Durante a entrevista, promovida pela GloboNews no último domingo, com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Guilherme Boulos (Psol) e o deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), foi afirmado – por Hoffmann e Boulos – que a atual política de preços dos combustíveis da Petrobrás, de alinhamento aos preços internacionais, foi estabelecida no governo Temer, pelo então presidente da estatal, Pedro Parente.
Infelizmente, não é verdade. Aliás, essa é uma questão muito bem documentada – inclusive por nós (v. os artigos que citamos ao final deste e as menções no texto abaixo).
O alinhamento aos preços internacionais foi a política de Aldemir Bendine, presidente da Petrobrás durante o segundo governo Dilma, mais especificamente, de fevereiro de 2015 a maio de 2016.
Todos os participantes da entrevista na GloboNews se disseram a favor da mais ampla frente possível contra Bolsonaro e o fascismo. A presidente do PT chegou a especificar, inclusive, que estava falando de frente com partidos de centro e centro-direita.
Não vamos, aqui, examinar o modo particular pelo qual ela vê essa frente, mais ou menos como se os partidos de centro e de centro-direita tivessem que aderir a um núcleo pré-formatado que ela chama “esquerda”.
Essa é uma questão de luta política, que depende mais da vida que da opinião – ou dos preconceitos – de cada um, podendo ser modificada ou corrigida de acordo com a realidade (ou não, com as inevitáveis, e desagradáveis, consequências).
Diferente é a questão da política de preços da Petrobrás, o alinhamento aos preços internacionais, que, segundo Boulos e Hoffmann, foi criação de Parente e Temer.
Dilma, portanto, nada teria a ver com isso.
Pois não é possível o estabelecimento de uma frente efetivamente democrática e ampla contra Bolsonaro e o fascismo com base em narrativas – ou seja, em algo que não corresponda à verdade, em algo que é um falseamento do passado e da realidade.
Todos os setores da frente têm o direito – e, mais que o direito, a obrigação – de defender o seu legado.
Desde que este seja verdadeiro.
Não se pode é fabricar um legado ou apagar alguns itens desse legado – até porque, que garantia o país terá de que aquilo que hoje é falado contra Bolsonaro será cumprido quando esse elemento desaparecer da cena política?
BREVE RECAPITULAÇÃO
A política de alinhamento internacional de preços, na Petrobrás, foi iniciada por Aldemir Bendine, nomeado para a direção da empresa pela presidenta Dilma Rousseff no início de 2015, onde ficou até o afastamento dela, em maio de 2016.
Vejamos alguns números:
O aumento do óleo diesel, entre o fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff e sua destituição da Presidência, com a aceitação do processo de impeachment, foi de 28%.
O aumento da gasolina, no mesmo período, foi de 21%.
Porém, o que espanta, aqui, não é o fato desse aumento ser bem superior à inflação do mesmo período.
Mais importante do que isso, foi a disparada em relação ao preço internacional.
Uma disparada que começou no último trimestre de 2014, ainda na gestão de Maria das Graças Foster na presidência da Petrobrás.
Desde outubro de 2014, o preço interno da gasolina aumentou mais que o preço internacional. Em março de 2015, o preço dentro do Brasil já estava 62% acima do preço internacional (cf. ANP, “Boletim Anual de Preços 2016: preços do petróleo, gás natural e combustíveis nos mercados nacional e internacional”, Rio, 2016, p. 78).
Quanto ao diesel, basta a seguinte citação da mesma edição do Boletim da Agência Nacional do Petróleo (p. 79):
“Durante todo o ano de 2015, os preços domésticos do diesel estiveram em patamar superior ao dos preços internacionais. Em janeiro, o preço médio do combustível no mercado nacional foi 56% superior ao do seu congênere de referência.”
Como observamos na época:
“Em 3 de julho de 2017, Parente e Temer oficializaram essa política – mas ela vinha de antes” (v. HP 29/05/2018, Extorsão nos preços do diesel começou com Dilma e o PT).
Não há dúvida que Temer e Parente pioraram a situação, ao transformar a política de atrelamento ao preço internacional – na verdade, de reajustes acima dos internacionais – em política oficial na Petrobrás.
