
Renan Calheiros pagou o preço por ter se comportado como – e de ser – o que um parlamentar chamou “puxadinho do PT”.
Sua derrota, na eleição para a presidência do Senado, foi tão fragorosa, que ele não suportou ficar no plenário até o fim da votação, coisa que, aliás, não é bonita de se ver, nem recomenda o cidadão.
Depois de iniciada a votação definitiva, Calheiros atropelou o processo para retirar a sua candidatura – pretextando uma suposta falta de democracia: “Esse processo não é democrático. (…) Se eles podem tudo, Sr. Presidente, se eles podem tudo, eu disse ontem, sou eu que vou ser o cavalo do cão contra a Constituição, o Regimento, contra a maioria do voto? Eu não sou candidato para defender a democracia e o interesse do Brasil. Não há mais objeto da eleição”.
O que ele chamava de falta de democracia era o fato de não ter votos para se eleger presidente do Senado. Estranha concepção de democracia, em que o único resultado aceitável é a própria vitória – caso contrário, acusa-se os outros de falta de democracia…
Calheiros saiu do Senado sem votar.
O senador David Alcolumbre (DEM-AP) venceu a eleição para presidente do Senado, com 42 votos em um total de 77.
Quatro senadores não votaram: além de Calheiros (MDB-AL), Jader Barbalho (MDB-PA), Eduardo Braga (MDB-AM) e Maria do Carmo Alves (DEM-SE).
A votação dos outros candidatos foi:
– Esperidião Amin (PP-SC): 13 votos;
– Angelo Coronel (PSD-BA): 8 votos;
– Reguffe (sem partido-DF): 6 votos;
– Renan Calheiros (MDB-AL): 5 votos;
– Fernando Collor (Pros-AL): 3 votos.
Em sua apresentação, Alcolumbre pregou a independência do Poder Legislativo e a identificação do Senado com o país:
“Devemos ser a imagem e a semelhança do povo – somos de todos os cantos do País. Devemos nos sentir nordestinos, índios, negros, brancos, mulheres, crianças e idosos. Somos como cada um dos cidadãos que existem neste País. Devemos ser as minorias, os excluídos e os injustiçados. Nós somos a condição de vida de cada brasileiro, de sangue e de coração e, juntos, formamos uma só nação.”
Não está mal para um candidato a presidente do Senado. Alguns poderão dizer que é apenas retórica. Pode ser. Mas é justo frisar que Renan Calheiros não conseguiu, nem como apenas retórica, produzir nada parecido.
Ao saudar Alcolumbre pela vitória, um de seus apoiadores, o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), afirmou que “ tenho muito orgulho de termos uma trajetória em comum na política, pelo menos nos últimos seis anos. Foi devido ao seu apoio, meu caríssimo Presidente, que, no ano de 2012, nós conquistamos a Prefeitura de Macapá. Da mesma feita, nos aliançamos para, em 2014, juntos trazer V. Exa. aqui para o Senado da República”.
“Tenho a dizer que a sua contribuição foi fundamental para que eu voltasse a frequentar esses tapetes azuis e a frequentar o Plenário do Senado”, disse Randolfe.
“Quando os ventos da mudança sopram, alguns erguem barreiras, outros levantam moinhos para que os ventos percorram mais”, disse o senador da Rede, citando Érico Veríssimo.
“Alguns imaginavam que os ventos de mudança nunca chegariam aqui no Senado. O resultado daqui não foi um resultado proclamado somente pela vontade dos membros desta Casa. Foi um resultado que veio de fora daqui para dentro, que veio das ruas, das urnas e das redes sociais. Que esta Casa saiba sempre ouvir o clamor que venha das ruas, porque é lá que está o povo a quem nós servimos, é lá que estão os mais pobres, é lá que estão os trabalhadores, é lá que estão aqueles que sofrem”.
A resposta de Alcolumbre a Randolfe merece registro:
“Muito obrigado, meu irmão, Senador Randolfe Rodrigues”.
VOTAÇÕES
Transcrevemos um pouco longamente o pronunciamento do senador Randolfe porque se trata de um nome isento de qualquer suspeita de simpatias pelo bolsonarismo.
Pelo contrário, sua opinião, seu testemunho, merece a consideração dos democratas e patriotas.
Até porque não é fácil ter um juízo equilibrado em meio à confusão que foram as duas sessões do Senado, na sexta e no sábado, para eleger seu presidente.
Na Câmara dos Deputados, tivemos um debate e um resultado incontestavelmente elevado, com a união das forças democráticas naquela Casa e os compromissos do presidente, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) – movimento que isolou tanto o bolsonarismo que não houve outra alternativa para ele, senão apoiar Maia, conseguindo, ademais, deixar o PT e suas sucursais sem alternativa (v. PDT, PCdoB e mais 8 partidos formam bloco com 105 deputados na Câmara, Orlando Silva denuncia manobras do PT para tentar “tutelar” outros partidos e Bancada do PCdoB alerta para jogo baixo do PT e PSOL e “exige respeito”).
