Indigenista da Funai e jornalista inglês que apoiavam a proteção da reserva indígena do Vale do Javari foram esquartejados, queimados e enterrados numa área do interior da mata
A Polícia Federal confirmou em entrevista coletiva na noite desta quarta-feira (15) que encontrou novos fragmentos que seriam dos corpos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, correspondente do jornal The Guardian, região do Rio Javari (AM).
“Os corpos foram 3,1 quilômetros mata adentro, um local de dificílimo acesso. Para você ingressar com embarcação ela deve ser muito pequena. Sem contato telefônico, um agente teve de deixar o local para me informar que foram encontrados remanescentes humanos”, disse o delegado Eduardo Alexandre Fontes, superintendente regional da PF.
A identificação dos corpos será feita a partir de quinta-feira (16), em Brasília. De acordo com Fontes, novas prisões podem ocorrer a qualquer instante.
Segundo a Polícia Federal, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, também conhecido como “Pelado”, confessou que matou e enterrou os corpos de Dom e Bruno. Ele foi preso em flagrante no dia 7 por porte de munição de uso restrito. Ainda segundo Fontes, com a ajuda do próprio Amarildo, as forças de segurança do Amazonas encontraram restos humanos enterrados em uma região remota, mais de 3 quilômetros mata adentro.
Ainda segundo as autoridades, a lancha da dupla foi afundada pelos criminosos. A embarcação ainda não foi retirada do rio, mas a PF diz já saber sua localização. Segundo a polícia, uma testemunha chave afirmou ter visto Pelado carregar uma espingarda e fazer um cinto de munições pouco depois que Pereira e Phillips deixarem a comunidade de São Rafael com destino à Atalaia do Norte, na manhã do último domingo, data em que foram vistos pela última vez.
A polícia não descarta a possibilidade de outras pessoas estarem envolvidas no crime. Além de Amarildo, o irmão dele, Oseney da Costa de Oliveira, está preso, e, segundo a PF, há um terceiro investigado. O superintendente também informou que a PF trabalha com várias linhas de investigação sobre as motivações do crime.
“Embora ainda estejamos aguardando as confirmações definitivas, este desfecho trágico põe um fim à angústia de não saber o paradeiro de Dom e Bruno. Agora podemos levá-los para casa e nos despedir com amor”, afirmou Alessandra Sampaio, esposa de Dom Phillips, logo após a declaração da PF.
Durante a coletiva, representantes da Polícia Federal afirmaram também que mais prisões podem acontecer nos próximos dias.
“A investigação ainda está em andamento, em caráter sigiloso. Nós ainda estamos na parte investigativa, realizando diligências e novas prisões devem acontecer a qualquer instante. Nós estamos avançando bastante”, disse o delegado da PF.
LAVAGEM DE DINHEIRO
A PF também investiga se um esquema de lavagem de dinheiro para o narcotráfico por meio da venda de peixes e animais pode estar relacionado ao desaparecimento de Dom e Bruno. Apreensões de peixes que seriam usados no esquema foram feitas recentemente por Pereira, que acompanhava indígenas da Equipe de Vigilância da União dos Povos Indígenas do Javari (Unijava). As embarcações levavam toneladas de pirarucus, peixe mais valioso no mercado local e exportado para vários países, e de tracajás, espécie de tartaruga considerada uma especiaria e oferecida em restaurante sofisticados dentro e fora do país.
A ação de Pereira contrariou o interesse do narcotraficante Rubens Villar Coelho, conhecido como “Colômbia”, que tem dupla nacionalidade brasileira e peruana. Ele usa a venda dos animais para lavar o dinheiro da droga produzida no Peru e na Colômbia, que fazem fronteira com a região do Vale do Javari, vendida a facções criminosas no Brasil. Há suspeita de que ele teria ordenado a Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, a colocar a “cabeça de Bruno a leilão”.
RELATÓRIO AO STF
Um relatório da Polícia Federal (PF) enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira (14) demonstra o andamento das investigações do desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.
A pedido do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, a PF fez um relatório sobre o andamento das investigações. As informações são da TV Globo.
“Amarildo da Costa Oliveira, o ‘Pelado’ foi indicado por populares como possível responsável pelo desaparecimento de Bruno e Dominic, tendo em vista que, recentemente, teria ameaçado a ambos”, diz o texto do relatório.
A PF também ouviu Eliésio da Silva Vargas, o Eliésio Marubo, liderança indígena. Ele afirmou que Bruno Pereira enviou a ele uma mensagem de texto em 31 de maio, alertando que corria risco de vida porque uma reunião marcada para o último dia 5 poderia “dar algum problema”.
A PF relatou ao Supremo que ouviu mais uma testemunha que estava na cena do desaparecimento, cuja identidade foi protegida. “A testemunha narrou à equipe da Polícia Federal que momentos depois de ter visto as embarcações de Bruno e ‘Pelado’, encontrou ‘Dos Santos’ remando uma pequena embarcação de madeira no meio do rio. ‘Dos Santos’ solicitou ajuda para ser rebocado até mais à frente e ele o ajudou a chegar ao barco de ‘Pelado’, que estava parado no meio do rio, com apenas um tripulante”, diz o relatório.
No depoimento, a testemunha disse ainda que a lancha de “Pelado” estava parada contra a correnteza do rio e de motor ligado, numa posição típica de quem espera outra embarcação chegar. De acordo com o documento da PF, quando “Dos Santos” foi em direção a “Pelado”, a testemunha percebeu que ele “portava uma espingarda calibre 16 e uma cartucheira na cintura” e que “a espingarda estava armazenada dentro da canoa de modo visível”.
“Dos Santos” como Oseney da Costa de Oliveira, preso temporariamente na terça-feira, e concluiu que “esse depoimento coloca “Pelado” e “Dos Santos” no lugar do suposto desaparecimento.
A testemunha, cuja identidade foi mantida sob sigilo, também relatou à PF que ouviu Bruno Pereira dizer que estava sendo ameaçado por pessoas que não aceitavam as atividades de combate às ilegalidades recorrentes contra indígenas da região.
Ainda segundo essa testemunha, entre as ameaças recebidas por Pereira, algumas foram proferidas por “Pelado”, que já “teria efetuado disparos de arma de fogo contra a base local da Funai e, recentemente, ameaçado os ‘vigilantes’ da região ostentando uma arma de fogo do tipo espingarda”.
LOBBY DO CRIME
A região da TI Vale do Javari também é alvo de invasões de garimpeiros e madeireiros ilegais. A última operação em que Bruno atuou como servidor da Funai, em 13 de setembro de 2019, resultou em perdas consideráveis ao garimpo ilegal. Porém, 15 dias depois, ele foi demitido do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato.
Reportagem do UOL nesta quarta-feira (15) mostra que, desde então, o órgão não fez nenhuma grande ação na região ameaçada por invasores. Três dias depois da operação Korubo, como foi oficialmente chamada, representantes do garimpo foram recebidos pelo então ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Outros integrantes do governo de Jair Bolsonaro (PL) também estavam presentes na reunião. Houve ainda um segundo encontro, em novembro, que contou também com a presença do então ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.
Ainda na terça, o delegado da PF Alexandre Saraiva denunciou o envolvimento de políticos bolsonaristas com o que chamou de “Bancada do Crime na Amazônia”.
Entre os citados, estão os senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Telmário Mota (Pros-RR), além da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). O policial prestou serviços por mais de uma década em investigações na floresta. Um dossiê do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e da Associação Indigenistas Associados (INA) também revela que Funai foi transformada em um órgão de políticas anti-indigenistas sob o governo Bolsonaro.
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