A nova série de mensagens da força-tarefa da Operação Lava Jato, divulgadas pelo The Intercept Brasil, mostra algo bastante importante: o conjunto dos procuradores que atuavam no destrinchamento dos casos de corrupção, em Curitiba, não estava compactuando com o carreirismo de Sérgio Moro. Ao contrário, pelo conteúdo das mensagens, pode-se dizer que as reações variaram do choque ao repúdio, com alguns graus entre um e outro.
A preocupação era, naturalmente, a preservação da Lava Jato e de seus resultados. A maioria dos procuradores – pelas mensagens divulgadas pode-se dizer que quase todos, talvez com exceção de Deltan Dallagnol – achavam que as ações de Moro, em especial a aceitação de um cargo no ministério de Bolsonaro, colocavam em risco a Operação Lava Jato.
Não é somente isso o que aparece nas mensagens. Mas, evidentemente, o momento em que o sentimento dos procuradores aparece de forma aguda, é quando Moro resolveu aceitar o convite de Bolsonaro.
Por exemplo, no dia 31 de outubro de 2018 – véspera do encontro de Moro com Bolsonaro para decidir sua entrada no ministério – escreveu a procuradora Isabel Groba, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba:
“É o fim ir se encontrar com Bolsonaro e semana que vem ir interrogar o Lula.”
No dia seguinte, Moro aceitaria ser ministro da Justiça do governo mais avesso a qualquer justiça – em qualquer acepção da palavra – que já houve no Brasil.
O interrogatório de Lula – no processo da propina das obras do sítio de Atibaia – estava, realmente, marcado. Mas foi realizado pela juíza substituta, Gabriela Hardt.
Que Moro tenha percebido que interrogar Lula depois de encontrar-se com Bolsonaro não era, para dizer o mínimo, conveniente, apenas demonstra que ele não é maluco. Mas não diminui o significado do ato: Moro não estava, nem um pouco, preocupado com a Operação Lava Jato, ao encontrar-se com Bolsonaro a poucos dias do interrogatório de Lula.
Sua preocupação era o alpinismo político, mesmo à custa de prejudicar a Lava Jato e o combate à corrupção (certamente, se este último fosse sua preocupação, não iria homiziar-se junto a Bolsonaro).
Daí, o diálogo entre os procuradores, na véspera do encontro entre Moro e Bolsonaro:
ISABEL GROBA: É o fim ir se encontrar com Bolsonaro e semana que vem ir interrogar o Lula.
JERUSA VIECILI: Concordo com tudo, Isabel!
LAURA TESSLER: Tb! Pelo amor de Deus!!!! Alguém fala pro Moro não ir encontrar Bolsonaro!!!
ANTÔNIO CARLOS WELTER: Deltan, min do STF é um cargo no Judiciário, que seria o reconhecimento máximo na carreira. Como ministro da Justiça vai ter que explicar todos os arroubos do presidente, vai ter que engolir muito sapo e ainda vai ser profundamente criticado por isso. Veja que um dos fundamentos do pedido feito ao comitê da ONU para anular o processo do Lula é justamente o de falta de imparcialidade do juiz. E, logo após as eleições, ele é convidado para ser Ministro. Se aceitar, vai confirmar para muitos a teoria da conspiração. Vai ser um prato cheio. Às vezes, o convite, ainda que possa representar reconhecimento (merecido), vai significar para muita gente boa e imparcial, que nos apoia, sem falar da imprensa e o PT, uma virada de mesa, de postura, incompatível com a de Juiz.
No mesmo dia, escreveu a procuradora Laura Tessler:
“Acho péssimo. Ministério da Justiça nem pensar… além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a Lava Jato. Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E ‘Bozo’ é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro”.
Deve ser por tais demonstrações de inteligência que Moro, em mensagem a Dallagnol, criticou a procuradora Laura Tessler (aliás, por algo em que ela tinha razão).
Vejamos essas mensagens:
JERUSA VIECILI: Acho péssimo. Só dá ênfase às alegações de parcialidade e partidarismo.
LAURA TESSLER: Tb acho péssimo. MJ nem pensar… além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a LJ. Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro.
JERUSA VIECILI: E queimando o Moro queima a LJ.
