Finalmente, o público é informado de que existe um íntimo de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF).
Tão íntimo que o trata de “Jair”, ao invés de “presidente”.
Além dessa intimidade com o “Jair”, sua maior admiração é pelo ministro da Economia, Paulo Guedes:
“Você está mais liberal do que eu, [Guedes] me disse num jantar”, revelou o presidente do STF, Dias Toffoli, em entrevista ao “Valor Econômico”.
Diz o “Valor”, em uma excelente matéria e entrevista:
“Embalado pelo mantra de Guedes, Toffoli está disposto a entrar numa outra cruzada: ‘Nós temos que destravar o Brasil’. O ministro está empolgado e aguarda para os próximos dias, segundo lhe confirmou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o anúncio de um pacto republicano, entre os Três Poderes. Toffoli conta que desde o segundo turno da eleição presidencial, ainda na transição, alertou os bolsonaristas sobre a ‘quantidade de conflitos que chegam ao Supremo nas área tributária e previdenciária’, o que motivaria os presidentes do Judiciário, do Executivo e do Legislativo a se comprometerem com um pacto. ‘Estabelecer algumas prioridades para a nação’ explica Toffoli, indagado sobre detalhes deste acordo mútuo” (v. Brasileiro é Estado-dependente, diz Dias Toffoli, presidente do STF, que defende mais mercado, Valor Econômico 26/04/2019).
Segundo Toffoli, nessa entrevista ao “Valor”, o problema do brasileiro é que ele é um viciado em Estado: “O Brasil sofre de um vício de origem que está lá atrás na escravidão e na aristocracia: o Estado veio antes da sociedade”.
Portanto, segundo seu saber sociológico, a escravidão e a aristocracia não pertenciam à sociedade – ou alguém teve a ideia de fazer um Estado sem haver qualquer sociedade para dominar ou organizar.
Quem será que foi esse ocioso?
Mas é claro que esse besteirol (que nos desculpe o ministro) é apenas para introduzir sua adesão ao ideário (??) de Paulo Guedes: “Nós temos que ter mais mercado, mais sociedade e menos Estado”, disse Toffoli.
Como o verdadeiro ideário de Paulo Guedes é ganhar dinheiro – e que se dane o país -, vamos admitir que Toffoli seja, como aquele personagem de Marques Rebelo, um parvo completo, e tenha acreditado em alguma coisa do que Guedes diz.
No Brasil – e no mundo – o único jeito de ter mais sociedade é, precisamente, tendo mais Estado.
Pela simples razão de que os interesses coletivos – isto é, sociais – se condensam no Estado.
Aliás, a rigor, o aumento da intervenção estatal é, também, o único jeito de ter mais mercado – mercado de verdade, e não o domínio dos monopólios financeiros e dos picaretas estilo Guedes, notável apenas pelos golpes na praça, isto é, nos fundos de pensão das estatais.
Que o presidente do STF se envolva com semelhante gente não é um motivo de orgulho para o Direito pátrio.
Que ele chame, numa entrevista, um inimigo da democracia, como Bolsonaro, por “Jair”, também não é um motivo de glória para o STF.
Alguém se lembra do ministro Ribeiro da Costa, presidente do STF no início da ditadura, chamar Castello Branco de “Humberto”?
Todos nós sabemos, desde 1990 – portanto, há quase 30 anos – o que significa a retórica do “estado mínimo”: meramente o afundamento do país e a pilhagem do povo por alguns monopólios e aventureiros, via de regra sem a menor noção de onde se localiza o Brasil.
Mas, com Bolsonaro, Mourão e Guedes, Toffoli repete os ataques reacionários contra a Constituição de 1988 – a mesma Constituição que é função do STF defender.
Disse Toffoli que foi ele que aconselhou Guedes a “desconstitucionalizar” – ou seja, facilitar o serviço para a reação, a começar pela Previdência, de tirar os direitos do povo.
“No final de 2018 vi que tem mais de R$ 1 trilhão em disputas tributárias. Como é que um país pode ter segurança de investimentos com essa situação? E por que está no Supremo isso? Porque nossa matéria tributária está muito delimitada e delineada na Constituição. Você deixa tudo explicadinho na Constituição, isso sempre vai parar no Judiciário.”
A função do STF é dar segurança ao povo, à Nação.
