Indiferente ao caos sofrido pela população de São Paulo e os péssimos serviços prestados pela privada Enel, concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica no Estado, a base do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), tenta agilizar (ou atropelar?) os trâmites para realizar a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, uma das promessas de campanha do bolsonarista, ainda este ano.
Os deputados aliados de Tarcísio defenderam a realização de convocar o “congresso de comissões”. A manobra consiste em reunir várias comissões temáticas da Alesp para deliberar sobre o projeto rapidamente e com isso impedir a sua tramitação individualmente em cada uma delas, como é de praxe.
A passagem pelo congresso de comissões significa a última etapa para a votação do projeto em Plenário, garantindo, assim, que o aliado de Bolsonaro quebre o martelo sobre um bem público de tamanha relevância social para São Paulo, como a Sabesp.
No sábado (4), atendendo a uma representação de parlamentares da oposição, a Justiça cancelou a audiência pública marcada inicialmente para este dia para debater a questão. O presidente da Assembleia, André do Prado (PL), remarcou a sessão para o próximo dia 16.
Os deputados sustentam que a aceleração da tramitação do projeto faz parte de uma série de artimanhas da gestão Tarcísio, visando diminuir a discussão sobre o assunto. Os aliados de Tarcísio, por sua vez, alegam que a convocação do congresso de comissões e até a votação do projeto sem audiência pública estão amparadas em lei.
A capital e cidades do interior ficaram às escuras por mais de 100 horas – algumas ainda seguiam até à noite de terça – depois que um forte temporal provocou a queda de árvores na sexta-feira, com o rompimento de fios e cabos de transmissão. 2,1 milhões de consumidores foram afetados.
Em 1998, ano em que a Eletropaulo foi a leilão – a promessa dos privatistas era de que a privatização da estatal resultaria na universalização da rede de distribuição. Mais: traria beleza e funcionalidade a São Paulo, com a universalização da rede de distribuição, resultando no processo de enterramento de cabos, o que evitaria os transtornos registrados nos últimos dias. Ocorre que o soterramento de cabos é um serviço caro e limitaria os lucros dos seus proprietários.
Passados 25 anos desde a venda da companhia, o que se registra hoje são os preços extorsivos praticados pela Enel SP, empresa que controla hoje o que no passado foi a Eletropaulo, com serviços precários.
“A Enel demitiu mão de obra qualificada, deixou de fazer manutenção na rede, investimentos, mas cobra tarifas abusivas, com serviços precários, que culminou nessa situação”, critica a ex-vereadora da capital Lídia Correa, liderança do movimento de mulheres, durante ato na avenida Paulista para cobrar dos governos municipal e estadual providências contra a morosidade e descaso da empresa.
“São cinco ou seis tarefas primordiais para manter uma rede de funcionamento, explica Esteliano Neto, presidente da Federação Interestadual dos Urbanitários do Sudeste (Fruse) . “Cada uma delas tinha uma equipe dedicada. Agora, está tudo concentrado em um só eletricista”, denunciou. Segundo ele, “não é normal uma demora tão grande para religamentos”, prossegue. “Só demora tanto porque a empresa negligenciou e precarizou o que é um serviço público e essencial”, disse.
A CONTA VAI CHEGAR
Deputados estaduais denunciaram a manobra da base de Tarcísio na Alesp
RESISTÊNCIA
A privatização da Sabesp, uma das maiores empresas de saneamento do mundo, enfrenta resistência de diversos setores da sociedade, com protestos e manifestações na capital paulista e no interior. “Esse lamentável episódio (apagão) deixa um alerta sobre o que pode acontecer com o serviço de água e esgoto de São Paulo se Tarcísio levar à frente a loucura de vender a Sabesp”, disse à F. de São Paulo o deputado Emídio de Souza (PT). O parlamentar participou de um ato (o segundo em dois dias) contra a Enel e os projetos entreguistas do governo de São Paulo.
Emídio articulou um mandado de segurança a ser apresentado ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) na quarta-feira (8), contra a privatização da Sabesp. A iniciativa recebeu o apoio de 19 parlamentares do PT, PSOL e PCdoB.
“As concessões realizadas no estado têm resultado muito ruim”, afirmou o líder PT na Alesp, Paulo Fiorilo, à Folha.” Não é só a Enel, mas a ViaMobilidade (que gere as linhas 5 do Metrô e 8 e 9 da CPT) na questão do transporte; a telefonia móvel, cuja cobertura não chega a todo o estado e ficam empurrando esse problema”, prosseguiu. “No caso da Sabesp, a gente ainda pode corrigir isso”, diz, comparando ao fato de que a empresa de energia “diminuiu o número de funcionários para aumentar o lucro”.
“Estamos unidos e solidários na luta contra a privatização da Sabesp, da CPTM e do Metrô, afirmou o padre Julio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo da Rua, durante uma manifestação contra a privatização no dia 2 de novembro, na Mooca, zona Leste da capital paulista. “E no dia de hoje, neste ato, com os trabalhadores e trabalhadoras da Sabesp, com vários movimentos sociais e populares, porque a água é de Deus, a água não pode ser mercadoria”, defendeu o religioso.
No dia 3 de outubro, funcionários do Metrô de São Paulo, da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e da Sabesp) entraram em greve em protesto contra a venda das empresas públicas para o capital privado.
Até por ultraliberais as privatizações estão suscitando questionamentos. Em entrevista ao diário paulistano, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União Brasil) afirmou que “o ambiente (para a privatização) ficou ruim, piorou muito” após o apagão. “É repercussão de um mau serviço depois de uma privatização”, afirmou.
Mas para o relator do projeto de privatização da Sabesp, deputado Barros Munhoz (PSDB), a venda da companhia à iniciativa privada não é igual ao que ocorre com a Enel, que ele diz prestar “um serviço catastrófico em São Paulo.”