As mensagens agora divulgadas pelo The Intercept Brasil são de um período razoavelmente largo. Por exemplo, esta mensagem, da mesma procuradora, antes das eleições presidenciais:
JERUSA VIECILI: Pessoal, desculpem voltar ao assunto (sou voto vencido), mas, somente esta semana, várias pessoas, inclusive alguns colegas e servidores, me questionaram a ausência de manifestação da FT [força-tarefa] diante de alguns posicionamentos dos candidatos à presidência. Fato é que sempre nos posicionamos diante de várias ameaças ao nosso trabalho e, nos últimos dias, temos ficado silentes, mesmo com ameaças de candidatos à independência do Ministério Público (nomeação de PGR fora da lista tríplice) e à liberdade de imprensa. Em outros tempos, por motivos outros, mas igualmente relevantes e perigosos, divulgamos nota, convocamos coletiva e ameaçamos renunciar (!). Agora, jornalistas escrevem no Twitter que a LAVA JATO é caso de desaparecido político, pois já alcançou o que queria. Acho muito grave ficarmos em silêncio quando um dos candidatos manifesta-se contra a nomeação do PGR da lista tríplice, diante de questões ideológicas. Mais grave ainda, assistirmos passivamente, ameaças à liberdade de imprensa quando nós somos os primeiros a afirmar a importância da imprensa para o sucesso da Lava Jato. Igualmente grave, candidatos divulgarem nomes de futuros ministros que são alvos de investigações e processos por corrupção. Nossa omissão também tem peso e influência. Eu sinceramente não quero (e isso a penas a história dirá) que a Lava Jato seja vista, no futuro, como perseguição ao PT e, muito menos, como co-responsável pelos acontecimentos eleitorais de 2018…
O candidato a que ela se refere é, evidentemente, Bolsonaro – aquele do qual Moro aceitou ser ministro.
O The Intercept divulga, do mesmo dia (25 de outubro de 2018), a mensagem do procurador Paulo Roberto Galvão:
“Pessoal, nós somos procuradores da República. Cumprimos a nossa função no combate à corrupção, e não poderíamos ter feito diferente, ainda que soubéssemos que daí poderia advir um eleito antidemocrático (e sabíamos pois estudamos e conhecíamos o risco Berlusconi). Infelizmente, Moro indiretamente e Carlos Fernando diretamente erraram ao deixar transparecer preferência (o primeiro) ou dizer abertamente de sua preferência (o segundo)”.
No dia seguinte, a procuradora Jerusa Viecili voltou ao assunto:
“Já desvirtuam o que falamos contra a corrupção ser a favor do Bolsonaro. Mas não vou mais insistir. O fato é que a FT sempre comentou tudo (desde busca e apreensão em favela, lei de abuso de autoridade, anistia, indulto, panelinha, etc …) e agora não comenta independência do MP, liberdade de imprensa e BA em universidade.”
Logo depois da eleição de Bolsonaro, quando Moro resolveu cumprimentá-lo e sua esposa fez uma festa nas redes sociais, os procuradores comentam:
ALAN MANSUR: Esposa de Moro comemorando a vitória de Bolso nas redes.
JOSÉ ROBALINHO CAVALCANTI: Erro crasso. Compromete Moro. E muito.
JANICE ASCARI: Moro já cumprimentou o eleito. Como perde a chance de ficar de boa, pqp.
LUIZ FERNANDO LESSA: Esse povo do interior é muito simplório.
Janice Ascari é uma das mais respeitadas procuradoras do país, sobretudo quanto ao combate à corrupção. José Robalinho é o presidente da Associação Nacional de Procuradores da República.
Observa The Intercept Brasil:
“As críticas à parcialidade e ao partidarismo do juiz foram se intensificando à medida que a especulação acerca de um cargo para Moro no governo Bolsonaro aumentava. Comentando uma postagem do site O Antagonista, que tratava de uma suposta intenção de Bolsonaro de nomear Moro ao STF e integrar a força-tarefa ao governo sob um ‘conselhão’ a ser presidido por Deltan Dallagnol, o procurador Paulo Galvão reclamou: impressionante como toda vez que Moro fala fora dos autos fala bobagem. Quando Laura Tessler respondeu com uma defesa moderada de Moro (Ele quis estancar os boatos, mas sem fechar as portas), Jerusa Viecili respondeu: o ‘sem fechar as portas’ é que é perigoso para um juiz.”