No Senado, ao contrário, o que houve assemelhava-se à ideia que alguns fazem – embora seja falsa – de uma eleição em grêmio estudantil.
No próprio sábado, a primeira votação foi anulada, pois foram encontradas 82 cédulas dentro da urna – e só existem 81 senadores.
Temos de concordar que isso não acontece em nenhum grêmio estudantil do país.
A escolha do presidente do Senado começara na sexta-feira, quando a sessão foi suspensa para que se chegasse a um acordo sobre quem presidiria a sessão – e quanto ao voto, se aberto ou secreto (v. Em meio a grande tumulto, Senado adia eleição da presidência).
Na madrugada de sábado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo pedido do MDB e do Solidariedade, anulou a decisão da sexta-feira, a favor do voto aberto, e determinou que a sessão de sábado fosse dirigida pelo senador José Maranhão (MDB-PB), por ser o mais idoso.
A decisão repercutiu pessimamente entre os senadores – Renan procurava uma instância externa para garantir que o voto fosse secreto, depois de perder por 50 a 2 no plenário do Senado.
Quando desistiu de sua candidatura, Calheiros ainda proferiu um insulto, especialmente contra os senadores José Serra (PSDB-SP) e Mara Gabrilli (PSDB-SP), que, segundo disse, votariam nele, se o PSDB não tivesse decidido abrir o voto de sua bancada.
Nessa altura, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) pediu que a palavra fosse concedida à senadora Mara Gabrilli, que é tetraplégica. Disse ela:
“Sr. Presidente, eu só queria deixar claro que ontem eu votei aqui pelo voto aberto, que venho divulgando a necessidade de um voto aberto. E de forma alguma eu me senti pressionada e tive meu voto diferente por ser aberto. Ele foi, inclusive, igual ao da primeira votação. E eu não tive a oportunidade de falar aqui por ter sido a primeira a votar, por estar me acomodando ainda no novo formato de votação. Mas, muito antes de sair o resultado – que não houve –, eu já tinha declarado nas minhas redes sociais. Então, só queria deixar isso claro”.
ASSOCIADO
Depois que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) retirou sua candidatura, na sexta-feira, havia nove candidatos a presidente do Senado (v. Tasso Jereissati desiste de disputar presidência do Senado).

Desde o princípio, todas as outras candidaturas tinham o caráter comum de ser contra a volta de Calheiros à presidência da Casa (v. Senado: oito candidatos se reúnem e isolam Renan na disputa pela presidência).
No sábado, os senadores Álvaro Dias (Pode-PR), Major Olímpio (PSL-SP) e Simone Tebet (MDB-MS) retiraram as suas candidaturas e passaram a apoiar Davi Alcolumbre, por avaliarem que este reunia melhores condições de derrotar Calheiros.
Duas semanas antes da votação, o senador Cid Gomes (PDT-CE) advertira Calheiros de que não era um momento propício para que ele se candidatasse a presidente do Senado (v. Cid para Renan: “não é uma boa oportunidade para você ser presidente do Senado”).
Qual o problema com Renan?
O problema é que a maioria dos senadores o via como o candidato do PT – e, especialmente, de Lula.
É forçoso concluir que esses senadores não estavam errados.
Calheiros é um associado do PT – até mesmo quando votou a favor do impeachment de Dilma, foi ele que articulou a meia-sentença que livrou a ex-presidenta da inelegibilidade por oito anos, uma aberração jurídica que, por sinal, foi inútil: a ex-presidenta ficou em quarto lugar na última eleição, ao concorrer para o Senado em Minas Gerais.
Ser associado político do PT, depois do desastre do governo Dilma e da Operação Lava Jato, é um pouco parecido com ser portador de lepra na época de Ben-Hur.
Mas Calheiros não é somente um associado político.
Com os acontecimentos ainda recentes (melhor dizendo: quentes) que envolveram Renan Calheiros durante os governos do PT, que lhe valeram 14 inquéritos abertos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já era um ganho inimaginável para ele a sua eleição ao Senado, que lhe garante, por enquanto, oito anos de “foro privilegiado”.
No entanto, ele queria mais – voltar à presidência do Senado.
Para fazer o quê?
O que ele sempre fez, desde o governo Collor: parasitar quem está momentaneamente no poder.
Como associado, no entanto, Renan esteve plenamente integrado aos esquemas de corrupção que já levaram Lula, Cunha, Cabral, Geddel e outros heróis a dar com os costados na cadeia.
