Aguarda-se uma manifestação do ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, sobre a proibição, estabelecida por Dias Toffoli, do STF, de investigações baseadas em dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – e também em dados da Receita Federal e do Banco Central – comunicados ao Ministério Público.
Alguns blogs publicaram na manhã de sexta-feira (19/07) uma nota, segundo a qual Moro teria criticado a decisão de Toffoli, que, para livrar Flávio Bolsonaro das investigações no Rio de Janeiro, suspendeu todas as investigações do país baseadas em dados do Coaf, Receita e BC.
A nota não diz quando Moro fez a crítica – nem onde isso aconteceu.
Portanto, por si só, não deve ser levada em consideração, já que tudo na vida acontece em algum lugar e em algum momento.
O fato é que, até agora, publicamente, o colosso anticrime (e anticorrupção) de Bolsonaro não disse absolutamente nada, decorridos quatro dias da decisão.
Entretanto, o então juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, ficou famoso por várias razões, algumas justas, outras injustas.
Uma delas foi a defesa do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como órgão essencial no combate à corrupção. O próprio Moro declarou que as informações do Coaf foram decisivas em seus julgamentos, no âmbito da Operação Lava Jato.
O então juiz era tão admirador do Coaf que, até mesmo, depois de aceitar sua entrada no governo, fez um acordo com Bolsonaro para que o órgão passasse para o seu ministério, o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Porém, após a eclosão do caso Flávio Bolsonaro/Fabrício Queiroz – em que até a atual primeira-dama apareceu em um relatório do Coaf –, Bolsonaro achou que era mais seguro, para sua Família, que o órgão ficasse com Paulo Guedes, no Ministério da Economia.
Assim, não cumpriu sua palavra (como diria o povo: passou a perna em Moro) e o ex-juiz se submeteu, e de maneira humilhante, assinando uma carta infame, dirigida ao Senado, que desdiz tudo o que falou até quase a véspera.
Moro, portanto, preferiu compactuar com uma tentativa de abafamento de um crime – isto é, uma tentativa de impedir as investigações sobre Flávio Bolsonaro e outros, entregando o Coaf a Guedes.
Agora, o ministro Dias Toffoli, para acobertar o mesmo Flávio Bolsonaro (e o mesmo Queiroz), suspendeu todos as investigações do país (literalmente: “essa decisão se estende aos inquéritos em trâmite no território nacional”) com base em dados do Coaf, cuja função é, exatamente, achar dados suspeitos para comunicar a quem pode investigá-los.
A decisão é tão absurda que o próprio Toffoli, logo em seguida, recorreu ao que o povo, com justa razão, chama de embromação – palavra que, segundo o afamado Dicionário Caldas Aulete, é sinônimo de “embuste; mentira”.
Disse ele, em Cuiabá, que o Coaf pode enviar ao Ministério Público “dados genéricos” e “o montante global” das movimentações atípicas (isto é, aquelas que estão muito acima da média de depósitos de uma determinada conta).
O Coaf está proibido, disse Toffoli, só de enviar informações detalhadas.
A explicação é, toda ela, um embuste. Basta ler a decisão de Toffoli.
O que ele chama de “dados genéricos”?
A mera “identificação dos titulares das operações bancárias” (cf. Decisão de Toffoli, p. 6).
Portanto, restam os “montantes globais”. Que serviriam apenas para que o Ministério Público entrasse na Justiça – e, assim, e somente assim, se o juiz concordar, obtivesse as “informações detalhadas”.
Mas o Coaf existe apenas por um motivo: combater a lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998), isto é, identificar a entrada, no sistema financeiro, de dinheiro com origem no crime (corrupção, tráfico, etc.) e enviar os casos suspeitos para o Ministério Público ou a Polícia – 97% das comunicações do Coaf têm como destino os Ministérios Públicos (Federal e Estaduais) e as Polícias (Federal e Civis).
Qualquer dúvida sobre o Coaf pode ser dirimida na página que o Ministério de Moro dedicou a ele (cf. MJSP, Coaf – perguntas e respostas).
Repetindo de forma um pouco mais extensa o que foi dito acima: o que Toffoli está dizendo – e determinou, com sua decisão – é que a função do Coaf está invalidada, uma vez que os “dados genéricos e o montante global das movimentações atípicas” serviriam apenas para que o Ministério Público alertasse os criminosos, entrando com uma ação na Justiça para obter as “informações detalhadas” do Coaf – e com todos os trâmites que a entrada na Justiça significa.
A quem isso beneficia?
Em primeiro lugar, aos corruptos; em segundo lugar, aos estelionatários; em terceiro lugar, aos traficantes.
Vejamos a distribuição do intercâmbio do Coaf com outros órgãos, por tipo de crime, de janeiro/2014 a junho/2019:
– Corrupção: 9.421;
– Fraude: 4.592;
– Tráfico: 4.391;
– Sonegação fiscal: 2.200;
– Facções criminosas: 1.586.
(cf. o excelente artigo de Luiz Vassallo e Fausto Macedo, Corrupção é o crime que mais motiva troca de informações entre Coaf e investigadores, OESP 19/07/2019.)
O mais nojento na decisão de Toffoli é que ela foi tomada para beneficiar o filho de Bolsonaro. A segunda coisa mais nojenta é que ele tenta apresentá-la como “defesa do cidadão”.
Pois, para beneficiar o filho de Bolsonaro, Toffoli beneficiou, também, todos os bandidos do crime organizado.
Não faremos comentário sobre a vala comum em que caiu, publicamente, Flávio Bolsonaro e sua Família, com essa decisão. Como disse um membro do Ministério Público Federal, o procurador Hélio Telho:
“O PCC deve estar comemorando a decisão de Toffoli. O COAF identificou movimentação de R$ 63 milhões, de novembro de 2005 a julho de 2007, 686 contas bancárias pertencentes a 748 pessoas e empresas ligadas ao PCC”.
E o Moro continua calado.
C.L.
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