Chefes de estado de 70 países participaram em Paris no final de semana dos atos pelos 100 anos do fim da I Guerra Mundial, que marcou a passagem da guerra a um novo estágio de devastação e carnificina, com 10 milhões de mortos, 30 milhões de mutilados, 3 milhões de viúvas e seis milhões de órfãos. Uma guerra de bandidos imperialistas, pelo reparto do mundo e pela rapina. Eleito apelando ao chauvinismo e xenofobia, ficou patente nas cerimônias o isolamento do presidente Donald Trump, que até mesmo se recusou a ir ao Foro da Paz organizado pelo governo francês.
No sábado (10), o presidente francês Emmanuel Macron e a primeira-ministra alemã Angela Merkel encabeçaram a marcha a pé até o túmulo ao soldado desconhecido, no Arco do Triunfo, à qual se reuniram o presidente russo Vladimir Putin e o dos EUA, Trump. Também participou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. Em ritmo de Brexit, a primeira-ministra Theresa May ficou em Londres, para outra cerimônia, a que compareceu o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier.
No domingo, soaram os sinos em toda a França, como há um século, às 11 horas do dia 11 do mês 11 de 2018, momento da entrada em vigor do armistício assinado na madrugada no célebre vagão de trem do comandante francês Ferdinand Foch na floresta Compiegne. Muitos dos combates mais duros e mais letais ocorreram em trincheiras no norte da França e na Bélgica.
O mesmo Macron que em sua tour na Casa Branca no início do ano se desmanchara em agrados a Trump, se sentiu na obrigação, em casa, de responder ao “América First” do presidente bilionário e seu rasgar de acordos internacionais e suas sanções e guerras comerciais, ao assinalar em seu discurso que “dizer ‘nossos interesses primeiro e o que importa os dos outros’ apaga o que uma nação tem de mais precioso, o que a torna viva, o que a torna excelente, o que mais importa: seus valores morais”.
Ele também convocou a “somar nossas esperanças ao invés de opor nossos medos” e até ensaiou uma condenação ao chauvinismo, impropriamente tratado como “nacionalismo” em oposição ao “patriotismo”. Em que pese o evidente cinismo das conclamações do presidente francês “pela paz” – nós sabemos o que vocês fizeram na Líbia e na Síria -, suas palavras não deixam de pegar em cheio a Trump, cujo secretário de Estado ousou dizer na semana passada que os líderes do Irã tinham que entrar na linha “se querem que seu povo coma”.
Nas vésperas do ato, tentativa de Macron de reabilitar o traidor Pétain, encontrou tamanho repúdio dentro da França, que ele teve de recuar. Pétain, que foi aclamado na I Grande Guerra, rendeu-se a Hitler em 1940 e encabeçou o Estado fantoche de Vichy sob a ocupação nazista, perseguiu a Resistência e entregou judeus para o extermínio.
O presidente francês convocou a rechaçar a fascinação pela revanche, violência e dominação, ao lembrar os milhões que tombaram na I Grande Guerra. Ele assinalou que “os velhos demônios ressurgem, dispostos a levar a cabo sua obra de caos e morte” e advertiu sobre ameaças como a pobreza, a fome, a desigualdade e o aquecimento climático. “Nesses quatro anos [1914-1918], a Europa quase se mata a si mesma”, rememorou.
No Foro pela Paz boicotado por Trump, Merkel em seu discurso manifestou temor pelos avanços das forças chauvinistas e xenófobas na Europa na atualidade, e disse que “a paz que desfrutamos hoje, que às vezes nos parece como algo evidente, está longe de sê-lo, e é preciso lutar por ela”. Três dias antes do ato, a Otan estava encerrando suas maiores manobras militares na Europa, perto da fronteira com a Rússia, em que participaram 50 mil soldados de 31 países.
A líder alemã também condenou a tentativa do que chamou de “promoção dos interesses próprios” e deterioração dos laços que, para ela, têm sustentado a paz desde o fim da II Guerra. Repudiando o unilateralismo – que tem nome, Washington, e sobrenome, Trump – Merkel afirmou que “a maior parte dos desafios de hoje não podem ser resolvidos por uma só nação”. “Precisamos de um enfoque comum”, acrescentou, apontando como o mundo está interconectado. Não se tem notícia de que ela tenha sido favorável a qualquer “enfoque comum” quando se tratou de arrochar o povo grego.
Também o secretário-geral da ONU, Guterres, advertiu sobre os paralelos entre os tempos atuais e os momentos que antecederam à I e à II Guerras Mundiais. O vagão de Compiegne foi visitado conjuntamente por Macron e Merkel, em ato voltado a marcar a reconciliação entre os dois países dentro da União Europeia. Foi nesse mesmo vagão que os franceses, em 1940, se renderam a Hitler.
A.P.