Chefe do Escritório do Crime tinha mãe e mulher trabalhando no gabinete de Flávio Bolsonaro. Jair discursou em sua defesa: “Foi preso injustamente por matar vagabundos”, disse. Mas, não sabiam de nada
Flávio Bolsonaro perdeu a compostura e as estribeiras com um de seus seguidores na internet, quando este lhe perguntou, numa postagem feita no sábado (15), “qual a melhor arma para queimar um arquivo, Flavinho?”, em alusão à morte do miliciano Adriano da Nóbrega. A resposta foi uma baixaria. “Não sei, mas pra queimar a rosca você sabe!”, disse o senador.
Flávio Bolsonaro, “o zero um” do Jair Messias, tinha ligações íntimas e muito antigas com o assassino profissional, Adriano da Nóbrega, miliciano chefe do Escritório do Crime, um esquadrão da morte que executa assassinatos por encomenda das milícias do Rio de Janeiro. Adriano, que foi morto pela PM da Bahia no domingo (09), era chefe de Ronnie Lessa, pistoleiro que está preso acusado pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes.
A irritação do senador com seu seguidor tem uma explicação lógica. É porque ele não está conseguindo emplacar sua narrativa de que não tem nada a ver com o miliciano nem mesmo para as pessoas próximas a ele. Daí a baixaria de insinuar que o interlocutor de sua rede social pudesse estar “queimando a rosca”.
Não há como as pessoas, mesmo os bolsonaristas mais empedernidos, acreditarem que ele e seu pai homenagearam duas vezes o miliciano assassino, contrataram por anos a mãe dele e a ex-mulher dele no gabinete, passavam dinheiro do gabinete para o pistoleiro e não tinham nada a ver com Adriano e não sabiam de nada sobre as atividades do bandido de aluguel.
HOMENAGENS DA FAMÍLIA BOLSONARO
Quando recebeu a primeira homenagem de Flávio Bolsonaro, em 2003, Adriano já tinha sido afastado do BOPE por suspeitas de irregularidades e foi transferido para o batalhão do bairro de Olaria, na Zona Norte. Ali, sob sua orientação, seus comparsas fardados sequestravam, torturavam e extorquiam moradores em troca de dinheiro.
Uma investigação da PM identificou pelo menos três vítimas do grupo chefiado por Adriano em 2003. Uma delas era Leandro dos Santos Silva, de 24 anos, que foi executado logo depois de denunciar que havia sido agredido. Adriano chegou a ser preso e foi condenado, mas o júri popular foi anulado em segunda instância por medo das testemunhas de comparecerem ao tribunal.
Os bolsonaros prestaram três homenagens a Adriano da Nóbrega. A primeira, já citada, veio cinco meses depois de Adriano, já transferido de batalhão, e o então sargento Fabrício Queiroz, naquela época lotados no 18º Batalhão da Polícia Militar, em Jacarepaguá, na Zona Oeste fluminense, se envolverem na morte de um morador da comunidade de Cidade de Deus. Flávio fez uma moção de louvor na Assembleia Legislativa do Estado do Rio em que elogia Adriano por seu “brilhantismo”. Jair Bolsonaro fez questão de dizer que a iniciativa de homenagear o bandido foi dele.
MEDALHA TIRADENTES
Dois anos depois, o parlamentar voltou a prestar homenagem ao ex-policial, desta vez com a medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pela Assembleia. A justificativa, de novo, era “por ser um brilhante oficial”. Detalhe: na ocasião Adriano estava na prisão, onde recebeu a comenda. Ele foi condenado a 19 anos de prisão pelo segundo homicídio, também atuando como policial. Acabou liberado e, por esse mesmo crime, voltou à prisão em 2011.
Ouça a defesa que Bolsonaro fez do assassino profissional
A terceira vez que Adriano recebeu deferências da família Bolsonaro veio do próprio Jair, então deputado federal, neste mesmo ano de 2005, quando da segunda condenação (áudio acima). Ele foi à tribuna da Câmara prestar solidariedade ao policial criminoso. Ele prometeu agir para reparar a injustiça que havia sido cometida contra ele quando foi preso “por matar vagabundos”.
DA SEGURANÇA DA CONTRAVENÇÃO AO ESCRITÓRIO DO CRIME
Quando foi solto, em 2006, Adriano virou segurança da contravenção. Passou a ter, portanto, uma vida dupla: trabalhava oficialmente na PM e, por fora, cuidava pessoalmente da segurança de um dos genros do contraventor Maninho, que era conhecido como Zé Personal. “Cuidar da segurança” significava matar adversários de seu chefe.
Nascia assim o Escritório do Crime.
O policial passou a ter não só dinheiro, como também prestígio no bando. Após 2007, a mando de Zé Personal, Adriano foi apontado como autor de mais de uma dezena de homicídios ligados a disputas entre contraventores. Apesar dos depoimentos que o acusavam de assassino, tinha apoio político da família Bolsonaro. Sua conduta não era investigada em nenhuma instância. Em 2008, foi promovido a capitão.
MÃE E EX-MULHER TRABALHAVAM COM FLÁVIO
Do Escritório do Crime, Adriano se apoderou também do controle da milícia de Rio das Pedras. Foi expulso da PM em 2014. Neste período, sua ex-mulher, Danielle Nóbrega, já estava há cinco anos no gabinete de Flávio Bolsonaro, levada pelo comparsa de Adriano, Fabrício Queiroz, que se tornou o homem forte do gabinete e comandava o esquema de lavagem de dinheiro do deputado. Sua mãe, Raimunda Veras, entrou no esquema da lavagem de dinheiro de Flávio e Queiroz em 2016.
Adriano só passou à condição de fugitivo em 22 de janeiro de 2019, por consequência da “Operação Os Intocáveis”, realizada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro, com apoio da Polícia Civil, que prendeu cinco membros da cúpula da milícia do Rio das Pedras e desarticulou o Escritório do Crime. Neste ano Adriano se refugiou na Bahia e acabou morto no domingo (09).
Toda essa promiscuidade com a família Bolsonaro viria à tona com a prisão de Adriano da Nóbrega. Por isso, era necessário a queima de arquivo, que foi denunciada pelo advogado de Adriano e pela sua atual mulher. “Ele me disse que vai ser assassinado”, afirmou o advogado do miliciano.
Por isso, ninguém acredita no jogo de cena de Flávio e de Jair Bolsonaro, de que não têm nenhuma ligação com as milícias, e nem com a morte de Adriano. Nem os seguidores de Flávio acreditam nisso.
SÉRGIO CRUZ
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