O Departamento do Trabalho dos EUA anunciou na quinta-feira (30) que mais de 30 milhões de norte-americanos preencheram pedidos de seguro-desemprego em seis semanas, conforme a pandemia do coronavírus se espraiou pelos EUA. Apenas na última semana, foram 3,8 milhões de pedidos a mais.
Tsunami que reflete a paralisação da economia que se estendeu pelos EUA à medida que o país se tornou o novo epicentro da Covid-19 no mundo, forçando a suspensão das atividades não-essenciais, desde que, em 13 de março, Trump, que dizia antes que era uma “gripe comum”, se viu forçado a decretar emergência nacional.
Recordista mundial de Covid-19 com Trump, os EUA já ultrapassaram o 1 milhão de casos confirmados e 60 mil mortes.
Sem vacina e sem tratamento eficaz, o único modo de evitar o colapso dos hospitais e necrotérios, especialmente em Nova Iorque, foi a decretação do distanciamento social – o “fique em casa” -, para achatar a curva de contágio da Covid-19, com o fechamento de restaurantes, shoppings, revendas de automóveis, comércio, estádios, teatros, salões de beleza, escolas, igrejas e todas as atividades não-essenciais.
Os novos números significam que um em cada cinco trabalhadores norte-americanos ficou desempregado em 45 dias, o que se aproxima dos piores momentos da Grande Depressão, na década de 1930.
“Não há nenhum precedente para números como esses na história americana moderna”, assinalou o Washington Post, que acrescentou que todos os empregos gerados desde o crash de 2008 foram perdidos (22 milhões ganhos em uma década, contra 30 milhões perdidos em seis semanas).
Apenas 18 milhões de pedidos de seguro-desemprego já foram aprovados até agora, o que significa que milhões se deparam com a penúria.
Conforme reportagem da Associated Press da semana passada, 7 em cada 8 requerentes na Flórida do período do meio de março até o início de abril ainda estavam aguardando o benefício. Na Califórnia, eram dois terços de todos os desempregados ainda na espera, e 30% em Nova Iorque.
Os sites estaduais – aos quais cabe no sistema dos EUA receber os pedidos de seguro-desemprego – não têm conseguido dar conta de tantos pedidos ao mesmo tempo, forçando os recém demitidos a repetidas tentativas antes de ter seu pedido encaminhado; muitos desistem.
Na Flórida, desde o início da quarentena, os pedidos de seguro-desemprego aumentaram 4.521% em relação a igual período do ano passado (1.592.236 comparado com 35.215).
Por mais assombrosos que pareçam tais números de desemprego, a situação real pode ser ainda mais grave, como registrou o New York Times.
O Instituto de Política Econômica (EPI, na sigla em inglês), conceituado centro de análise liderado pelo economista Dean Baker, estima em 50% os demitidos que não obtêm o benefício, por causa da sobrecarga nos sistemas estaduais ou dificuldades diante das exigências.
Milhões são imigrantes sem documentos; outros, trabalham por conta própria; e também trabalhadores dos aplicativos não elegíveis.
Outro efeito colateral da avalanche de cortes de postos de trabalho foi que 12,5 milhões de famílias ficaram sem plano de saúde em plena epidemia, segundo o EPI, já que o demitido perde o plano contratado pela empresa no sistema de saúde hiperprivatizado dos EUA.
PENÚRIA
Assim, milhões nos EUA se encontram em situação tão penosa, o que se reflete nas imensas filas de automóveis que se formam para obter comida de graça, a maioria novos usuários dos bancos de alimentos que jamais esperavam ter de passar por isso.
A queda de 7% no consumo no primeiro trimestre – com o peso da queda concentrado na última quinzena de março – em parte expressa essa perda aquisitiva de milhões de pessoas, além do fechamento em si. Milhões deixaram de pagar o aluguel ou a hipoteca.
Assim como milhões ainda não viram a cor do dinheiro do seguro-desemprego, também são milhões os que até agora não receberam o cheque emergencial de US$ 1200, aprovado no pacote do Congresso em março.