Que segurança?
A segurança de que a Constituição será respeitada.
Toffoli, portanto, está propondo que essa função seja substituída por outra: dar segurança aos “investidores”, aos especuladores, aos parasitas, aos negocistas que amealham dinheiro às custas dos juros da dívida pública, do roubo de estatais – e de passar por cima da Constituição no que se refere aos tributos, impostos, taxas e contribuições.
Ou, o que é a mesma coisa para todos os efeitos práticos, Toffoli quer tirar a tributação – isto é, o financiamento do Estado e dos direitos do povo – da Constituição:
“Já falei em público. Nós temos que diminuir o texto na Constituição. Toda reforma que se faz, coloca mais texto na Constituição. Às vezes acusam o Supremo de se intrometer em todo tipo de questão. Mas é que nossa Constituição é muito extensa. Se diminuir, diminui”.
Todas às vezes em que se fala de tirar algo da Constituição, sempre e com certeza, são os direitos da população, as garantias à economia nacional ou a defesa do país, que querem fora da Carta Magna.
Alguma vez foi diferente, desde 1988?
Mas Toffoli, diz o próprio, não tem intimidade apenas com Bolsonaro e Guedes: “Além da desenvoltura nos contatos com Paulo Guedes, cita também como interlocutores os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil)”.
Há poucos meses, a 1º de outubro do ano passado, Toffoli, em palestra na Faculdade de Direito da USP, disse que o que aconteceu em 1964 não foi um golpe, mas um “movimento” (v. Juízes repudiam declarações de Toffoli sobre golpe de 1964 e Desembargadora reafirma: “chamar de movimento um golpe é tripudiar sobre a História brasileira”).
Dessa vez, ao “Valor”, Tofolli disse que foi um golpe – não explicou por que mudou de opinião -, mas que “a permanência dos militares após 1965, sem convocação de eleições, foi conveniente tanto à direita quanto à esquerda. ‘Os dois lados erraram. Ficou conveniente para todo mundo dizer que a culpa era só dos militares. Teve culpa do PIB paulista, teve culpa da esquerda’”.
Ninguém jamais disse que a culpa era dos militares em geral, muito menos que era “só dos militares”.
Mas dizer que foi conveniente para a esquerda uma ditadura de 21 anos – 10 dos quais, sob o AI-5, de ditadura baseada na tortura e no assassinato – significa um insulto, uma afronta ao povo e ao país, que empenharam alguns de seus melhores filhos na luta contra esse regime hediondo.
Além de ser, antes de tudo, mentira.
A entrevista de Toffoli ao “Valor Econômico” é reveladora do que já se sabia – mesmo assim, é algo triste constatar onde foi parar a presidência do tribunal máximo do país.
Toffoli não é um jurista. Apenas era um advogado de Lula – da mesma forma que Gilmar Mendes era um advogado de Fernando Henrique – nomeado, pelo patrono, para o STF.
Mas é de convir que, provavelmente, nem Lula nem Fernando Henrique sabiam realmente o que estavam nomeando – o que não é uma atenuante, mas uma agravante, tanto para Fernando Henrique quanto para Lula.
Dias Toffoli é responsável pela maior confusão da história do STF, com seu inquérito, perfeitamente ilegal, supostamente sobre ataques aos ministros do Supremo (v. Inquérito de Dias Toffoli fere prestígio do Supremo).
[Alguns leitores podem estranhar que, em um tribunal onde, desde 1890, aconteceram muitas confusões, consideremos esta a maior. Entretanto, todas as outras tiveram origem fora do STF, em ações do Executivo ou em ações contra medidas do Executivo.]
Mas, diz Toffoli sobre a censura ao site “O Antagonista” e à revista “Crusoé”: “Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim”.
O problema é que a proibição da matéria da “Crusoé” censurava uma verdade, não uma mentira: que Toffoli foi chamado, nos subterrâneos da Odebrecht, de “amigo do amigo de meu pai”.
“Amigo de meu pai” era o codinome de Lula.
A propósito, Toffoli não esclareceu o que estava negociando com Adriano Maia, diretor jurídico da Odebrecht, como aparece no e-mail de 13 de julho de 2007, enviado por Marcelo Odebrecht (v. Fachin pede explicações sobre inquérito das “fake news” do STF).
CARLOS LOPES