
“O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por erro. Mata por horror”, afirmou o célebre autor uruguaio. “Este artigo é dedicado aos meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino-americanas às quais Israel prestou assessoria”, esclareceu
O célebre escritor uruguaio fez dos seus mais de 40 livros, traduzidos para todo o mundo, um marco de luta pelos povos da América Latina, mas, sobretudo, pela Humanidade, o que torna suas palavras cada vez mais atuais. No próximo domingo, 13 de abril, completam-se 10 anos da sua partida e não há melhor maneira de homenageá-lo compartilhando a vigência de um contundente texto, publicado no Semanário Brecha, de Montevidéu, em 16 de janeiro de 2009, contra as práticas genocidas dos sionistas na Faixa de Gaza. Como esclareceu Galeano, “o exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por erro. Mata por horror”.
LWS
OPERAÇÃO CHUMBO IMPUNE
EDUARDO GALEANO
Este artigo é dedicado aos meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino-americanas às quais Israel prestou assessoria.
Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo os seus autores quer acabar com os terroristas, vai conseguir multiplicá-los. Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem autorização. Perderam a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, o seu todo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes. Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se numa ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou com limpeza as eleições de 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista venceu as eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então vivem submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.
São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com pontaria desajeitada sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à beira da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há anos, o direito à existência da Palestina.
Já sobra pouca Palestina. Passo a passo, Israel a está varrendo do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em suposta legítima defesa.
Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina, e os almoços continuam. A voragem é justificada pelos títulos de propriedade que a Bíblia concedeu, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que gera os palestinos emboscados.
Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que ridiculariza as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros. Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não teria podido bombardear impunemente o País Basco para acabar com a ETA, nem o governo britânico teria podido arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma política de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência mais poderosa que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos?
O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, a cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.
E, como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, alerta o outro bombardeio, realizado pela mídia manipuladora, que nos convida a crer que uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a crer que são humanitárias as 200 bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi quem aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A chamada comunidade internacional, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos põem quando fazem teatro?
Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial brilha uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes e as posições ambíguas prestam tributo à sagrada impunidade. Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como de costume. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.
A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada magistral. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, a sangue frio, uma conta alheia.
Tradução: Leonardo Wexell Severo