ESCADINHA
Na véspera do encontro de Moro e Bolsonaro, a procuradora Janice Ascari fez um comentário pertinente: “Moro se perdeu na vaidade. Que pena”.
JOÃO CARLOS DE CARVALHO ROCHA: Ele se perdeu e pode levar a Lava Jato junto. Com essa adesão ao governo eleito toda a operação fica com cara de ‘República do Galeão’, uma das primeiras erupções do moralismo redentorista na política brasileira e que plantou as sementes para o que veio dez anos depois.
JANICE ASCARI: Se Moro topar ser MJ, para mim será a sinalização de estar de olho na próxima campanha presidencial.
No dia seguinte, outros procuradores, que não faziam parte da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, comentaram, também em mensagens nos grupos do Telegram:
ÂNGELO AUGUSTO COSTA: Cara, eu não confio no Moro, não. Em breve vamos nos receber cota de delegado mandando acrescentar fatos à denúncia. E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs.
MONIQUE CHEKER: Olha, penso igual. Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados alcançados pela Lava Jato.
ÂNGELO AUGUSTO COSTA: Ele nos vê como “mal constitucionalmente necessário”, um desperdício de dinheiro.
MONIQUE CHEKER: Se depender dele, seremos ignorados.
ÂNGELO AUGUSTO COSTA: Afinal, se já tem juiz, por que outro sujeito processual com as mesmas garantias e a mesma independência? Duplicação inútil. E ainda podendo encher o saco.
MONIQUE CHEKER: E essa fama do Moro é antiga. Desde que eu estava no Paraná, em 2008, ele já atuava assim. Alguns colegas do MPF do PR diziam que gostavam da proatividade dele, que inclusive aprendiam com isso.
ÂNGELO AUGUSTO COSTA: Fez umas tabelinhas lá, absolvendo aqui para a gente recorrer ali, mas na investigação criminal – a única coisa que interessa -, opa, a dupla polícia/ juiz eh senhora.
MONIQUE CHEKER: Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados.
O “sistema acusatório”, a que se refere a procuradora Monique Cheker, é aquele implantado pela Constituição de 1988, pelo qual o juiz não tem função investigatória, somente a função de julgar – a investigação cabe à polícia e ao Ministério Público.
No mesmo dia das mensagens da procuradora Monique Cheker, do Rio de Janeiro, e do procurador Ângelo Augusto Costa, de São José dos Campos, houve outra troca de mensagens entre membros do Ministério Público Federal:
THAMÉA DANELON: Bom dia pessoal. Qual a opinião de vcs sobre Moro no MJ [Ministério da Justiça]?
JOSÉ AUGUSTO SIMÕES VAGOS: Acho inoportuno.
SÉRGIO LUIZ PINEL DIAS: Thamea e colegas, pessoalmente acho ruim para o legado da LJ [Lava Jato], por melhor que sejam as intenções dele de tentar influir por dentro… Para mim, LJ, além de ser um símbolo, é um método de atuação das nossas instituições, que nos permitiu, até aqui, surfar juntos em uma excelente onda. Mas será difícil, muito difícil, hoje e provavelmente no futuro, com a assunção de Moro ao MJ, afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro. Vejo, por esse motivo, com muita preocupação esse passo do Moro.
MÔNICA CAMPOS DE RÉ: Concordo!
Também no mesmo dia, com o rumor – confirmado depois – que Moro iria aceitar o convite de Bolsonaro, os procuradores comentam:
MONIQUE CHEKER: Um general da ativa não teria “argumento de autoridade” para atropelar o sistema acusatório. Moro fará com diploma em Harvard e com o nome da Lava Jato. Mas concordo com a fala de Robalinho de que já passamos coisas piores.
JANICE ASCARI: Moro aceitou.
ALAN MANSUR: GloboNews diz que Moro aceitou e fará uma nota daqui a pouco.
MONIQUE CHEKER: Pessoal da AGU surtando… “@onyxlorenzoni Deputado. A AGU é função essencial à Justiça prevista na CF. Não precisa ser vinculada a nenhum ministério. @jairbolsonaro”. TT que estão espalhando.