Mas a essência da política anterior era a mesma, ainda que realizada sem um documento oficial – coisa que Parente confeccionou em 2017.
Qual era essa essência?
O alinhamento de preços internos com os preços internacionais. Na verdade, na tentativa de fazer esse alinhamento, os preços internos superaram os preços internacionais.
PRIMEIRO MANDATO
O leitor que, hoje, olha esses números, ou lê os artigos da época, que mencionamos aqui, pode ser tomado pela sensação de que os promotores dessa política de alinhamento aos preços internacionais, da gestão Bendine, estavam tomados por um certo desespero.
Lembramos que essa foi a época em que a economia foi entregue a Joaquim Levy, um chicago-boy dos mais tacanhos, saído do FMI (e da banca privada, além de secretário da Fazenda de Sérgio Cabral e secretário do Tesouro de Antonio Palocci).
Levy promoveu uma tremenda recessão no país, isso que alguns chamam de “ajuste fiscal”.
Portanto, não é estranho que o leitor tenha percebido algum desespero na política daquela época.
Mas, em relação à Petrobrás, que problema se procurava corrigir com o alinhamento aos preços internacionais?
Pois havia, além do interesse em contemplar acionistas privados – via de regra, estrangeiros – um problema real na política de preços da empresa.
Esse problema era a repressão dos preços internos dos combustíveis, no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, que causou um rombo de R$ 98 bilhões, para a Petrobrás, na importação e venda de combustíveis (cf. E.L. Fagundes de Almeida, P. Vargas de Oliveira e L. Losekann, “Impactos da contenção dos preços de combustíveis no Brasil e opções de mecanismos de precificação”, Revista de Economia Política, vol. 35, nº 3 (140), pp. 531-556 julho-setembro/2015).
“Entre 2011 e 2014, em nome de um suposto combate à inflação, a Petrobrás foi obrigada (…) a comprar diesel e gasolina no exterior (basicamente, nos EUA) e vender esses produtos para as multinacionais petroleiras, aqui no Brasil, a um preço menor do que aquele que pagava para adquiri-los.
(…)
“Dito de outra forma: a Petrobrás foi obrigada a gastar R$ 98 bilhões, subsidiando multinacionais, aumentando a margem de lucro desses monopólios privados estrangeiros, com a importação e venda de derivados de petróleo” (v. HP 29/05/2018, art. cit.).
Como denunciou, então, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), a política do governo Rousseff, em seu primeiro mandato, foi a de “subsidiar os combustíveis repassados às demais distribuidoras como Shell, Esso, Repsol, Ultra” (v. HP 12/03/2014, Aepet condena subsídio para multinacionais na importação de gasolina às custas da Petrobrás).
Depois disso, inverteu-se a política – exatamente no sentido de alinhar os preços internos aos preços internacionais (para um levantamento dessa política, no que se refere ao óleo diesel, inclusive com gráficos comparativos aos preços internacionais, v. HP 03/06/2018, Política de aumento permanente do diesel começou mesmo com o PT).
Trata-se de um assunto, como dissemos, absolutamente documentado. Apesar disso, houve a tentativa de atribuí-lo somente a Pedro Parente e seu patrono, Michel Temer, que, estamos de acordo, estão entre o que há de pior neste país – com exceção, apenas, nos dias de hoje, de Bolsonaro.
Temos, desde o primeiro momento do atual governo, propugnado por uma ampla frente de todos os setores democráticos da sociedade brasileira.
É evidente que o PT, no que depender de nós, faz parte dessa frente – e só não fará, se não quiser.
Mas uma frente contra um presidente e um governo que são uma conserva em molho de mentiras, não pode ser formada – nem esse presidente e governo podem ser combatidos – com falsidades, com narrativas, com fakenews, com mentiras em geral.
Nem o relacionamento entre os vários setores da frente pode ser baseado em coisas que não são verdadeiras.
Que autoridade – política ou moral – diante do povo nos restará, se assim for?
Ou que confiança entre nós haverá, se a verdade não prevalecer?
CARLOS LOPES
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