Um ato “Em memória às vítimas do Holoccausto” e de “Combate ao negacionismo” com a participação de sete organizações da comunidade judaica foi realizado no dia 31 de janeiro.
O evento consistiu em uma cerimônia virtual (em respeito ao distanciamento social devido à pandemia da Covid-19), na qual seis convidados acenderam cada um uma vela – e cada vela correspondente a um milhão de judeus mortos pelos nazistas nos campos de concentração e extermínio da Europa ocupada pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.
Antes de acender sua vela, cada convidados trouxe reflexões sobre a barbárie nazista e o fato de portadores dessa nefasta ideologia, nos dias de hoje, negarem a brutal chacina que ceifou a vida não só de judeus mas de milhões de prisioneiros soviéticos, comunistas, socialistas e democratas opositores ao nazismo e ao fascismo, ciganos, negros, homossexuais, portadores de deficiência física e mental, prisioneiros poloneses e integrantes da resistência à ocupação e ao regime cujos líderes foram condenados por crimes contra a humanidade.
Todos os convidados fizeram paralelo entre aquela barbárie – negada pelos fascistas que buscam apagar esses crimes hediondos – e a criminosa negligência de autoridades do governo Bolsonaro que, assim como o próprio presidente, negaram a gravidade da pandemia, adiaram soluções, rejeitaram medidas restritivas preventivas diante da pandemia, levando à morte cerca de 230 mil brasileiros.
LEMBRANDO BRECHT, FREUD E EINSTEIN, OBRIGADOS AO EXÍLIO
A cerimônia foi precedida por um prólogo (que consistiu em poemas de Bertolt Brecht e Leonard Cohen e de um texto produzido pelo conselheiro do Observatório Judaico dos Direitos Humanos Henry Sobel, Nathaniel Braia) e lido pelo próprio Braia e por Marina Man, integrante da organização juvenil judaica, Ichud Habonim Dror (União dos Construtores de Liberdade).
Na denúncia do nazismo e do negacionismo da história e da ciência pelo Reich, bem como dos seguidores daquela barbárie, o texto destacou o exílio forçado “de um dramaturgo como Brecht, um físico como Einstein e um cientista humanista como Freud”, que teve seus livros incendiados pelas hordas nazistas.
RABINO HOMENAGEOU OS QUE SE REBELARAM CONTRA O NAZISMO
Coube ao rabino Uri Lam, da sinagoga Beth El, acender a primeira vela e dizer uma prece em que ressaltou a solidariedade a todos os que sofreram com destaque “aos rebeldes que, mesmo atravessando o vale das sombras da morte, se dedicaram à vida e ao amor ao não se submeterem e ao guerrearam com os inimigos da humanidade”.
“Que nossas vidas sirvam de Yad Vashem, monumento e nome em sua memória, que nossas lembranças deles sirvam de fonte para a convicção na vitória do bem sobre o mal, da verdade sobre a mentira e liberdade sobre a opressão”, conclamou o rabino.
SOBREVIVENTE DA COVID-19 ACENDE A ÚLTIMA DAS SEIS VELAS
A última vela foi acendida pelo sobrevivente da Covid, o educador Antonio Saldanha, que denunciou: “O Brasil é um dos países do mundo em que se morre mais dessa doença e isso, em grande parte, pela negação da gravidade da doença pelo presidente que a tratou como “uma gripezinha”.
O ato foi mediado por Leana Naiman Bergel (representando o Observatório Judaico) e Leonardo Bueno (representando a organização juvenil judaica Hashomer Hatzair – Jovem Guarda).
EPIDEMIOLOGISTA DENUNCIA: “LENTIDÃO NA VACINAÇÃO PROVOCA MORTES”
O epidemiologista e professor titular da USP, Dr. Paulo Lotufo, encerrou o encontro com uma palestra abordando a questão do negacionismo por parte do governo federal e suas implicações na vida das pessoas, tanto pela negação da doença, como pela lentidão na prevenção e aplicação da vacinação no país. “As situações de pandemia ressaltam a necessidade de ações coletivas e os governos de ultradireita, como o dos Estados Unidos (com Donald Trump) e do Brasil (com Bolsonaro), dotados de uma ideologia que prima pelo individualismo, despreza a ação coletiva – daí advém o negacionismo como fuga dessa responsabilidade de promover a ação e a solidariedade coletivas”.
Para ele, o que a pandemia ressaltou foi “o menosprezo pela vida” embutido na ideologia do individualismo extremado: “O que se passa no Brasil e no planeta reflete uma questão social e a pandemia só será controlada e vencida por uma ampla ação social”.