Apenas pouco mais da metade do valor alocado no pacote já foi desembolsado, sem que haja explicação para tanta incompetência num quadro de desespero das famílias.
Também os recursos destinados a socorrer as pequenas empresas em grande medida foram parar nas empresas maiores, melhor ‘relacionadas’ com os bancos, incumbidos de sua oferta.
Para a diretora do EPI, Heidi Shierholz, a ajuda e os pacotes de recuperação já aprovados pelo Congresso dos EUA, “não são o suficiente, mais socorro é crucial”, especialmente para os trabalhadores, as pequenas empresas, os estados e a saúde.
OPÇÃO POR DESEMPREGAR EM MASSA
A deputada Pramila Jayapal voltou a cobrar que o Congresso passe a lei de sua autoria que possibilitaria que o governo subsidiasse as folhas de pagamento até o valor de US$100.000 anual, que é apoiado por sindicatos e entidades de pequenas empresas e que se baseia em sistemas que já funcionam na Europa.
Como forma de avaliar o impacto da pandemia nos números do desemprego, é interessante comparar com a situação na Alemanha, onde a política, ao contrário dos EUA, não foi de deixar desempregar em massa.
Assim, na véspera do tsunami de demissões, a taxa de desemprego nos EUA era de 4.4%. Considerando 155 milhões de empregados nos EUA, os 30 milhões demitidos implicam em uma taxa de desemprego da ordem de 20%.
Conforme os números divulgados nesta quinta-feira (30) pelo Bureau Federal do Trabalho alemão, o número de desempregados aumentou em 373 mil em abril, para 2,6 milhões, considerado um “aumento acentuado”, fazendo a taxa de desemprego subir de 5,0% em março, para 5,8% em abril.
Uma em cada três empresas na Alemanha adotou o sistema de Kurzarbeit, de redução da jornada com redução de salário e complementação de parte do governo, sem demissão, num total de 10,1 milhões de trabalhadores, o que é em torno de 25% da força de trabalho alemã.
Então, em termos das respectivas forças de trabalho, a mesma porcentagem foi afetada pela paralisação decorrente da quarentena. Com a diferença que nos EUA principalmente se demitiu, enquanto na Alemanha principalmente se buscou manter o vínculo de trabalho, subsidiando a folha.
Números que confirmam a avaliação dos economistas da Universidade da Califórnia, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, de que em “quase nenhum outro país os empregos estão sendo destruídos tão depressa” quanto nos EUA.
Eles enfatizaram que “esse dramático salto nos pedidos de seguro-desemprego é uma peculiaridade americana”. “Mundo afora os governos estão protegendo o emprego”, destacaram os dois acadêmicos.
“Os trabalhadores mantêm seus empregos, mesmo nas indústrias que estão fechadas, e o governo cobre a maior parte do salário através de pagamentos diretos aos empregadores”, destacaram. “Salários, são, em efeito, socializados durante a duração da crise”, enfatizaram.
Em suma, os europeus optaram por subsidiar o pagamento da folha de salários e proteger os empregos em paralelo à quarentena. Já Trump, que resistiu o quanto pôde ao distanciamento social, deixou o desemprego comer solto.
PEDÁGIO
A bem dizer, a modesta melhora no seguro-desemprego (+ US$ 600) e o cheque de US$ 1.200 foi quase o pedágio que Trump teve de pagar para conseguir a aprovação no Congresso do novo bailout de Wall Street que, depois de devidamente alavancado, vai a US$ 4 trilhões.
Enquanto o socorro aos trabalhadores e às pequenas empresas se arrasta, o resgate de Wall Street vai bem, obrigado, a julgar pelas novas alturas da Bolsa, com o Fed ocupado na quarentena em manter escancaradas as torneiras públicas a banqueiros e especuladores e as convocações de Trump a “libertar o Michigan” e outras paragens o quanto antes.