A proposta de Toffoli para tirar Moro do páreo é vista com grande simpatia por Bolsonaro que, desde que foi denunciado pelo ex-ministro, o elegeu como inimigo de seu governo
O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu na quarta-feira (29) que o Congresso Nacional aprove um prazo de oito anos para que juízes e membros do Ministério Público possam se candidatar a cargos políticos.
A proposta foi feita na sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando era discutido o caso de um juiz do Maranhão que foi proibido de participar de lives político-partidárias, por causa de sua função de magistrado.
A medida tem um caráter claramente casuístico e é visto com grande simpatia pelo Planalto para inviabilizar uma possível candidatura de Sérgio Moro ao Palácio do Planalto.
“Esse caso é paradigmático. Porque a imprensa começa a incensar determinado magistrado e ele já se vê candidato a presidente da República, sem nem conhecer o Brasil, sem nem conhecer seu estado, sem nem ter ideia do que é a vida pública”, afirmou Toffoli.
“A respeitabilidade do Poder Judiciário se faz pela sua imparcialidade, não só pela imparcialidade presente, é na perspectiva do futuro”, acrescentou.
“Não se pode fazer demagogia com a vida alheia”, completou o presidente do Supremo, que em algumas outras ocasiões tomou medidas também bastante polêmicas em benefício de Bolsonaro, como foi, por exemplo, a suspensão por seis meses das investigações de seu filho Flávio.
Este novo casuísmo de Toffoli parece feito sob medida para agradar alguns pretendentes ao cargo de presidente, principalmente o mais declarado deles: Jair Messias Bolsonaro. Afinal, a guerra do presidente contra o ex-ministro Sérgio Moro, que saiu do governo denunciando vários crimes cometidos pelo “mito” e seu séquito de fanáticos, entre eles tentar aparelhar a Polícia Federal, é pública e notória.
A cassação dos direitos políticos de magistrados por oito anos, como foi chamada a proposta pelas entidades representativas da categoria, tem um endereço certo: impedir uma possível candidatura de Moro em 2022.
Agrade ou não a alguns setores políticos do governo e da oposição, o fato é que o ex-juiz Sérgio Moro rompeu com Bolsonaro e é hoje um desafeto do presidente. É sabido por todos que ele não estava na oposição a Bolsonaro. Ao contrário, assim como uma parte da sociedade, Moro se iludiu com o discurso bolsonarista e chegou até a participar do governo.
Mas, assim como o general Alberto Santos Cruz, também ex-ministro de Bolsonaro, e outros, Moro percebeu que este governo é uma grande farsa e saiu atirando. Hoje ele diz com todas as letras que foi enganado e usado por Bolsonaro.
As denúncias feitas pelo ex-juiz são atualmente investigadas pelo Supremo Tribunal Federal e propiciaram ao país conhecer as entranhas apodrecidas do bolsonarismo.
Depois que deixou o governo, logo em seguida à fatídica reunião ministerial de 22 de abril, Moro não tem escondido que pretende disputar um cargo político nas próximas eleições.
E Bolsonaro também não esconde de ninguém que entre seus planos eleitorais, que aliás tomam praticamente todo o seu tempo, inclusive impedindo-o de governar, como bem lembrou recentemente o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), está o ataque a qualquer pré-candidatura, seja de que partido for, que quebre a atual polarização existente no país e que o favorece eleitoralmente.
Por isso a milícia bolsonarista não deixa em paz figuras como Flavio Dino, Ciro Gomes, Moro e João Dória.
Há até uma inusitada discussão sobre a retroatividade da lei que por ventura fosse aprovada neste sentido. Os projetos que tramitam no Legislativo, com exceção do projeto do deputado Fábio Trad (PSD-MS), não esclarecem se magistrados que já deixaram suas carreiras poderiam ou não concorrer no período de quarentena.
Ou seja, está em aberto se um ex-juiz ou ex-procurador poderá disputar eleições no país pelos próximos oito anos, mesmo aqueles que deixaram a magistratura antes da nova lei. Não há dúvida que, neste caso, o alvo do casuísmo é Moro. A senadora Simone Tebet (MDB) percebeu e argumentou que seria um absurdo completo criar uma lei como esta com efeito retroativo.
Atualmente, a Lei de Inelegibilidades prevê prazos de até seis meses para que juízes e promotores deixem o cargo para se candidatar, dependendo do cargo. O prazo de oito anos só é aplicado se houve aposentadoria compulsória ou para os que tenham perdido o cargo por processo disciplinar. Dias Toffoli defende a exigência de oito anos em todos os casos.
O deputado Rodrigo Maia declarou apoio à proposta, enquanto a Presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Renata Gil, discordou frontalmente da fala de Toffoli sobre quarentena proibitiva para juiz virar candidato.
“Já existem prazos estabelecidos para que juízes e promotores deixem cargos públicos para se candidatar. Portanto, a AMB é contrária a qualquer ato que vise ampliar o tempo de inelegibilidade eleitoral para membros do Poder Judiciário após afastamento definitivo da função pública. Projetos com esse teor ferem o princípio da isonomia e violam os direitos políticos dos membros do Poder Judiciário. Uma afronta desproporcional ao direito fundamental dos magistrados ao exercício da cidadania”, disse ela.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), juiz Eduardo André Brandão, afirmou que “o prazo de oito anos defendido por Toffoli parece exagerado.”
“Lembrando que hoje já existe uma quarentena de três anos para o juiz que deixa o cargo, aposentado ou exonerado, para atuar nos tribunais de origem”, afirmou Brandão, mencionando o período em que um magistrado não pode atuar como advogado perante o tribunal que trabalhou.
“A Ajufe entende que tem que se buscar um equilíbrio entre o que existe hoje e essa proposta feita para inelegibilidade dos magistrados”, afirmou o presidente da entidade.
SÉRGIO CRUZ