Questionado pela líder do movimento Cientistas Engajados, Mariana Moura, quanto ao perigo da vacinação demorada em um ambiente de surgimento de cepas variantes, colocando em risco a eficácia da vacinação, Lotufo afirmou que não acredita neste fator como risco de queda definidora na eficácia da vacinação, por enquanto, mas ressaltou que o Brasil “está muito lento em termos da vacinação. Muito mais lento do que é necessário e recomendado”.
Assista o vídeo, produzido por Samuel Neuman (Observatório Judaico), que registra a participação de todos os convidados e organizadores da tocante cerimônia:
As entidades organizadoras e apoiadoras foram:
– Observatório Judaico de Direitos Humanos no Brasil Henry Sobel
– Hashomer Hatzair (Jovem Guarda)
– Ichud Habonim Dror (organização juvenil União dos Construtores da Liberdade)
– Associação Cultural Moshe Sharet
– Associação Cultural Mordechai Anilevitch (cujo nome é uma homenagem ao comandante do Levante do Gueto de Varsóvia)
– Casa do Povo
– Judeus pela Democracia
Segue a íntegra do prólogo lido no início da cerimônia e que traz denúncias e chama ao “combate ao negacionismo da história e da ciência” e traz trechos de poemas de Brecht e Leonard Cohen:
“Vocês, dificilmente alcançáveis/ Enterrados nos campos de concentração/Afastados de qualquer palavra humana/Submetidos a brutalidades/Espancados, mas/ Não refutados! /Desaparecidos, mas/Não esquecidos!
Embora quase sem notícias de vocês, soubemos: são/Incorrigíveis. / Indoutrináveis
…..
Golpes de cassetete ou enforcamentos, soubemos/Não foram capazes de fazê-los afirmar/ Que agora dois e dois são cinco.
Portanto/Desparecidos, mas/Não esquecidos/Espancados, mas/Não refutados/Juntamente com todos os lutadores incorrigíveis/Indoutrináveis persistindo na verdade/São agora e sempre/ Os verdadeiros guias da Alemanha”
Com este trecho de poema de Bertolt Brecht dedicado “Aos combatentes nos campos de concentração”, começamos hoje esta cerimônia “Em memória às vítimas do Holocausto” e “Combatendo o negacionismo”.
Um negacionismo que alicerçou o nazismo, uma ideologia do culto à morte e negação da humanidade no outro e que, nos primórdios da sua ascensão, sentiu a necessidade de proibir, entre as mais profundas descobertas científicas, aquela que os nazistas cognominaram de “a ciência judia”, a psicanálise.
Porque para os nazistas tornara-se necessário atear fogo aos livros de Freud, negar suas análises, e descobertas?
Em seu texto de alguns anos antes, “Escritos sobre a Guerra e a Morte”, em meio à Primeira Guerra, o pai da Psicanalise sinaliza o porquê dessa raiva à sua crítica científica: “A guerra”, diz Freud, “em que não queríamos acreditar, estalou… como se depois dela já não houvesse de existir nenhum futuro e nenhuma paz entre os homens. Desfaz todos os laços da solidariedade entre os povos combatentes e ameaça deixar atrás de si uma exasperação que, durante longo tempo, impossibilitará o reatamento de tais laços”.
Hoje, os herdeiros de uma corrente que levou opositores políticos, ciganos, homossexuais, negros, deficientes e seis milhões de judeus à mais horrenda das mortes, cujo negacionismo da verdade científica prometia um Reich de Mil Anos para a raça superior ariana e obrigava à fuga um dramaturgo como Brecht, um físico como Einstein e um cientista humanista como Freud, carreando fortunas aos fabricantes de tanques, coturnos e gás Zichlon, para suprir suas câmaras de extermínio, querem agora negar uma verdade histórica: nazismo e fascismo são sinônimos de barbárie.
Em sua distância de toda empatia com o outro, o herdeiro da barbárie que pretende negar, o negacionista entre nós brinca com sua pulsão de morte, ao se negar ao uso da máscara protetora. Dança, disfarçado de super-homem. “Não somos um país de maricas, diz o “Mito”. A dança da morte, que é, não apenas a sua, mas a do outro, a quem pode, ou até anseia por contaminar.
Junto com a mentira da cloroquina, do tratamento precoce e da negação do potencial mortífero da pandemia, pretendem impor o medo através da reminiscência da tortura, da ameaça com o retorno da Ditadura, aquela que também perseguiu e obrigou ao exílio cientistas como Darcy Ribeiro e Paulo Freire, este último, a quem tornam a negar.
A tudo isso respondemos com a verdade, uma verdade que, nos hospitais do Amazonas, o grito dos asfixiados não mais lhes permitem esconder.
As chamas das velas que voltamos a acender hoje alimentam o combate que pulsa em nossos corações, o combate que deverá ser travado nas ruas, até a completa superação do negacionismo da história, da ciência e dos algozes de mais de 220 mil brasileiros mortos em consequência dessa negação.