O apagão que deixou mais de 750 mil pessoas sem energia elétrica no Amapá desde o dia 3 de novembro ainda não tem previsão de ser solucionado. A falta de energia causou uma grande crise no fornecimento de água potável e nos serviços de comunicação no estado.
Desde sábado, os amapaenses enfrentam um rigoroso rodízio no fornecimento de energia. A multinacional espanhola Isolux, responsável pelos transformadores, não mantinha qualquer plano de emergência e foi necessária a intervenção dos trabalhadores da estatal Eletrobrás para a reativação de um dos geradores danificados.
Catorze dos 16 municípios do estado ficaram sem luz. Este é mais um exemplo de que a gestão privada em setores essenciais e de interesse público vital não funciona.
Um incêndio causado por um raio desencadeou o apagão no Amapá. Esse fenômeno natural aconteceu numa subestação entregue ao setor privado e atingiu um transformador. Os dois equipamentos de reserva, que deveriam garantir o fornecimento, estavam quebrados e um deles também foi atingido pelo incêndio.
SOCORRO
De acordo com o diretor do Sindicato dos Urbanitários do Maranhão (STIU/MA), Wellington Diniz, a empresa espanhola não tem capacidade técnica, nem trabalhadores em números suficientes para manutenção, nem recompor a energia em pouco espaço de tempo, por isso os técnicos da Eletrobrás foram chamados para prestar socorro.
O engenheiro Ikaro Chaves, funcionário da Eletronorte – uma das subsidiárias da Eletrobrás, explicou onde estão as falhas da multinacional que levou ao apagão. “É muito provável que tenha havido negligência por parte da empresa. Esses equipamentos não deveriam ter falhado. E se eles tivessem falhado, deveriam ter redundância. E mesmo se a redundância tivesse falhado também, seria necessário ter equipamento sobressalente para que elas voltassem rapidamente ao funcionamento, o que não aconteceu”, enfatizou o engenheiro.
De acordo com o Coletivo Nacional dos Eletricitários, o Amapá é alvo de intensas descargas atmosféricas, apontadas como a provável causa do incêndio no transformador, mas observa que o segundo transformador estava em manutenção e o terceiro apresentou vazamento.
“Não podemos fazer acusações levianas, precisamos de apuração, mas podemos tirar lições desse problema do Amapá. Aparentemente, há problemas. Primeiro, por que o sistema de proteção contra descargas atmosféricas (raios) não foi capaz de proteger o transformador? É preciso ter o famoso para-raio. O que estava instalado lá não funcionou. É possível ter havido erro de projeto ou de manutenção. Segundo, por que houve danos em dois transformadores? Deve ser erro de projeto também”, analisa o engenheiro da Eletronorte.
Para resolver o problema, a Eletronorte, que não tem nenhuma responsabilidade pelo fato, emprestou outro transformador de propriedade dela para garantir o fornecimento de energia para o Amapá. O equipamento, no entanto, terá de ser removido do Estado de Roraima numa operação que irá demorar algum tempo, pois o transformador pesa cerca de 100 toneladas e precisará ser levado de barco, o que dificulta ainda mais a logística operacional.
A empresa responsável pela transmissão de energia em 13 municípios do Amapá é a espanhola Isolux, que carrega um histórico de serviços mal prestados em vários países.
Em 2012, durante o governo Dilma Rousseff, a Isolux assumiu a concessão do trecho amapaense do “Linhão de Tucuruí” que vem da usina de Tucuruí, no Pará, interligando os estados de Amapá e Amazonas ao SIN (Sistema Interligado Nacional).
Segundo o presidente do Sindicato dos Urbanitários do Amapá (STIU-AP), Jedilson Santa Bárbara de Oliveira, a empresa possui apenas 110 funcionários no estado.
Em 2014, a Isolux já deu um prejuízo de US$ 476 milhões ao estado de Indiana, nos Estados Unidos, onde também prestava esse tipo de serviços.
No Brasil, desde 2015, ela está em processo de recuperação judicial. Segundo reportagem da Época Negócios, “dona de uma série de obras de linhas de transmissão de energia com atraso de mais de um ano e mergulhada em um processo de recuperação extrajudicial, a companhia espanhola Isolux tenta fechar a venda de seus ativos no Brasil com uma grande companhia de infraestrutura da Espanha, o Grupo Ferrovial”.
JUSTIÇA
Por decisão do juiz federal João Bosco Soares da Silva, numa ação popular movida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a Isolux tem até esta terça-feira para solucionar por completo o problema da falta de energia elétrica no estado, sob pena de multa de R$ 15 milhões.
