“Se ele me ordenar reabrir de uma maneira que coloque em risco a saúde pública do povo do meu estado, eu não farei”, disse Cuomo
Governadores rechaçaram na terça-feira (14) a afirmação do presidente Donald Trump de que é ele, e só ele, quem define como e quando a economia será reaberta em meio à pandemia – quem “dá as ordens” -, com o presidente bilionário às tuitadas chamando de “amotinados” os que não querem se sujeitar aos seus desígnios de “voltar aos negócios” a partir de 1º de Maio com um “big bang”.
Trump até mesmo afirmara que tinha “autoridade total” para reabrir a economia quando lhe aprouvesse.
“Se ele me ordenasse a reabrir de uma maneira que colocaria em risco a saúde pública do povo do meu estado, eu não o faria”, disse Cuomo à CNN no início do dia, em resposta a Trump.
O principal consultor científico da força-tarefa da Casa Branca, o Dr. Anthony Fauci, que na véspera estreara na lista de excomungados pelo Twitter de Trump, afirmou em entrevista à Associated Press que a meta de Trump de reabertura a partir do 1º de maio é “otimista demais”. “Temos que ter algo eficiente e que possamos confiar, e ainda não chegamos lá”, acrescentou o cientista.
“SEM REI”
Mais tarde, Cuomo afirmou que Trump estava claramente açulando um embate sobre a questão e que não queria uma batalha por linhas partidárias, mas acrescentou: “não temos um rei neste país, temos uma Constituição e elegemos o presidente”.
Na véspera, o governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, já havia dito que quem quisesse reabrir a economia “sem o motor econômico de Nova Iorque”, só poderia estar “brincando consigo próprio”.
Sem contar que haveria ainda o “motor econômico da costa oeste”, também sob governos democratas. E que o Texas e a Flórida, de acordo com os modelos de epidemiologia, vão entrar no auge do contágio em maio.
Outros governadores – democratas e republicanos – haviam se manifestado também pelo respeito à quarentena e às normas de distanciamento social, na medida em que a situação continua fora do controle e não há vacina nem tratamento contra a pandemia de Covid-19.
A investida de Trump ocorre quando o EUA tem o maior número de contaminados do planeta – 611 mil, e com um número risível de altas – apenas 39 mil.
Quanto aos mortos, é recordista mundial absoluto, com 26 mil, metade deles em Nova Iorque.
Com uma população quatro vezes menor do que a da China, os EUA têm quase oito vezes mais contágios e oito vezes mais mortos – o que por si só expressa a incúria e incompetência do governo Trump frente à pandemia, que considerava inicialmente como uma “gripe comum”, que desapareceria “com o calor da primavera”, ou que seria contida com xingamentos racistas sobre o “vírus chinês”.
Nova Iorque, sozinha, já tem mais contágios do que a China e mais mortos do que qualquer outro país.
OS SETE ANÕES DE TRUMP
Na terça-feira, Trump formalizou seu “comitê de reabertura”, composto pela filha Ivanka, o genro Jared Kushner, seu chefe de gabinete Mark Meadows, o secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, o secretário do Comércio Wilbur Ross e os falcões anti-China Larry Kudlow e Robert Lighthizer. Nenhum infectologista integra o comitê. Os “sete anões” de Trump, alguém comentou, sobre o grupo de parentes, especuladores e fanáticos do Tea Party, como observou o portal Common Dreams.
Por enquanto segue em vigor a orientação do “fique em casa”, que na prática foi sustentada basicamente pelos governadores e prefeitos, quando Trump ensaiara a “volta aos negócios na Páscoa”.
Sete governadores da costa leste – Nova Iorque, Nova Jersey, Connecticut, Pensilvania, Massachussets, Delaware e Rhode Island – anunciaram a formação de uma aliança para definirem planos comuns sobre a retomada da economia. Medida semelhante foi tomada pelos governos da Califórnia, Oregon e Washington, na costa oeste.
Depois disso, Trump passou a dizer que irá conversar com os governadores sobre a retomada da economia.
QUARENTENA REFORÇADA
Entre os governadores e prefeitos que esticaram a quarentena estão Ralph Northam, da Virginia (até 10 de junho), Ned Lamont, de Connecticut (até 20 de maio), Eric Garcetti, de Los Angeles (até 15 de maio), Charles Baker, de Massachussets (até 4 de maio), Mike DeWine, de Ohio (até 1º de maio), Gretchen Withner, do Michigan (até 30 de abril).
Northam observou que há uma tensão entre “aspirações” de reabrir tudo de Trump e sua sustentação “pela ciência”.“Ninguém lá fora quer que nós voltemos à nossa vida normal mais do que eu, mas também temos que lidar com a realidade. Eu sou médico”.
DeWine, que é republicano, defendeu a continuação do distanciamento social e pediu uma “testagem robusta” para que se possa colocar as pessoas de volta ao trabalho. Ele acrescentou que “historicamente questões de saúde como esta são manejadas pelos governadores, pelos prefeitos, e eu acho que é isso que geralmente o povo espera”.
Outra questão que exige solução antes que se possa falar em “reabrir” é a escassez de equipamentos de proteção para o pessoal que está na linha de frente do combate à pandemia e de ventiladores, para os casos mais graves que superlotam as UTIs.
O governador republicano de Maryland, Larry Hogan, que encabeça a Associação Nacional de Governadores, tem reiterado que “o problema número 1 que nós temos é a falta dos equipamentos de proteção”. “Estamos literalmente no fio da navalha”, advertiu o democrata Phil Murphy, governador de Nova Jersey, estado que só fica atrás de Nova Iorque em vítimas da pandemia.
Para o Dr. Fauci, antes que as restrições de distanciamento social possam ser aliviadas as autoridades de saúde pública devem ser capazes de testar o vírus rapidamente, isolar novos casos e rastrear novas infecções.
E não será como acionar “um interruptor de luz”. Terá que ser “gradual”, destacou. “Esperaremos para ver o que está acontecendo e se os elementos nos permitem reiniciar a atividade com segurança”. “Caso contrário, continuaremos a isolar”.
“TESTAR, TESTAR E TESTAR”, ISOLAR E CUIDAR
Na segunda-feira, na conferência diária sobre a pandemia, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, ao tratar da questão das iniciativas para a retomada das atividades econômicas não essenciais, alertou que, enquanto a Covid-19 acelera “muito rápido” em sua propagação – há países em que os casos estão dobrando a cada 3 a 4 dias -, “desacelera muito mais lentamente”.
“Em outras palavras, o caminho para baixo é muito mais lento do que o caminho para cima”, enfatizou, o que significa que “as medidas de controle devem ser levantadas lentamente, e com controle”. “Não pode acontecer de uma vez”, enfatizou.
Ele acrescentou que as medidas de controle só podem ser levantadas se as medidas de saúde pública corretas estiverem em vigor, incluindo capacidade significativa de rastreamento de contatos.