Em entrevista coletiva, ocorrida na quarta-feira (01), o ex-presidente Lula (PT) comentou a reportagem da Intercept Brasil, dando conta de que Sérgio Moro teria agido contra a Petrobrás e em conluio com a agente americana Leslie R. Backschies, designada pelo FBI, para, segundo o site, usar a Lava Jato como biombo para avançar sobre o Pré-Sal brasileiro.
“O objetivo era a Petrobras. Era o Pré-Sal. E as empresas brasileiras que estavam ganhando licitações das empresas dos EUA no Oriente Médio. Um dia essa história vai ser contada em toda sua verdade”, pontuou Lula.
Tanto a reportagem quanto o comentário de Lula apontam no sentido de que o juiz Sérgio Moro, então responsável pelos processos da Operação Lava Jato em Curitiba, estaria mancomunado com o FBI para entregar o Pré-Sal brasileiro para as multinacionais. “Um dia a história vai ser contada”, garantiu Lula.
Se a tal agente do FBI estava mesmo, em 2014, com este intento, ela certamente já devia ter recebido uma condecoração na Casa Branca por serviços prestados, porque, um ano antes, no dia 21 de outubro de 2013, a então presidente Dilma Rousseff (PT) escancarava o Pré-Sal e leiloava o campo de Libra, o maior da região ao capital estrangeiro. A Shell e a Total ficaram com 40% do gigantesco campo.
Certamente não foi a atuação da “agente secreta Leslie” junto a Moro que levou a presidenta Dilma a decidir pela entrega de 40% do Campo de Libra, que tinha uma capacidade estimada de 8 a 12 bilhões de barris de reservas, aos integrantes do cartel mundial do petróleo.
Seis meses antes, em 31 de maio de 2013, Joe Biden, então vice-presidente dos Estados Unidos, esteve no Brasil para uma visitinha à presidenta Dilma Rousseff em Brasília.
O objetivo da reunião não foi segredo. Ele foi divulgado pelo próprio Biden: discutir a ampliação dos investimentos dos EUA no Pré-Sal brasileiro.
Biden havia declarado, no Rio de Janeiro, dois dias antes da reunião, que os EUA tinham grande interesse de investir na exploração de petróleo na camada do Pré-Sal.
Além disso, as nomeações dos réus confessos Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró para as diretorias da Petrobrás, assim como a de Antônio Palocci e Geddel para ministros do governo, que se saiba, não foram decisões que passaram por Curitiba ou pela representante de Washington.
Aparentemente não passaram, mas que elas causaram um grande estrago na Petrobrás e em outros cofres públicos do país, as devoluções bilionárias de propina que o digam. Essas nomeações, e outras, falaram por si mesmas.
Por isso, parece um certo exagero – ou quem sabe um certo oportunismo politico – de alguns setores petistas imputarem o avanço das multinacionais sobre o Pré-Sal ao ex-ministro Moro, agora desafeto de Bolsonaro.
Assim como foi também uma certa forçação de barra dizer que os tucanos e o senador Cid Gomes (PDT) queriam privatizar a água com a aprovação do novo marco regulatório do saneamento. Não estava em jogo a privatização da água. Mais de 100 municípios e alguns estados já têm empresas privadas atuando no saneamento há mais de duas décadas.
Soa também no mínimo estranho alardear, como fizeram alguns sites petistas, que Moro teria aberto as portas da Polícia Federal ao FBI. Afinal, não é a primeira vez que a Polícia Federal pede ajuda ao FBI em suas investigações.
Em 2003, já no governo Lula, quando a PF investigava a evasão de divisas e lavagem de dinheiro através da agência do Banestado em Nova York, a PF solicitou ajuda à polícia federal americana. Pelo banco passaram cerca de US$ 30 bilhões, a maioria de origem ilícita, segundo a PF.
O governo da época, por muitas vezes foi alertado para os perigos de uma cooperação tão intensa com a polícia americana. Mas, nessa época, Lula chamava o presidente dos EUA de “companheiro Bush” e não via problema nenhum nesta cooperação.
Posteriormente, na realização dos megaeventos no Brasil – Jogos Pan Americanos, Copa do Mundo e Olimpíadas – o FBI voltou a atuar ativamente no país em parceria com a Polícia Federal. Voltados a esse fim, policiais de Los Angeles, Chicago, do FBI, e de empresas privadas de segurança, organizaram seminários e treinamentos direcionados à Polícia Federal.
Nesse contexto, e por pressão dos Estados Unidos, também foi viabilizada a aprovação da Lei Antiterrorismo no Brasil (Lei nº 13.260/16), de 16 de março de 2016, de iniciativa do governo Dilma. Nada disso foi interpretado, como fazem agora os petistas, como um grande conluio da presidenta com o imperialismo. Apesar da convicção de alguns sobre se isso realmente não teria ocorrido.
A presença ostensiva dos agentes do FBI no Brasil também foi revelada em 2004, quando o ex-diretor do FBI no Brasil, Carlos Costa, deu uma extensa entrevista ao jornalista Bob Fernandes na revista Carta Capital. Em depoimento ao MPF na época, ele afirmou que o FBI direcionava e financiava operações da PF, o que estabelecia uma relação de “subordinação às autoridades norte-americanas.”
Policiais Federais do Brasil “sentem-se inferiorizados e desmoralizados devido à dependência de verbas” do governo dos Estados Unidos. A afirmação é de 2004 e foi feita por Carlos Alberto Costa, que chefiou o FBI no Brasil. Ele prestou depoimento na época para o procurador Luiz Francisco de Souza Fernandes. (Leia a íntegra do depoimento aqui)
As duas questões, a suposta “privatização da água”, muito bem destrinchada aqui no HP como sendo uma farsa, por Carlos Lopes, no artigo “O saneamento básico do PT”, e a ridícula fábula da “rendição” de Moro ao FBI para entregar o Pré-Sal, não passam de subterfúgios criados por setores políticos que combatem a criação da ampla frente democrática para derrotar Bolsonaro.
O fato é que, quanto mais se aproxima o momento em que os brasileiros, juntos, vão superar o desastre representado pelo proto fascismo que é Bolsonaro e sua turma, mais resistem aqueles que colocam os seus interesses particularistas, personalistas e outros, na frente dos interesses da nação.
Em 1985, quando setores que haviam participado do regime autoritário, que durara 21 anos, deixavam o governo e se somavam à oposição democrática, era motivo de festa para a frente – ou o “carro alegre cheio de gente contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue…” – que se formava em torno de Tancredo, e também para a grande maioria dos democratas brasileiros.
Mas, era também motivo de desespero para os setores que, na época, também combatiam a frente democrática e, inconscientes ou não, ajudavam a ditadura.
Sérgio Moro deixar o governo e denunciar Bolsonaro, é motivo de comemoração para os democratas. Principalmente para aqueles que sabem que para derrotar Bolsonaro, devem buscar integrar, não só Moro, mas muitos outros setores, na frente democrática contra o fascismo.
Como em 1985, não vão faltar “denúncias histriônicas” fabricadas contra os novos e potenciais integrantes da frente democrática. Tanto “denúncias” feitas pelas milícias bolsonaristas quanto pelos setores que sé enxergam o seu umbigo são armadilhas para impedir o avanço do povo.
As fábulas contra aliados e potenciais aliados, por mais que façam barulho, não têm e não terão, é bom que se saiba, outro objetivo a não ser impedir o a consolidação da frente ampla e a derrota do fascismo.
SÉRGIO CRUZ