“O departamento de Loreto, e em particular sua capital Iquitos, colapsaram, como todo o Peru, sem qualquer apoio do governo federal. Assim, a Covid-19 avança com seus hospitais superlotados, sem camas, respiradores, nem medicamentos básicos, com corpos se empilhando e muitos doentes, sem tratamento, precisando ir morrer em suas casas. O fato é que os médicos e enfermeiros encontram-se totalmente desamparados, sem contar sequer com equipamentos de proteção, e a população submetida às intempéries, completamente abandonada”.
O alerta é de Edgas Cardenas Orbe, parlamentar há oito anos da região de Iquitos – equivalente a 54% da Amazônia peruana -, capital de Loreto, em entrevista exclusiva. Defensor há oito anos de recursos públicos para a saúde e batalhador contra o agravamento do abandono da região, Orbe destaca “o significado da herança, dos sucessivos cortes e da prática neoliberal”.
“Desde o final de março, com as fossas de corpos se multiplicando, com a falta de água potável, o esgoto sendo jogado sem tratamento nos rios e os recursos petroleiros reduzidos cada vez menos, a situação tem se agravado. São 75% de trabalhadores desempregados, com cerca de 45 mil motoristas abandonados, sem o seu principal meio de sustento, sem que possam dirigir os seus veículos de três rodas. Além disso, há 42 anos sem o seu principal produto da região, os petroleiros que já haviam passado a receber tão somente 12% do ouro negro, estão ainda mais empobrecidos”, frisou Orbe, alertando para a realidade do norte do país.
Envolvidos em sacos plástico, há vários dias, uma dúzia de cadáveres se amontoam uns em cima dos outros, somados como se fossem depósitos de corpos nos hospitais. Conforme o governador de Loreto, Elisban Ochoa Sosa, “o necrotério não tem capacidade para cremar tantos corpos e o local está transbordando”.
“Temos uma fluência enorme de pacientes. Neste momento há ao menos 60 pacientes esperando camas para serem hospitalizados. Muitos deles precisam de oxigênio e não há, estamos numa crise terrível vendo, dia a dia, as pessoas morrerem”, denunciou o médico Juan Carlos Acuy Gratelli, que gravou um vídeo que se popularizou por todo o Peru.
De acordo com o médico, a situação tem se agravado porque além de não haver respiradores mecânicos, nem oxigênio, também não existem testes rápidos, nem testes moleculares de Covid-19, ampliando cada vez mais a contaminação em massa.
Decano do Colégio de Médicos do Peru na Região de Iquitos, Luis Leonardo Runciman confirma o caos e disse se sentir “impotente e frustrado” por “não ter como atender um único paciente a mais, o que significa que as pessoas vão morrer em suas casas”. Conforme Runciman, não existem sequer equipamentos para medir pressão, nem enfermeiras para manejá-los, e “não há como diagnosticar o Covid-19 por não termos testes moleculares nem provas rápidas para fazê-lo”.
A oposição denuncia a falta de investimentos na saúde, uma vez que as Reservas Internacionais se encontram em mais de US$ 74 bilhões em abril, uma cifra histórica, informou o Banco Central de Reserva do Peru. Já o caos só se amplia, com o número de contagiados ultrapassando, oficialmente, a 20.000 até esta segunda-feira. São cerca de 800 mortos e 4.000 hospitalizados, 600 deles lutando pela vida na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Sem apoio e com pouquíssimos especialistas e epidemiologistas, devido a décadas de desgoverno neoliberal, o Colégio Médico do Peru (CMP) cobra o cumprimento das normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e alerta para o pior.
O levantamento do CMP aponta que 348 médicos já foram contaminados, 22 estão na UTI e há inclusive vários mortos, estampando a gravidade da situação. “Infelizmente, dolorosamente, tenho visto colegas morrerem ao meu lado”, desabafou o médico Juan Carlos Acuy Gratelli.
LEONARDO WEXELL SEVERO