
Por que Flávio Bolsonaro quer impedir a investigação das atividades de Fabrício Queiroz, seu motorista na Assembleia Legislativa do Rio de janeiro (Alerj), que movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta bancária, inclusive com um repasse de R$ 24 mil para a mulher de Jair Bolsonaro?
O que o filho de Bolsonaro – ou o próprio, pois é difícil imaginar que o filho tenha feito isso sem que o pai mande ou, pelo menos, saiba – quer esconder?
Algo assim equivale quase a uma confissão de culpa.
Pois, depois de declarar dezenas de vezes que Queiroz tinha de se explicar, que Queiroz ia se explicar – ou coisas semelhantes – Flávio Bolsonaro pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendesse a investigação sobre o seu motorista.
Por quê?
Bem entendido: não foi Queiroz, mas Flávio Bolsonaro, que pediu ao STF a suspensão das investigações sobre Queiroz.
A defesa de Queiroz, aliás, declarou que não sabia da ação do filho de Bolsonaro.
A decisão do ministro Luiz Fux, de aceder ao pedido de Flávio Bolsonaro, parece esdrúxula – embora não tenha sido divulgado o fundamento dessa decisão, o que parece mais esdrúxulo ainda. Do fato de que um processo corre em segredo de Justiça, não decorre que os fundamentos das decisões judiciais devam ser secretas.
Sobretudo quando as razões para que o processo corra em sigilo já foram superadas há muito.
A nota do Ministério Público, que divulgou a suspensão das investigações, é sucinta:
“O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) informa que em razão de decisão cautelar proferida nos autos da Reclamação de nº 32989, ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal (STF), foi determinada a suspensão do procedimento investigatório criminal que apura movimentações financeiras atípicas de Fabricio Queiroz e outros, ‘até que o Relator da Reclamação se pronuncie’. Pelo fato do procedimento tramitar sob absoluto sigilo, reiterado na decisão do STF, o MPRJ não se manifestará sobre o mérito da decisão.”
O relator do pedido de suspensão das investigações (a “Reclamação” a que se refere a nota do MP) é o ministro Marco Aurélio Mello – como o STF está em férias, Fux concedeu a liminar, por ser, no momento, o ministro de plantão.
A suspensão das investigações foi decidida por Fux na quarta-feira, 16/01, mesmo dia em que Flávio Bolsonaro entrou com o pedido.
Segundo se soube através de algumas fontes do STF, a alegação de Flávio Bolsonaro foi a de que, como foi eleito senador, a partir de fevereiro terá direito a “foro privilegiado” – ou seja, somente poderá ser investigado por decisão do STF e pela Procuradoria Geral da República.
Se essa foi a alegação, Fux, portanto, concedeu uma liminar futurística, com base em algo que ainda não existe – já que o filho de Bolsonaro ainda não assumiu o mandato no Senado.
Mas isso não é o mais excêntrico.
Flávio Bolsonaro vai ganhar “foro privilegiado” quando assumir o mandato de senador.
Mas Queiroz não vai ganhar “foro privilegiado” quando Flávio Bolsonaro ganhar o dele, por entrar no Senado.
Em suma, Queiroz não foi eleito senador. Portanto, não há, no caso dele, qualquer privilégio que possa usufruir para escapar da polícia ou da Justiça.
Exceto se o foro privilegiado for extensivo a cupinchas.
Mas, certamente, não deve ser esse o parecer do ministro Fux.
Porém, há ainda outra questão: as atividades de Queiroz que estão sendo investigadas ocorreram entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, quando Flávio Bolsonaro não era senador – nem candidato a senador.
Não existe, segundo estabeleceu o próprio STF, “foro privilegiado” para algo que aconteceu antes do mandato.
Porém, é exatamente isso que Flávio Bolsonaro está pedindo.
Logo, resta a outra conclusão: o dinheiro que Queiroz movimentava, a partir de funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro que depositavam em sua conta, não era de Queiroz.
Ele era apenas um laranja, tal como indicam as investigações.
Além da modesta casa em que morava em Jacarepaguá, no Rio, há outros indícios.
