Localizada na Grande Buenos Aires (GBA), a favela de Villa Azul, entre as cidades de Quilmes e Avellaneda, foi completamente isolada nesta semana pela polícia após as autoridades sanitárias terem apurado que 60% de uma mostra de moradores testados tiveram contágio por Covid-19.
No bairro onde moram cerca de 5.000 pessoas (3.000 em Quilmes e 2.000 em Avellaneda) até o início de quarta-feira foram realizados 301 exames pelo Dispositivo Estratégico de Testes para Coronavírus em Terreno da Argentina (DeTecTAr), dos quais 174 deram positivo para a doença. Antes do final do dia, o número de casos já havia crescido para 196, e outras 50 pessoas apresentaram sintomas compatíveis com a enfermidade, transformando o local em um dos centros da pandemia da GBA.
“Diante do alto número de casos positivos”, alertou o ministro do Desenvolvimento da Comunidade de Buenos Aires, Andrés Larroque, foi tomada com “urgência” a decisão de “formar um comitê de crise para intervir junto aos municípios de Quilmes – com cerca de 600 mil habitantes – e Avellaneda – 350 mil habitantes -”, “fechar a circulação para o exterior e tentar minimizar a circulação interna”.
“EXEMPLO MAIS CLARO DA INJUSTIÇA”
“Villa Azul é o exemplo mais claro da injustiça. Somos um habitante mais de Villa Azul, de cada bairro popular da Argentina, porque ali é onde há uma necessidade e um direito que repor”, afirmou o presidente Alberto Fernández, para quem a situação é grave e exige redobrada atenção e solidariedade. No local, como em vários bairros periféricos, o Exército está sendo mobilizado durante semanas para assegurar a distribuição de alimentos às famílias e combater a desnutrição, recordou.
Para o presidente “chegou a hora de nos ocuparmos destes compatriotas, companheiros e argentinos que o sentido da meritocracia deixou de lado”. “Os fizeram crer que não tinham mérito, mas o que não tiveram foi oportunidades”, assinalou.
A realidade do local, refletiu Fernández, serve também para trazer à tona diferentes concepções políticas e ideológicas, as prioridades distintas dos administradores. “Jorge Ferraresi é um extraordinário intendente (prefeito) de Avellaneda, sai pouco na mídia. Do lado de Avellaneda há luz e esgoto. Atravessas a rua, vai a Quilmes, e te dás conta da diferença”, ressaltou Fernández, em alusão às prioridades do ex-intendente macrista Martiniano Molina, que deixou a cidade um verdadeiro descalabro. “Você testa em Avellaneda, há contágios mínimos; em Quilmes, não. A diferença é enorme, são coisas que afetam a saúde das pessoas”, ressaltou. “Estamos no século 21”, acrescentou, “e não é possível que haja pessoas em moradias superlotadas, sem esgoto, dividindo banheiro, precisamos remediar o que a pandemia deixou exposta”. “É necessário reverter a injustiça que existe. Justiça é ter acesso à educação, à saúde e à água”, ponderou.
Felizmente, asseverou Fernández, “os mais necessitados são os mais solidários” e no que diz respeito à unidade e organização de todos os Estados argentinos, “os 24 governadores estamos remando para o mesmo lado”.
DIREITA MACRISTA RECORRE A FANTASIA NAZISTA
Em contraposição, condenou o presidente, “o que existe de pior é a política tuiteira, que desgasta, e os pensamentos absolutos que dizem que vamos ser como a Venezuela, gente que compara Villa Azul com o gueto de Varsóvia”, referindo-se à afirmação do sociólogo macrista Juan José Sebreli e repudiando a desinformação dos que tentam traçar um paralelo entre a situação do bairro portenho e em uma abjeta minimização do horror imposto pelos nazistas. Fernández acredita que há “uma grande oportunidade para pôr as coisas em seu devido lugar”.
Também esta é a compreensão do jornalista argentino e especialista em Relações Internacionais Mariano Vázquez, para quem “a banalização do holocausto e do horror nazista é uma das piores formas atuais que tem a direita política para desqualificar governos democráticos que tomam medidas destinadas a preservar a vida e a saúde da população”.
“Isto está acontecendo ao redor do mundo e também na Argentina, onde tentaram comparar medidas sanitárias com o gueto de Varsóvia, aquele marco histórico da resistência da população judia ante o horror nazi. É uma declaração que só demonstra a baixa estatura política e o cinismo que tem a direita argentina, mas que neste caso é uma prática da direita internacional”.
Aliás, é o que acabamos de ver acontecer com a reação do ministro da Educação brasileiro, Abraham Weintraub, diante das investigações que lhe foram determinadas pela sua implicação no escândalo das fake news
COMIDA E MEDICAMENTOS
Para o secretário-geral da Associação de Trabalhadores do Estado (ATE) de Quilmes, e dirigente local da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA-Autônoma), Claudio Arévalo, “mais do que nunca, o fundamental agora é fazer com que a população de Villa Azul continue sendo abastecida com comida e medicamentos”.
Conforme o sindicalista, “da parte de Quilmes, a nova intendente, Maria Mendoza, assumiu em dezembro uma herança terrível, do mais completo abandono na área de saúde, em que não havia médicos, enfermeiros nem pediatras. Diferente de Avellaneda, onde há casas de material de dois pisos e inclusive com gás, o que temos do lado de cá são moradias precárias, de papelão e sem água potável ou esgoto”, ressaltou.
“É importante esclarecer que neste momento são as organizações sociais e comunitárias como o Movimento Evita, a CTA e a Igreja que estão na frente de batalha, visitando casa por casa junto com os promotores de saúde, gente que teve sua capacitação anteriormente na luta contra a dengue e outras enfermidades”, acrescentou Arévalo.
A capital argentina, Buenos Aires, responde por mais de 56% dos casos da Covid-19 no país vizinho, que adotou rígida quarentena, registrando um total de 15.419 contágios e 524 mortes.
Em relação a quarentena marcada até o próximo dia 7 de junho, o ministro de Saúde, Ginés González García, frisou “ser difícil que não se estenda”, uma vez que o país está em plena “curva ascendente” de contágios do coronavírus. “A direita no mundo fala de direitos individuais e nós respeitamos os direitos individuais, porém temos a obrigação de defender o direito coletivo, O que estamos fazendo é evitando mais mortes”, concluiu.