“A pandemia nos mata pela enfermidade e a ditadura nos mata pela fome. O coronavírus e o governo da Bolívia destroçaram a economia”, sublinhou o ex-presidente Evo Morales, diretamente do seu exílio em Buenos Aires. Nesta entrevista ao jornalista Leandro Dario, Evo denuncia que “lamentavelmente, a Bolívia é o único país do mundo onde se combate a pandemia com tanques de guerra, fuzis, gases, com detenções e perseguições”. “Há uma perseguição política permanente”, sublinhou.
Boa leitura.
LEANDRO DARIO, de Buenos Aires
Há mais mortos e contagiados do que as autoridades do país informam?
Lamentavelmente não há verdade nos dados de contagiados e mortos por coronavírus na Bolívia. Durante a quarentena deveriam ter equipado o sistema de saúde, ter investido nos equipamentos para os laboratórios e novos hospitais. Não fizeram absolutamente nada. Bolívia é o país com menos testes de toda a América Latina. Não são dados confiáveis os divulgados pelo governo golpista.
Como avalias o que Jeanine Áñez tem feito para enfrentar a pandemia?
Está tratando a pandemia com fins exclusivamente eleitorais. Áñez tinha que renunciar à candidatura à presidência para ajudar o candidato dos Estados Unidos, que é Carlos Mesa. Fracassaram. Tentaram eleições. Também fracassaram. Áñez é candidata repartindo bônus, mas sem equipar os hospitais. O povo se dá conta. Agora aparecem mais mortos e mais contagiados. Além disso, há toda uma repressão. E o povo solidário é preso. Anteontem detiveram Patricia Arce, nossa prefeita do município de Vinto, que estava fazendo trabalho social para que as pessoas aguentem a quarentena. Na semana passada detiveram companheiros do Trópico que levavam frutas à gente humilde do interior do país. Foram emitidas prisões domiciliares, mas não foram transferidos de Sucre para o Trópico e estão aí, abandonados. Em que pese o uso eleitoral, esta quarentena não está saindo bem para o governo golpista.
Quando haverá eleições na Bolívia?
O povo está pedindo eleições. Como estavam definidas para 3 de maio, a Assembleia Plurinacional tem que fixar uma nova data. Estão debatendo isso. Estou seguro de que a Assembleia vai dar um ultimato para que haja eleições.
Se Añez o chamasse e pedisse uma reunião para que haja unidade nacional frente à pandemia, você iria?
Há dois meses eu propus um encontro nacional, antes da pandemia. Neste encontro queria um acordo para evitar estas confrontações nas ruas. Lamentavelmente, a direita boliviana e os Estados Unidos organizaram grupos para queimar casas de gente pobre, nossos militantes e dirigentes sindicais. Essa inimizade tem que acabar. Somos irmãos e irmãs em nossa querida Bolívia. Quando propus, a direita golpista rechaçou. Os sete países que melhor enfrentam o coronavírus são governados por mulheres
O que dizes sobre as queixas do governo de Áñez pelas suas manifestações públicas?
Perguntei às autoridades do governo de Alberto Fernández quais são as minhas responsabilidades como refugiado. Me disseram que eu não posso falar sobre temas políticos da Argentina. Sobre a Bolívia e sobre o mundo tenho todo o direito de comentar, de explicar. Cumpro com estas recomendações, que são parte das normas internacionais.
Alguém do governo de Alberto Fernández lhe pediu que baixasse o tom?
Não, não tenho nenhuma observação e comunicação sobre este tema. Tive até agora duas reuniões com o presidente Fernández, é um irmão, um presidente muito solidário, a quem conheci muito antes.
Como é a sua quarentena em Buenos Aires?
Sou disciplinado. Estou há cinco semanas sem dar nem meio passo de minha porta para a rua. Às cinco da manhã faço exercício, esta manhã corri meia hora na esteira. Depois, às 17 horas, faço exercícios outra vez. Dou entrevistas, estou escrevendo um livro. E em comunicação permanente com os companheiros do Trópico de Cochabamba, com meu candidato Lucho Arce, com os movimentos sindicais, com os dirigentes do MAS, coordenando para garantir a quarentena, porém também esperando que a reação do governo seja dar mais equipamentos. Ontem morreu um policial que não tinha equipamentos de biossegurança. Anteontem, uma menina se suicidou por passar fome. Sugeri que os bairros humildes façam panelas populares com as Forças Armadas, com a polícia, com os trabalhadores do estado. Lamentavelmente, a Bolívia é o único país do mundo onde se combate a pandemia com tanques de guerra, fuzis, gases, com detenções e perseguições. Há uma perseguição política permanente.
Na Argentina há polémica a respeito da possível chegada de médicos cubanos para enfrentar a pandemia. Como vês esta assistência?
Eu não posso comentar sobre os médicos cubanos. Antes de ser presidente me reuni com Fidel Castro e Hugo Chávez em Havana. Entre vários temas que debatiam, Fidel dizia Hugo, irmão, vamos operar gratuitamente na América Latina 100 mil pessoas que têm problemas na vista. Escutando Fidel, eu disse: está louco. Na Bolívia uma operação dessa custa, em média, mil dólares. Quando cheguei ao governo assinamos um acordo de solidariedade com Cuba. Até o ano passado foram feitas em nosso país 727.138 cirurgias oftalmológicas gratuitas. Quanto dinheiro foi economizado pela Missão Milagre, de Cuba? Quero que saiba que esta cooperação é totalmente incondicional. Em troca nunca nos pediram para privatizar nossos recursos naturais, ser donos de empresas, ou privatizar os serviços básicos. Essa é a profunda diferença de cooperação de Cuba em relação aos Estados Unidos e alguns países europeus.
Tradução: Leonardo Wexell Severo