De 2003 a 2014 – ou seja, durante 11 anos, nos governos Lula e Dilma – Renan, através de Sérgio Machado, foi o principal beneficiário das propinas na Transpetro, a subsidiária da Petrobrás que administra nossa frota de petroleiros.
Em sua confissão, Machado especificou:
“… durante a gestão na TRANSPETRO cerca de R$ 32 milhões foram repassados a RENAN CALHEIROS” (cf. MPF, Termo de Colaboração nº 06 de José Sérgio de Oliveira Machado, 05/05/2016).
Em seguida, Machado detalhou os repasses de propina a Renan, a partir de cada empresa.
As gravações, também feitas por Machado, de seus colóquios com Calheiros, também demonstram sua participação na tentativa de “acordão” para estrangular a Operação Lava Jato.
Além disso, há o seu projeto sobre supostos “abusos de autoridade”, para impedir as investigações da Polícia, do Ministério Público e da Justiça (v. HP 13/07/2016, Senadores reagem à trama de Renan contra a Lava Jato).
Certamente, sua proximidade com o PT não era inocente – nem ideológica, que Deus nos acuda, exceto pela crença de que o normal em política é roubar.
Todos, no Senado, sabiam disso.
É verdade que Calheiros tentou, no último momento, se apresentar como a melhor alternativa de Bolsonaro para a presidência do Senado.
Aliás, seu discurso, no sábado, teve, na maior parte, esse conteúdo, com uma lenga-lenga infinita sobre a reforma da Previdência e outros ataques ao povo, oferecendo-se para ser, como presidente do Senado, ponta-de-lança de Bolsonaro no achaque ao povo.
Comparado ao discurso de Alcolumbre, o de Renan foi de um bolsonarismo (ou, melhor, de um “guedismo”) nauseante.
Mas era tarde.
Quanto à parte “democrática” desse discurso, não era exatamente para inglês ver, como se dizia em outra época. Era para o PT ver. Mais exatamente: como o PT poderia justificar seu apoio a Calheiros, se nem essa parte do discurso existisse?
DESIGUALDADES
Algo interessante, na eleição de Alcolumbre, é como ela parece refletir uma insatisfação com o tratamento dado aos senadores que não eram chegados ao antigo núcleo que mandava na casa.
O senador Randolfe referiu-se a isso – e, mais ainda, a senadora Eliziane Gama (PPS-MA), ao parabenizar Alcolumbre:
“V. Exa. falou isso em seu discurso e V. Exa. demonstrou isto em todos os momentos em que esteve, nos últimos dias, conversando com os Senadores – o seu olhar de forma igualitária para todos os Senadores.
“Algum Senador agora há pouco fez uma referência que é real: nesta Casa, infelizmente, como em outras casas também do Brasil, há uma diferença entre alto e baixo clero, como se um Parlamentar fosse maior ou menor do que qualquer outro.
“E, na verdade, não é: aqui dentro somos absolutamente todos iguais.
“E V. Exa. passou a tratar todos de forma muito igualitária, do maior aparentemente ao menor aparentemente, ou seja, no olhar de V. Exa. todos são como realmente devem ser – iguais.
“Eu quero lhe dizer que me sinto representada, como nordestina, como mulher, porque eu senti aqui, Presidente, quando cheguei, o que significa isto, essa força de uma estrutura que dominava esta Casa”.
É óbvio quem, entre os candidatos, representava esse tratamento desigual.
FECHO
Nós tínhamos iniciado este artigo com o seguinte parágrafo:
Os leitores que nos perdoem se não é muito “jornalístico” começar desse jeito, mas é verdade: o impressionante na sessão do Senado de sábado, foi como o busto do grande senador Rui Barbosa não despencou do pedestal onde se encontra, acima da cadeira do presidente da Casa.
Mas, a verdade, é que, pensando bem, contadas as coisas, e depois de perceber que a candidatura de Alcolumbre foi o desaguadouro de uma insatisfação mais profunda, concluímos que é melhor analisar as coisas, esperar algumas outras, do que fazer piadas algo desenxabidas.
O Congresso, no momento, é – como foi, entre 1964 e 1985 – uma trincheira.
O importante é a luta do povo brasileiro.
Não temos nenhuma dúvida que não era de Renan, escorregando entre o PT e Bolsonaro, não vendo outra alternativa interessante (interessante para ele, pois é incapaz de pensar no interesse coletivo, nacional ou social), em relação ao atual governo, do que o PT – e vice-versa – que o Senado poderia melhor servir a essa luta.
Quanto a Alcolumbre, veremos.
A ideia de que se trata, apenas e tão somente, de uma candidatura ao Senado inflada pelo Planalto, já mostrou-se errada.
CARLOS LOPES
Leia a íntegra da sessão que elegeu Alcolumbre nas notas taquigráficas do Senado.
Ou, se você preferir, veja o vídeo da sessão: