Os casos de ligações de emergência em Nova Iorque por ingestão de produtos de limpeza mais que dobraram nas 18 horas seguintes à recomendação do presidente Trump de injetar desinfetante nos pulmões dos doentes para curar a Covid-19 segundo o centro de controle de envenenamento da cidade.
Foram cerca de 30 ligações de emergência, em comparação os 13 casos do mesmo período do ano passado. A informação é da rede de tevê NBC, dos EUA.
“Derruba o coronavírus em um minuto”, havia asseverado Trump ao prescrever o desinfetante direto nos pulmões dos incautos, em transmissão ao vivo desde a Casa Branca na noite de quinta-feira (23).
“Existe uma maneira de fazer algo assim por injeção por dentro ou quase uma limpeza”, instruiu o “gênio estável” – como ele próprio já se definiu em um momento de modéstia.
Trump ainda aventou o uso de uma “luz muito forte” contra a Covid-19, possivelmente se referindo à radiação ultravioleta. “Suponha que atingimos o corpo com uma luz tremenda. Isso não foi verificado”.
Antes, em outra incursão na ciência médica, Trump havia feito apologia da cloroquina, uma droga usada contra a malária, para cuidar dos infectados com o novo coronavírus, levando vários hipocondríacos à morte.
Associações de medicina e profissionais da saúde em pânico haviam ido a público alertar as pessoas a não darem ouvidos ao perigoso presidente.
“Essa idéia de injetar no corpo ou ingerir qualquer tipo de produto de limpeza é irresponsável e perigosa”, disse à NBC o diretor Vin Gupta, especialista em saúde pública e especialista em pulmão e em terapia intensiva. “É um método comumente usado por pessoas que querem se matar”, acrescentou.
O desatino também repercutiu mal, muito mal, no exterior. “Da mesma forma, também se imolar com fogo pode ser uma alternativa útil”, ironizou o centro de pesquisa francês Marselha Immunopôle. O método de Trump, enfatizou, “mataria o vírus e os pacientes!”
SARCASMO?
Depois que ficou impossível ignorar a repercussão negativa, Trump remendou que era só “sarcasmo”. Aos que presenciaram a cena, a inusitada prescrição da injeção de desinfetante não pareceu nem um pouco sarcástica, e Trump ainda fez questão de dirigir um comentário à chefe de sua força-tarefa antiCovid-19, Dra. Deborah Birx, que não sabia onde enfiar a cara.
Originalmente, a força-tarefa estava querendo chamar a atenção para o uso de produtos de limpeza domésticos – como água sanitária e álcool isopropílico – para a descontaminação de superfícies, o que foi feito por um cientista do Departamento de Segurança Interna.
Foi aí que Trump resolveu se aventurar na arte da cura e provavelmente deve ter reparado no estupor causado nos infectologistas presentes, pois imediatamente acrescentou que “soa interessante para mim”.
“NÃO BEBA ÁGUA SANITÁRIA”
Ao Washington Post, o diretor de Saúde Global em Emergência Médicas do Centro Médico da Universidade de Columbia, Craig Spencer, disse que a preocupação dele é que “ia morrer gente”. “Pessoas vão pensar que é uma boa ideia. Não é meramente um conselho tirado da manga ou tipo talvez-isso-vá-funcionar. É perigoso”.
“Por favor, não beba ou injete desinfetante”, tuitou Walter Shaub, ex-diretor do escritório federal de questões éticas (OGE) no governo Obama. Dirigindo-se a Trump, conclamou: “pare de transmitir essas conferências de imprensa sobre o coronavírus. Elas estão colocando vidas em risco”.
Por sua vez o ex-secretário do Trabalho do governo Clinton, Robert Reich, denunciou que as conferências de imprensa de Trump são “um perigo para a saúde pública”. Ao público, ele pediu: “Boicote a propaganda. Ouça os especialistas. E por favor não beba desinfetante”.
A médica de pronto-socorro e professora da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, Esther Choo, postou que as recomendações de Trump nas conferências diárias estão ficando cada vez mais bizarras e perigosas.
“Estamos vindo da sugestão de tratamentos não comprovados (hidroxicloroquina) para a de substâncias que sabidamente causam dano (álcool isopropílico, água sanitária). O que virá a seguir?”
E concluiu: “essas são coisas que nós sempre nos preocupamos que as crianças não engulam acidentalmente”.