a pesca e a agricultura. Usam esses recursos para fazer lobby e chantagear parlamentares, políticos e a quem quer que seja para perpetuar sua política colonial”, condenou.
O embaixador acredita que só assim se compreende a razão de porquê, “da noite para o dia, países como a Espanha abrirem mão da sua da neutralidade e deixarem de apoiar a descolonização”. “Isso não deveria acontecer, pois foi a Espanha a responsável pela desgraça e a tragédia a que fomos submetidos. Unilateralmente, ela não pode abrir mão da sua implicação, porque é a potência colonizadora diante das Nações Unidas e da comunidade internacional”, asseverou.
O representante saarauí disse ser inconcebível a mudança repentina de posição do presidente espanhol Pedro Sánchez quanto ao reconhecimento da RASD, sem consultar o partido ou o Congresso, “uma vez que se trata de uma definição de Estado e não pode caber a somente uma pessoa, por mais alto que seja o cargo, dizer agora que apoia o Marrocos”.
“ESCÂNDALO DO MARROCOGATE REVELOU A COMPRA DE VONTADES E CHANTAGENS”
A verdade, assinalou o dirigente, é que “atualmente quem dita a política da Espanha para o Saara é o reino do Marrocos, é a chancelaria marroquina”. “Vocês devem ter ouvido falar do escândalo do Marrocogate no parlamento europeu, da compra de vontades e de todo tipo de chantagens que fizeram, isso foi descoberto”, apontou Mohamed, recordando o lobby ilegal, repleto de subornos, para influir em decisões favoráveis à monarquia absolutista em questões relacionadas à violação de direitos humanos e negociatas comerciais.
“A política exterior do reinado do Marrocos é mafiosa, de assassinos, como fez Dom Corleone”
O povo saarauí se enfrenta neste momento contra um regime avesso à democracia “e que atua de forma cada vez mais descarada”, explicou Mohamed Alí, pois “assume uma política exterior mafiosa, de assassinos, como fez Dom Corleone acariciando o gatinho ao dizer: Vou te fazer uma oferta que não podes recusar. É assim que agem os marroquinos”.
“O SAARA NUNCA FEZ PARTE DO MARROCOS”
Nesta disputa entre a verdade e a mentira, ressaltou Ahmed, a batalha da informação ocupa um papel central, pois “tudo é história, que é inequívoca”. “O fato é que o Saara nunca fez parte do Marrocos, sendo isso reconhecido pelos seus próprios reis. No século 18, Muhammad III disse ao rei espanhol Juan Carlos III que suas fronteiras acabavam no rio Lun, que era essa a fronteira natural, como está no Convênio de Amizade e Boa Vizinhança assinado em 1776. Logo, em 1799, o filho de Muhammad III, Sulayman diz o mesmo a Carlos III, quando insiste no tema de defender os pesqueiros canários e espanhóis em água saarauí: nossa fronteira acaba no rio Lun”.
“Ao longo da história eles próprios reconhecem a RASD, pelo que se trata de uma questão de tempo. E de pouco tempo, onde realmente o Marrocos vai ser obrigado a uma das duas opções: a negociar ou a seguir no confronto. A primeira, a que defendemos, é deixar que o processo de paz das Nações Unidas culmine em um referendo de autodeterminação, essa é a saída em que o reinado pode sair com mais dignidade, ao invés de se apresentar com um zero na União Africana”, ponderou.
Comprometida com a integração e a cooperação, a República Saarauí foi fundadora já em 2002 da União Africana (UA), organização a qual o Marrocos só veio a entrar em 2017 e que reúne todos os 55 estados-membros do continente. Para a UA, o Saaara Ocidental é um Estado soberano como todos os demais países, invadido por Marrocos. Da mesma forma, há 84 países no mundo que reconhecem a República Saarauí.
“Sendo assim é importante que o Marrocos venha a se sentar conosco para negociar diretamente na organização continental. Desta forma, buscaremos chegar a todos os acordos possíveis. Estamos dispostos a fazer concessões em tudo, menos numa coisa: nossa integridade territorial, da qual não abrimos mão de um único palmo”, enfatizou.
ENCONTRO DE COMUNICADORES CUMPRIU “PAPEL EXTRAORDINÁRIO”
A realização do encontro de comunicadores cumpriu um “papel extraordinário”, analisa Ahmed, pois além dos países do conjunto da América Latina, participaram os de outras latitudes como Portugal, Espanha, Itália e do Saara Ocidental, “que é a República Saarauí, tanto dos acampamentos quanto da área ocupada pelo Marrocos”. O evento também “somou muito devido ao excelente conteúdo, pois as pessoas debateram e apontaram propostas, expressas no manifesto final na Declaração de Buenos Aires”.
“Com isso se cumpriu o objetivo de fazer com que os 40 comunicadores presentes assumam a responsabilidade de dar cada vez maior visibilidade ao tema, de combater os fake News, de dar a conhecer a história da nação e do povo saarauí, demonstrando que nunca fizemos parte do Marrocos. O evento foi um êxito”, reiterou.
O dirigente recordou que os saarauís estão “mais próximos da família latino-americana, compartilhando seu legado cultural na Argentina, na Colômbia, em Cuba, Venezuela, Uruguai, Paraguai, Panamá…” “Não necessito de tradução para os meus amigos, porque falam meu idioma. É o mesmo legado cultural do outro lado do Atlântico, que olha para o Brasil, e somos a porta para o mundo árabe e para a África. No mundo árabe, somos o único país de fala espanhola e, na África, junto da Guiné Equatorial, somos dois. Mas o fato é que nós somos quem estamos mais próximos”, sorriu.
Nesta batalha que envolve o campo comunicacional, político e jurídico, Ahmed insiste que “é necessário aglutinar todos os que defendem a autodeterminação dos povos, a soberania das nações, a independência”. “Para isso nos dedicamos e o movimento está crescendo. Queremos também incentivar um intercâmbio a fim de que haja livros, música, dança, que se conheça a cultura do nosso povo. São passos que nos aproximam da vitória”, concluiu.