Dossiê revela que Prevent Senior escondeu 7 mortes em estudo sobre hidroxicloroquina. Conteúdo foi divulgado na última quinta-feira (16) pela Globonews. A reportagem confirmou o material e teve acesso a análise do documento feita pela CPI
Segundo está no documento, a empresa omitiu sete mortes de pessoas tratadas com hidroxicloroquina. O dossiê, de posse da CPI da Covid-19 no Senado, revela que a Prevent Senior usou pacientes como cobaias em pesquisa com remédios do chamado “kit Covid”.
O documento é assinado por 15 médicos da operadora de planos de saúde. De acordo com os profissionais, a hidroxicloroquina foi administrada sem avisar pacientes ou parentes. O estudo foi realizado em São Paulo.
Em nota, por óbvio, a Prevent Senior negou as acusações e fingiu “repudiar” as denúncias. A empresa afirmou ainda que tomará medidas judiciais cabíveis contra os responsáveis pelo dossiê.
Segundo o documento, medicamentos sem comprovação científica foram incorporados ao experimento, na medida em que resultados não eram atingidos. Teria sido usado contra Covid-19, ainda segundo o dossiê, até remédio para câncer.
ASSOCIAÇÃO PERTINENTE
Em texto, com lembrança pertinente, “Aplicar drogas em humanos sem sua autorização lembra Mengele”, o jornalista Ricardo Noblat fez associação entre o “estudo” da Prevent Senior e os experimentos dos nazistas nos campos de concentração e extermínio na 2ª Guerra Mundial.
“Nada se compara aos horrores nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, nada. Mas feita a ressalva, alguns casos guardam uma remota e preocupante semelhança”, escreveu Noblat.
“Josef Mengele foi um oficial alemão da SS, organização paramilitar do Partido Nazista, e médico no campo de concentração de Auschwit [Polônia] onde foram mortos milhares de judeus”.
“Ele escolhia as vítimas a serem mortas nas câmaras de gás, separando-as das outras que seriam submetidas a experimentos humanos e que depois acabariam mortas também”.
O monstro nazista nasceu em 16 de março de 1911, em Günzburg, Baviera, Alemanha e morreu em 7 de fevereiro de 1979, em Bertioga, São Paulo.
PREVENT SENIOR NA MIRA DA CPI
O conteúdo do dossiê foi divulgado na quinta-feira (16) pela Globonews. A reportagem confirmou o material e teve acesso a análise do documento feita pela CPI.
A empresa está na mira dos senadores. Na última quinta-feira, o diretor-executivo Pedro Benedito Batista Júnior era esperado na comissão para depor, faltou e disse que foi avisado tardiamente do compromisso.
Os integrantes da CPI consideraram a ação protelatória. Por isso, os senadores insistem no depoimento, que foi remarcado para quarta-feira (22).
BOLSONARO DIVULGOU “ESTUDO” DA PREVENT
O presidente Jair Bolsonaro — entusiasta de remédio sem eficácia contra a Covid —, chegou a divulgar o “estudo” da Prevent Senior em redes sociais, em 18 de abril de 2020, antes mesmo da publicação oficial de resultados.
Bolsonaro citou a pesquisa como caso de sucesso. Ele disse que o “estudo” apontara que nenhum dos participantes que tomaram hidroxicloroquina havia morrido, enquanto o número de óbitos no grupo que não havia tomado foi de cinco.
A informação divergia do estudo original, que registrara dois mortos. Mesmo essa versão, contudo, continha subnotificação de óbitos, segundo o dossiê em posse dos senadores.
MAIS DE 700 PACIENTES
De acordo com planilha obtida pela Globonews, nove pacientes que participaram do estudo morreram — seis deles tomaram hidroxicloroquina. Ou seja, ao todo, sete mortes foram ocultadas pela Prevent Senior.
Os médicos relataram ainda a falta de autorização para determinados procedimentos e falhas éticas. O estudo teria sido feito com mais de 700 pacientes, sem análise da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa).
O projeto inicial tinha autorização para trabalhar com 200 pessoas. O estudo com hidroxicloroquina da Prevent Senior chegou a ser suspenso por indícios de irregularidades, mas mesmo assim a empresa teria seguido medicando clientes.
PACIENTES NÃO FORAM AVISADOS
O documento também citou mensagem na qual Fernando Oikawa, diretor da Prevent Senior, anunciou protocolo e pediu que pacientes não fossem avisados.
“Iremos iniciar o protocolo de hidroxicloroquina + azitromicina. Por favor, não informar o paciente ou familiar sobre a medicação nem sobre o programa”, afirmou Oikawa em mensagem divulgada pela emissora.
Outra mensagem do diretor, contida no dossiê, trouxe a prescrição de remédio contra câncer de próstata: “Bom plantão a todos e enfatizo a importância da prescrição da Flutamida 250 mg de 8/8h para todos os pacientes que internarem. Estamos muito animados com a melhora dos pacientes”.
“PRÁTICA COMUM”
O documento analítico produzido pela CPI, com base no dossiê, indicou que teria sido adotado o “uso de morfina para pacientes que não recebiam todos os tratamentos para a reversão do estado clínico”.
“Segundo os médicos, esta era uma prática comum para os pacientes que iriam morrer no tal ‘paliativo’.”
PREVENT SENIOR E “GABINETE PARALELO”
Para integrantes da CPI, as informações estabelecem laços entre a Prevent Senior e membros do chamado “gabinete paralelo”, unidade de aconselhamento de Bolsonaro para temas ligados à pandemia fora da estrutura do Ministério da Saúde.
“Influenciadores como Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto (médicos defensores da cloroquina) disseminavam o tratamento precoce junto com o governo, enquanto a Prevent Senior seria a instituição médica que validaria por estudos a eficiência do tratamento”, consta do relatório da CPI.
De acordo com integrantes do colegiado, após declarações do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com críticas a subnotificações e ao atendimento da Prevent Senior a idosos, a diretoria da empresa teria feito pacto com o “gabinete paralelo” para livrar a operadora de críticas.
O relatório também revelou que a comunicação e alinhamentos com o governo federal eram constantes.
“PESQUISA DE CAMPO”
A CPI citou que, entre os dias 15 e 19 de abril de 2020, há relatos de que o filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ligou para diretores da empresa para verificar os resultados da pesquisa.
Além disso, revela novamente o relatório da CPI, por meio de “lives” em redes sociais, Batista Junior, diretor-executivo da Prevent Senior, disseminava o chamado “tratamento precoce” com membros do “gabinete paralelo”.
NOTAS DA PREVENT
A operadora divulgou notas para contestar as acusações do dossiê dos médicos. “A Prevent Senior nega e repudia denúncias sistemáticas, mentirosas e reiteradas que têm sido feitas por supostos médicos que, anonimamente, têm procurado desgastar a imagem da empresa”, divulgou na primeira nota.
“Os médicos da empresa sempre tiveram a autonomia respeitada e atuam com afinco para salvar milhares de vidas. Importante lembrar que números à disposição da CPI demonstram que a taxa de mortalidade entre pacientes de Covid-19 atendidos pelos nossos profissionais de saúde é 50% inferior às taxas registradas em São Paulo”, escreveram os responsáveis pela empresa.
Em outra nota, divulgada posteriormente, a Prevent Senior afirmou que vai pedir investigação ao Ministério Público para apurar as denúncias “infundadas e anônimas levadas à CPI por um suposto grupo de médicos”.
A empresa também acusou a defesa dos médicos de ter externado as denúncias porque um acordo não foi celebrado, sem detalhar o que seria este acordo.
M. V.