Entre os dias 1º e 20 de abril, ao menos 145 pessoas morreram com falta de ar sem conseguir o socorro de que precisavam em unidades de emergência no Rio de Janeiro.
No sábado (25), mais de 900 pessoas estavam nas emergências da capital fluminense. Estas unidades são a porta de entrada para o sistema de saúde. Trinta e nove Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e emergências estavam com mais pacientes do que leitos.
Nesta segunda-feira (27), 326 pacientes aguardavam transferências para UTI, a maioria de Covid-19. Não existem praticamente mais vagas de UTI na rede estadual e municipal para pacientes do novo coronavírus. Apenas o Zilda Arns, em Volta Redonda, tinha vagas.
O taxista José Carlos, de 68 anos, foi levado para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio de Janeiro, antes da Páscoa. Ele estava com crises de hipertensão e diabetes. Não havia leito de internação, e ele ficou na Sala Vermelha.
Depois de 11 dias no local, onde ele ficou sem suporte de oxigênio, José Carlos foi transferido para o Hospital Rocha Maia, em Botafogo, na Zona Sul. Mas a unidade também não tinha leito disponível com respirador.
“A médica falou para a gente que o meu pai estava passando muito mal, que precisava ser entubado, precisava de uma UTI. E que só no hospital em Volta Redonda que tinha. Aí pediu a autorização da gente para mandar ele para lá. Quando a gente autorizou e a médica entrou para fazer a papelada, quando ela voltou, ela deu a notícia de o meu pai tinha falecido”, contou Jurema Costa Gomes da Silva, filha de José.
O taxista deixou três filhos e quatro netos. Ele trabalhou até ficar doente. A causa da morte é síndrome respiratória aguda grave por suspeita de Covid-19.
Médicos afirmam que as unidades estão lotadas e vagas para pacientes graves não são liberadas.
“Tem pacientes que vieram a óbito enquanto aguardavam as vagas, incluindo pacientes mais graves, que deveriam ter saído logo de vagas. O paciente não é para ficar um dia. O ideal é que ele ficasse poucas horas esperando. Que ele fosse internado, que a gente estabilizasse ele e, assim que tivesse condições, ele fosse transferido”, contou o médico Gustavo Treitsman, médico na UPA de Magalhães Bastos.
A lotação para pacientes de Covid-19 na rede estadual nesta segunda-feira é a seguinte:
- Instituto Estadual do Cérebro (Centro), com 44 vagas de UTI: lotado
- Hospital Anchieta (Caju), com 14 de UTI e 61 de enfermaria: lotado
- Hospital Pedro Ernesto (Vila Isabel), com 51 de UTI e 48 de enfermaria: lotado
- Instituto de Infectologia São Sebastião (Lapa), com sete vagas de UTI: lotado
- Instituto Estadual do Tórax Ary Parreiras (Niterói), com 10 de UTI e sete de enfermaria: lotado
- Hospital Universitário de Vassouras, com 50 de UTI: lotado
- Hospital Zilda Arns (Volta Redonda): 80 de UTI e 149 de enfermaria: 75% de lotação.
Na rede municipal do Rio, dos 419 leitos de enfermaria, 41 estavam livres (9,7%). Na UTI, de 137 vagas, 31 estavam disponíveis (22,6%).
A rede federal não tem agido de forma conjunta com a estadual e municipal. Para que a situação mude, a justiça determinou que os hospitais federais passem a divulgar suas vagas. O prazo para que se cumpra essa solicitação terminou, também, nesta segunda.
A justiça também determinou que o governo Bolsonaro esclarecesse, sob pena de multa diária, quais são as providências tomadas para garantir os insumos básicos e material de proteção individual (EPIs) que estão faltando nos hospitais federais para o combate da Covid-19.
HOSPITAIS FEDERAIS
Os hospitais federais citados na decisão que precisam passar a divulgar suas informações e receber pacientes transferidos da rede estadual e municipal são: Hospital Federal do Andaraí, Hospital Federal de Bonsucesso, Hospital Federal Cardoso Fontes, Hospital Federal de Ipanema, Hospital Federal da Lagoa, Hospital Federal dos Servidores do Estado.
Ligado à rede federal, o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, da Unirio, estava sem vagas nesta segunda. “Os 18 leitos de CTI estão ocupados — oito com pacientes entubados, em estado grave”, disse o diretor, Fernando Ferry.
Sem novos concursos para os hospitais federais do Rio de Janeiro, sofrem com a necessidade de reposição de pessoal. Enquanto ainda era ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já havia reconhecido que as unidades estão ‘sucateadas’.
O Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SinMed) publicou uma nota de repúdio sobre a atual situação dos hospitais federais no estado. No documento, a categoria solicita a “imediata realização de concurso para provimento dos milhares de postos de trabalho abandonados pelo governo”.
O sindicato também apontou que, mesmo com a precariedade de recursos humanos, as unidades conseguem realizar transplantas e procedimentos de alta complexidade. A partir de profissionais contratados precariamente e sem perspectiva concreta de continuidade.
“São hospitais sucateados, com funcionários envelhecidos porque não há concursos há mais de 30 anos, sacrificados por salários irrisórios e impedidos de se aposentarem, por conta de perderem boa parte dos seus já parcos vencimentos, significando eventual aposentadoria uma condenação à velhice miserável”, consta na nota de repúdio.
Está em tramitação no Ministério da Economia um pedido de autorização para uma nova seleção para ingresso nos hospitais federais do Rio. A solicitação, a princípio, era para 4 mil vagas temporárias. Porém, com o avanço do Coronavírus, o Ministério da Saúde subiu esse quantitativo para 8 mil vagas. Mas até o momento, a liberação do orçamento para abertura do processo seletivo não aconteceu.