Segundo a decisão judicial, chama atenção o fato de a reparação dos danos estar sendo custeado pela Eletrobrás, sem que haja qualquer ônus para a Isolux. “Assim o Estado brasileiro conduz a todos como gado, à mercê da indevida apropriação do aparelho estatal por grupos econômicos e políticos umbilicalmente unidos, sequiosos de imoral enriquecimento ilícito, sem nenhuma responsabilidade com o futuro do país, que segue a esmo, sem planejamento estratégico algum, refém do atraso, do subdesenvolvimento e da má gestão de negócios do erário”, ressalta o magistrado.
Enquanto isso…
Os amapaenses sofrem com mais de sete dias sem energia elétrica contínua.
Filas nos supermercados são imensas, o que já vem causando alguns desentendimentos para comprar água, que está sendo racionada. Há estabelecimentos que vendem apenas dois galões de cinco litros por pessoa, contou Jedilson Oliveira.
As padarias também estão limitando a venda de pães a dez unidades por família. Nos postos de combustíveis as filas quilométricas são formadas por 60 a 50 veículos. Há muitos postos fechados porque não há condições de retirar o produto dos poços.
“O calor é insuportável, especialmente para os mais idosos e crianças, que têm de deixar suas portas e janelas abertas para entrar algum vento, mesmo com medo de assaltos ou algum tipo de violência que possam ser cometidos em função das ruas vazias e a escuridão. A temperatura na capital amapaense é em média 35 graus, mas a sensação térmica chega a 40 graus”, disse urbanitário.
Com o calor e a necessidade de manter alimentos refrigerados, uma barra de gelo chega a ser vendida por R$ 50 no estado. A comunicação também é precária. As linhas de celulares das operadoras de telefonia (também privatizadas) Vivo e Oi não funcionam. A Claro é a única operadora que às vezes se consegue algum sinal
Toda a energia que chega é direcionada apenas a hospitais e serviços essenciais.
“Toda essa situação poderia ser evitada se a empresa que ganhou a concessão da linha de transmissão contratasse profissionais com qualificação, mas ela só se interessa em pagar baixos salários, colocando a população em risco”, afirmou Jedilson Oliveira.
Privatização da Eletrobrás
O apagão pode ter encerrado de vez a vontade do governo Bolsonaro de privatizar a Eletrobrás, segundo aliados do presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Ele já afirmou que: “se for comprovada a negligência da empresa Isolux, que a concessão seja imediatamente cassada e que a Eletronorte assuma o comando da subestação no Amapá”.
Não só Alcolumbre está contra a privatização da Eletrobrás, “Ministro, a vida do povo amapaense está longe de voltar ao normal. Muito pela incompetência do próprio Ministério de Minas e Energia. Que solução vocês vão apresentar para a retomada integral da energia no Amapá? Quantos dias mais nossa população terá que esperar resolução por parte do governo?”, indagou o senador Randolfe Rodrigues.
Opresidente do Sindicato dos Urbanitários relembra ainda que os trabalhadores da Eletrobrás, que estão atuando para restabelecer a energia no Amapá, estão sendo coagidos a pedir demissão pelo governo Bolsonaro.
Jedilson denuncia ainda que a estatal que, mais uma vez, comprova a eficiência de seu corpo técnico, está nos planos de privatização deste desgoverno.
“Oito técnicos da Eletrobrás de outros estados que estão ajudando nos reparos são considerados dispensáveis pela empresa por terem muito tempo de casa e estão prestes a se aposentar. A empresa quer incentivar a demissão de trabalhadores experientes por meio de PDVs, mas na hora que mais precisa, são eles que são chamados. As mil demissões que a Eletrobrás quer fazer são para baratear os custos para privatizar e entregar ao capital internacional mais uma empresa brasileira superavitária. A Eletrobrás teve um lucro no último ano de R$ 20 bilhões”, denuncia Jedilson.
De acordo com o diretor do Sindicato dos Urbanitários do Maranhão (STIU/MA), Wellington Diniz, “o que acontece no Amapá pode acontecer em outros lugares. Bolsonaro e ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque vêm dizendo que a Eletrobrás não tem capacidade de investimento, e apostam na privatização, só que na hora em que acontece um acidente como este são os técnicos da Eletrobrás que são convocados para prestarem socorro à empresa internacional porque ela não tem capacidade para resolver o problema”, alerta Wellington, que também é funcionário da Eletronorte, do holding Eletrobrás.
O Coletivo Nacional dos Eletricitários afirmou por meio de nota que “Embora o setor elétrico esteja sujeito a intempéries climáticas, o que ocorre no Amapá só demonstra o equívoco de privatizar a Eletrobrás e suas empresas, que no Estado é representado pela Eletronorte”.
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