Os nove militares acusados pelos homicídios do músico Evaldo Rosa e do catador Luciano Macedo após dispararem 249 tiros de fuzil contra o carro de uma família em Guadalupe, no Rio de Janeiro, em 7 de abril, foram soltos na manhã desta sexta-feira (23).
Eles foram liberados após determinação do Superior Tribunal Militar (STM) que, em julgamento do pedido de habeas corpus, decidiu que eles devem responder ao processo em liberdade. Apenas a ministra Maria Elizabeth Teixeira, votou a favor da manutenção da prisão dos assassinos.
O habeas corpus foi impetrado contra decisão da juíza Mariana Campos, da 1ª auditoria da Justiça Militar, que determinou a prisão preventiva por descumprimento das chamadas regras de engajamento – uma espécie de manual de operações que estabelece como as Forças Armadas podem ou não usar a força em determinadas situações. (v. Fuzilaria e assassinato em Guadalupe: decretada prisão preventiva de 9 militares).
O julgamento começou no dia 8 de maio, mas havia sido suspenso por pedido de vista do ministro José Barroso Filho. Na primeira sessão de julgamento, a denúncia contra os militares ainda não havia sido apresentada, o que ocorreu no dia 10 de maio. O Ministério Público Militar denunciou 12 homens do Exército pelos crimes de duplo homicídio qualificado, tentativa de homicídio e omissão de socorro. O parecer do MPM foi acatado pela juíza Mariana Campos.
A ministra Maria Elizabeth Teixeira foi a única a votar pela manutenção da prisão. Já Barroso Filho votou pela concessão do habeas corpus aos sete soldados e ao sargento e a manutenção da prisão do tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, que chefiava a operação.
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Com a decisão do STM, foram liberados, além do tenente Ítalo, o sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira.
Todos atuam no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar, zona oeste do Rio. De acordo com o Comando Militar do Leste (CML), esses militares continuarão em funções administrativas e não poderão participar de atividades com armas ou de operações do Exército até o fim do processo.
A ministra Elizabeth apontou que os militares apresentam riscos ao processo justamente porque terem apresentado fotos falsas de viaturas atingidas por disparos, para simular uma suposta troca de tiros. A ministra relembrou a história do caso, desde que alguns militares dispararam, sem qualquer tentativa de saber quem vinha dentro dele, 249 tiros contra o carro de Evaldo Rosa, que conduzia a sua família a um chá de bebê. (v. Ministra do STM sobre Guadalupe: “um esquema engendrado para escamotear a verdade”)
“Eles se utilizaram da mentira para que viessem aos autos três fotos de viaturas atingidas. Em tais fotografias, se percebe nitidamente que se tratam de automóveis diferentes. Ao mentirem, comprometeu o Comando Militar do Leste e o próprio Exército. Os réus apresentaram três fotografias de três veículos blindados, alvejados, como se fossem os veículos que eles dirigiam no momento”, disse a ministra.
A magistrada considerou ainda que a execução foi uma ação “excessiva e desmedida”. “Nenhuma troca de tiros foi relatada pelas testemunhas, ao contrário do que alegam os pacientes. Nenhum tiro foi constatado em perícia no veículo dos militares. Verifica-se uma ação desmedida e irremediável, pois inexistia qualquer ameaça iminente ou situação de risco para civis”, disse a ministra. “A viatura não apresentava sinais de ter sido atingida. Ainda que se venha a demonstrar questão de legítima defesa, houve o excesso”.
Já o ministro Barroso Filho, que havia pedido vista, votou por conceder o habeas corpus para os soldados e o sargento, mas mantendo a prisão do tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo. Em sua visão, o tenente, por sua posição, poderia influenciar no processo penal e interferir nas provas.
“Esse tenente pode, pela sua capacidade e proeminência, coagir os demais corréus. Há uma inferência clara de que ele pode afetar a confecção da prova”, disse.
Ele ainda relembrou que o tenente disparou mais de 70 tiros, que carregou a arma diversas vezes, sempre voltando a disparar. O ministro propôs que aos soldados e ao sargento fossem aplicadas medidas como recolhimento domiciliar noturno, vedação de portar armas, expediente interno e proibição na participação em atividades de Garantia de Lei e Ordem.
O relator do caso no STM, Lúcio Mário de Barro Góes, reforçou argumentos pela soltura dos militares. “Qualquer argumento no sentido de que manutenção da prisão cautelar se faz necessária para preservar o processo penal ou a ordem pública não passa de mera suposição”, disse Góes.
Descrença
“Há um sentimento de descrença muito grande de que a justiça possa ser feita”, considerou o advogado das famílias de Evaldo e Luciano após a notícia sobre a decisão do Superior Tribunal Militar.
Segundo o advogado, a liberdade dos militares envolvidos nas mortes do músico Evaldo dos Santos e do catador Luciano Macedo coloca em risco o processo, já que as famílias não têm qualquer proteção do Estado.
“Todas as testemunhas confirmaram que viram os militares executando essas pessoas, que não houve troca de tiros. Foram duas situações diferentes e, nas duas, os militares executaram as pessoas, se recusaram a prestar socorro, debocharam das vítimas que clamavam por ajuda. Então, não há qualquer dúvida quanto à ação criminosa desses agentes do Estado que agora vão estar em liberdade”, disse o advogado.
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