Depois de sumir durante quase um mês, Queiroz apareceu no SBT para dizer:
“Eu não sou laranja. Eu sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro. Eu faço, assim, eu compro, revendo, compro, revendo. Compro carro, revendo carro. Eu sempre fui assim. Sempre. Eu gosto muito de comprar carro em seguradora. Na minha época, lá atrás, comprava um carrinho, mandava arrumar, vendia. Tenho segurança.”
O site The Intercept Brasil fez uma pesquisa sobre os carros de Queiroz. Ele tem dois: um Voyage 1.0, ano 2010, e uma Belina GL ano 1986 (cf. Cecília Olliveira e Tatiana Dias, Encontramos os carros do Queiroz: uma Belina 1986 e um Voyage 2010, The Intercept Brasil, 12/01/2019).
Convenhamos que isso não “faz” muito dinheiro. Exceto se Queiroz vende Jaguares e Mercedes, mas acha que carro mesmo é a Belina 1986… Tem maluco para tudo, mas duvidamos que Queiroz seja desse tipo.
Mas, o maior indício de que o dinheiro não era de Queiroz, é o pedido de Flávio Bolsonaro ao STF para suspender as investigações sobre o seu motorista.
Por que Flávio Bolsonaro se preocuparia em entrar com um pedido no STF para suspender as investigações sobre Queiroz?
LINHA DO TEMPO
Queiroz foi agarrado pela Operação Furna da Onça, da Polícia Federal (PF), que prendeu 10 deputados estaduais por receberem propina e investiga 75 funcionários da Alerj.
O interessante é que nem Flávio Bolsonaro nem Queiroz eram alvos da Operação Furna da Onça.
Porém, a PF solicitou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) um relatório sobre as movimentações financeiras dos funcionários da Alerj.
Foi nesse relatório que apareceram a movimentação de R$ 1,2 milhão, o repasse de R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, os depósitos de nove funcionários na conta de Queiroz.
Os movimentos eram, disse o Coaf, “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira” de Queiroz.
Entrevistado no dia sete de dezembro, Flávio Bolsonaro disse que “o Fabrício Queiroz conversou comigo, fui cobrar esclarecimentos dele sobre o que estava acontecendo. A gente não tem nada a esconder de ninguém. Ele me relatou uma história bastante plausível, me garantiu que não haveria nenhuma ilegalidade nas suas movimentações”.
Perguntado qual era a “história bastante plausível” que Queiroz havia contado, Flávio Bolsonaro disse que “eu não posso adiantar, a pedido do advogado dele. Assim que ele for chamado ao Ministério Público (MP) vai dar o devido esclarecimento”.
O advogado de Queiroz, provavelmente, segundo a versão de Flávio Bolsonaro, queria fazer uma surpresa, ao invés de defender o seu cliente…
Flávio disse, também, que seu pai sofrera um mal-estar e por isso cancelara a agenda naquele dia, inclusive uma ida até a Academia da Força Aérea de Pirassununga.
Porém, algumas horas depois, Jair Bolsonaro declarou, ao site “O Antagonista”, que o repasse de R$ 24 mil para sua mulher era o pagamento de uma dívida que Queiroz tinha com ele:
“Emprestei dinheiro para ele em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil”.
E, mais:
“Não botei na minha conta por questão de… eu tenho dificuldade para ir em banco, andar na rua. Deixei para minha esposa”.
No dia 12 de dezembro, Bolsonaro voltou ao assunto:
“Se algo estiver errado, quer seja comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta desse erro, que nós não podemos comungar com o erro de ninguém”.
Está se vendo, pelo pedido de seu filho para suspender as investigações.
Entretanto, há mais.
Queiroz faltou duas vezes a depoimento perante o Ministério Público; a mulher e as filhas de Queiroz, todas funcionárias do gabinete de Flávio Bolsonaro e do pai de Flávio, também faltaram aos depoimentos.
Por fim, o próprio Flávio Bolsonaro faltou ao seu depoimento.
Em seguida, Queiroz apareceu numa foto, em uma cama do Hospital Albert Einstein, um dos mais caros do país. Teria extraído um câncer.
Antes disso, no entanto, Queiroz apareceu dançando, segundo disse, para “dar alegria” à sua família.
C.L.
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