Gonzalo Gomez, co-fundador do portal Aporrea, membro da Coordenação Nacional da Marea Socialista e da Plataforma para a Auditoria Pública e Cidadã, em entrevistas ao portal Anticapitalistas en Red, publicada no dia 23, e cujos trechos principais reproduzimos a seguir, denuncia a ingerência de Washington na tentativa de colocar um serviçal no lugar de Maduro, quando o que o país necessita é livrar-se de ambas políticas.
AR – O que você opina sobre a declaração do Grupo de Lima?
Gonzalo Gomez: A declaração do Grupo de Lima é parte de uma intervenção, uma ingerência, que tem em sua agenda uma série de ações para levar à derrubada do governo de Maduro pela força e por decisão unilateral de fatores externos, em combinação com setores da oposição venezuelana mais extrema. Oposição de direita que reflete os setores políticos da burguesia tradicional.
Não é um órgão internacional organizado pelas nações como espaço para discutir e dirimir seus assuntos, é um grupo político de governos que se puseram de acordo entre si para servir de instrumento para a aplicação das pressões contra o governo de Nicolás Maduro e tudo isso dirigido em última instância desde Washington.
O plano da Assembleia Nacional é declarar a usurpação da Presidência da República e que se nomeie um governo transitório a cargo da AN, com Guaidó como presidente provisório do país. Mesmo que ainda não tenha sido executado o ato formal, o que está fazendo o Grupo de Lima é marcando uma pauta, estão eles assinalando de maneira intervencionista qual seria o caminho que teria que tomar a Venezuela.
Isso não corresponde a eles fazer, é o que corresponde à nação e ao povo venezuelano.
AR – Maduro disse que estamos em presença de um golpe de estado e chamou a defender o governo
GG: O que acontece aqui na Venezuela é que todos os poderes tornaram-se ilegítimos. Isso inclui tanto o governo de Maduro como a Assembleia Nacional.
O governo de Maduro tem funcionado como um governo repressivo, anti-operário, antipopular, desmantelando as conquistas da revolução bolivariana. Eu considero que é um governo contra-revolucionário, embora utilize a retórica anti-imperialista e da revolução. É um governo que age contra da Constituição e também vem cedendo soberania, recursos da nação, atentando contra a natureza, desconhecendo os povos indígenas. Refiro-me ao que diz respeito ao Arco mineiro do Orinoco, que é um projeto extrativista, predador, de entrega às transnacionais e a interesses privados e que está causando estragos no meio ambiente.
AR – Os que defendem Maduro assinalam que a crise que a Venezuela está atravessando deve-se ao bloqueio imperialista…
GG: As sanções mais fortes de Trump ainda não têm afetado o intercâmbio petroleiro propriamente dito, começaram a partir do ano 2017 e também as que têm relação com os bloqueios de operações financeiras de dívida nova. Os problemas principais que tem a Venezuela desde o ponto de vista do abastecimento não foram gerados com as sanções norte-americanas. Aqui temos uma burocracia corrupta que está envolvida nos desastres que têm se produzido nas empresas do Estado. Porque em lugar de promover o controle operário, em lugar de promover o estabelecimento de formas de propriedade social, o que fizeram os integrantes dessa casta burocrática foi atuar como donos das empresas para seu próprio proveito. Desmantelá-las, levar embora os recursos, roubar. Há um desfalque descomunal na Venezuela. Arruinaram a capacidade produtiva do país.
O próprio Fundo Monetário Internacional tem feito avaliações de que há em contas radicadas no exterior, em fundos privados, cerca de 350 bilhões de dólares do Estado venezuelano. Nossas investigações, tanto do desfalque à nação, da fuga criminosa de capitais e do dinheiro faltante na PDVSA, nos levaram a pensar em 500 bilhões de dólares.
AR – Há resistência popular?
GG: Há uma tendência à recomposição dos organismos de luta unitários da classe trabalhadora. Nós estamos participando na Intersetorial de Trabalhadores da Venezuela, que vem buscando coordenar as lutas. Este espaço é plural desde o ponto de vista da procedência política dos dirigentes sindicais. Também as comunidades estão saindo a brigar pelos serviços públicos, pela água, porque não há gás, porque tem gente que é obrigada a cozinhar com lenha.
Essas lutas que estão acontecendo derivam em lutas pelos direitos democráticos e pelos direitos humanos. O governo reprime, prende dirigentes sindicais, temos vários dirigentes sindicais presos. A alguns aplicam a justiça militar.
Não há dúvida de que a população venezuelana chegou ao limite, que está farta das políticas, dos abusos do governo de Nicolás Maduro, da destruição de seu salário, da destruição de suas conquistas trabalhistas, da repressão.
AR – O que aconteceu com o levante do destacamento da Guarda Nacional?
GG: A ação de segunda-feira (21) foi uma ação localizada de um comando da Guarda Nacional, de setores de base, conduzida por um sargento na zona de Cotiza, que chamou a população a que se incorporasse, dizendo que eles estavam atuando contra o governo como o povo queria.
Não teve demasiada repercussão desde o ponto de vista militar e finalmente se renderam, mas a população da região começou a sair para protestar, a ficar nas ruas. E apesar de que tentaram dispersar a todos, a manifestação foi se estendendo pelos arredores. A partir daí surgiram muitos focos de protestos nos bairros populares. Não são os típicos protestos nas zonas do leste de Caracas, mais abastadas, são setores populares, pobres, de classe media baixa.
Durante o dia inteiro em bairros populares de Caracas, fundamentalmente os Mecedores, em San José, Av. Fuerzas Armadas, Avenida Catia, El Valle, na Carretera Vieja – a Guaira, houve pelo menos uma dúzia de pontos importantes e significativos de protesto à noite, em que os vizinhos saíram em horas da madrugada a fechar ruas, a pôr obstáculos, a queimar lixo.
Independentemente de que haja militância que responda a organizações políticas, me parece que são expressões do mal-estar, da raiva, da revolta de setores do povo, com o governo de Nicolás Maduro vem fazendo.
Nós somos a favor de uma agenda autônoma da classe trabalhadora venezuelana. Que não se submeta à agenda marcada pela Assembleia Nacional, sabemos o que há por trás e em relação ao plano do Grupo de Lima: o intervencionismo dos Estados Unidos.
Por isso exigimos eleições gerais de todos os poderes e uma forma é utilizar o artigo 71 da Constituição, que estabelece que as questões de especial transcendência nacional podem ser consultadas em referendum consultivo, que tenha um caráter vinculante.
O povo deve dizer se quer a renovação de todos os poderes, se quer que, tanto Maduro, como Guaidó, vão embora, e que embaralhemos as cartas do baralho todas completas.