O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou que o direito dos povos indígenas à terra é uma cláusula pétrea da Constituição Federal. Relator de processos ligados às questões indígena, climática e ambiental, Barroso entende que estas causas não podem ficar dissociadas ao defender um novo modelo de desenvolvimento para a Floresta Amazônica.
“Não tenho dúvida de que o direito dos povos indígenas à terra é cláusula pétrea”, afirmou o ministro em entrevista ao GLOBO.
Barroso homologou parcialmente, no último mês de março, o Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas apresentado pelo governo federal. De acordo com o ministro, o plano atendeu algumas de suas determinações, feitas em decisões anteriores, contudo apenas parcialmente, demonstrando um quadro de “profunda desarticulação” por parte dos órgãos responsáveis na elaboração do documento. Para ele, trata-se de um problema crônico e que falta sensibilidade a alguns “atores governamentais” sobre a importância devida à questão indígena.
“Encontramos uma estrutura de atendimento aos povos indígenas muito depreciada, que é produto de problemas de longa data e de sucessivos governos. A essa situação, que já era grave, se somam múltiplos fatores, como a dificuldade em sensibilizar alguns atores governamentais para a importância da questão indígena; a complexidade técnica de um plano dessa natureza; e a gravidade da pandemia, que levou a uma grande sobrecarga de todas as estruturas governamentais, com agravamento do quadro”, afirmou Barroso.
Na decisão que homologou o plano do governo, Barroso determinou que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal (PF), com a colaboração do Ibama, da Funai e da Agência Nacional de Mineração (ANM), apresentassem um plano de isolamento de invasores para enfrentar a presença maciça de garimpeiros, madeireiros e grileiros nessas áreas denunciada pelos indígenas.
“O foco de um plano desse tipo é conter invasões e evitar o contato dos invasores com as comunidades locais. Um novo Plano de Isolamento acaba de ser apresentado e será examinado. A desintrusão é uma questão que está no meu ‘radar’, mas sem desconsiderar as complexidades da pandemia. Desintrusão, com envio de tropas, em meio à pandemia, aumentaria muito o risco de contaminação”, analisa Barroso.
Diversas entidades indígenas denunciam que o governo Bolsonaro tem incentivado a exploração de minérios em terras demarcadas, assim como o incentivo a ação de grileiros e desmatadores. As entidades afirmam ainda que os criminosos se valem do discurso oficial para realizar seus ilícitos.
Barroso defendeu que “o art. 231 prevê que “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. Tratados internacionais de que o Brasil é parte também disciplinam a exploração de empreendimentos em terras indígenas e questões atinentes à preservação ambiental. A minha preocupação, como juiz, é de que – o que quer que venha a ser decidido – seja compatível com tais normas”.
“Precisamos tratar com urgência da Amazônia. O Brasil pode prestar um grande serviço à humanidade e a si próprio propondo um novo modelo de desenvolvimento que se baseie na bioeconomia da floresta e na geração de produtos de alto valor agregado, com base em sua enorme biodiversidade. É uma grande oportunidade que não podemos desperdiçar de produção de novos medicamentos, cosméticos, produtos e patentes, que permitiriam o desenvolvimento da região, a melhoria da vida das pessoas, mantendo a floresta preservada. Precisamos enfrentar os crimes ambientais, proteger as áreas indígenas e criar uma bioeconomia da floresta”, completa o ministro.