ÂNGELO AUGUSTO COSTA: De alegria, né? Próximo passo eh lista tríplice.
Os procuradores referiam-se às declarações de Bolsonaro, de que desrespeitaria a lista tríplice, eleita pelo Ministério Público Federal, na escolha do procurador geral da República.
MONIQUE CHEKER: Diferente se [Moro] fosse ao STF direto. Seria perfeito. Políticos precisam obedecer prazos de desincompatibilidade. Por que não juízes e membros do MP? O distanciamento é importante numa república. Não basta ser honesto, tem que parecer honesto. Enfim. E a “escadinha” disso tudo foi terrível: Moro ajudou a derrubar a esquerda, sua esposa fez propaganda para Bolsonaro e ele agora assume um cargo político. Não podemos olhar isso e achar natural.
A procuradora Monique Cheker tem sido uma apoiadora da Lava Jato dentro do Ministério Público, o que confirmou agora ao site The Intercept Brasil, embora não tenha confirmado a autenticidade das mensagens divulgadas.
INDIGNAÇÃO
O que as mensagens revelam é que houve uma revolta – ou, pelo menos, uma indignação muito grande – com a aceitação, por Moro, do ministério de Bolsonaro.
Essa indignação acabou por atingir Deltan Dallagnol, procurador que, pública e privadamente, bajulava Moro – e que era, publicamente, a favor de que Moro se tornasse ministro de Bolsonaro.
Dallagnol sentiu o clima dentro do Ministério Público. No dia 6 de novembro de 2018 – cinco dias após Moro ter aceito o convite de Bolsonaro – Dallagnol escreveu à procuradora Janice Ascari uma mensagem que parece sondagem:
DALLAGNOL: Jan, não sei qual sua posição sobre a saída do Moro pro MJ, mas temos uma preocupação sobre alegações de parcialidade que virão. Não acredito que tenham fundamento, mas tenho medo do corpo que isso possa tomar na opinião pública. Na minha perspectiva pessoal, hoje, Moro e LJ estão intimamente vinculados no imaginário social, então defender o Moro é defender a LJ e vice-versa. Ainda que eu tenha alguma ponderação pessoal sobre a saída dele, que fiz diretamente a ele, é algo que seria importante – se Vc concordar – defender… Quanto à delação do Palocci, tema em que podem entrar, expliquei essa questão na minha entrevista da Folha de umas semanas atrás, não sei se chegou a ver, então mando aqui… bjus
JANICE ASCARI: Oi querido, nosso pensamento é convergente. Também me preocupo com esse aspecto da parcialidade dele, porque põe em dúvida, também, o trabalho do MPF. Pretendo, além de, claro, defender a LJ como sempre faço (até quando não concordo com algumas coisas rsrs), mostrar que o Ministério da Justiça tem muita coisa com que se preocupar além da LJ, que continuará com Moro ou sem Moro.
Dallagnol estava, tudo indica, tentando obter a aprovação de Janice Ascari, uma pessoa muito mais influente do que ele no Ministério Público.
Quanto ao membro mais experiente da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, segundo The Intercept Brasil, independente de suas preferências eleitorais, estava inteiramente contra a entrada de Moro no ministério de Bolsonaro.
Um assessor de imprensa da força-tarefa escreveu, em um grupo de mensagens: “CF mesmo, disse estar torcendo pra ele não aceitar”.
E, em seguida, transcreveu o que ouviu de Santos Lima:
“Creio que o que eu tinha para falar, já está falado. Agora é rezar para que ele não aceite”.
C.L.
Tudo isso que estamos vendo e lendo sobre os fatos ocorridos na força tarefea da lava jato, foi antecipado por Gilmar Mendes em uma seção do STF em 2018, quando ele disse: futuramente vamos aqui julgar várias práticas ilícitas praticadas pelos indivíduos da referida força tarefa, quero dizer que o ministro não estava adivinhando, porque só não viu a astúcia quem é desinformado ou muito insensato.
Não, leitor, o Gilmar também não viu nada. O que ele queria era livrar alguns corruptos. Não é o que está fazendo desde que entrou para o STF, por nomeação do Fernando Henrique e sob protestos – aliás, justos – do PT?