Patrocinada por magnatas de extrema-direita e sob bênçãos de Donald Trump, uma onda de arruaças, pequenas mas ruidosas, contra o distanciamento social, vem se espraiando pelos EUA – como a irrupção, na quinta-feira (30) de uma milícia neonazista, armada com rifles semiautomáticos, mais algumas dezenas de estafermos, na Assembleia do Michigan, querendo impedir a prorrogação até 28 de maio da quarentena em vigor, determinada pela governadora democrata Gretchen Whitmer, atendendo às recomendações dos especialistas médicos e da OMS.
Também no vizinho Illinois, os fanáticos de Trump invadiram na sexta-feira a assembleia estadual em uma baderna contra a quarentena, onde não faltou a suástica e até a tristemente famosa inscrição na entrada do campo de concentração de Auschwitz “Arbeit Macht Frei” [O Trabalho Liberta]. Detalhe: o governador é judeu. O que mereceu um registro do Washington Post: “slogans nazis vistos no protesto ‘reabra Illinois’”.
Na sexta-feira, mais desvario em Raleigh, na Carolina do Norte, e em Los Angeles e Sacramento, na Califórnia. No sábado, os trumpistas marcharam até à casa do governador de Nevada, Steve Sisolak – que estendeu o “fique em casa’ até 15 de maio – e, na Califórnia, andaram exibindo, no maior cinismo, um caminhão com o rosto do governador, Gavin Newson, com bigodinho de Hitler, enquanto os fascistas reclamavam da “tirania” da quarentena. Também fizeram barulho em New Hampshire.
Isso acontece quando os EUA continuam sendo o campeão mundial absoluto de coronavírus, tanto em infecções (mais de 1 milhão) e de óbitos (mais de 64 mil), nenhum estado atende aquelas normas mínimas para desconfinamento (14 dias em queda no número de casos e de mortes) e o principal epidemiologista do país, o Dr. Anthony Fauci, adverte sobre uma “segunda onda” no outono e inverno.
Note-se que, sob as próprias normas que Trump anunciou na semana passada, ao mesmo tempo em que não renovava a convocação de distanciamento social a que fora forçado a decretar no dia 13 de março, Michigan não está pronto para a reabertura.
O número de casos confirmados no estado aumentou em quase 1.000 na sexta-feira, alcançando o total de 42.365, enquanto o total de mortos chegou a 3.866, sem qualquer sinal de “achatamento” da curva de contágio.
Trump, que na semana passada tuitara a convocação de “libertar o Michigan”, elogiou os nazis e estafermos da invasão da assembleia estadual: “são gente muito boa”. Aconselhou a governadora a “falar com eles, fazer um acordo”.
Conselho repelido por Whitmer, que esclareceu que não se tratava de uma “crise política” onde se negocia para encontrar um terreno comum, mas uma “crise de saúde pública”.
“Estamos no meio de uma pandemia global”, ela relembrou a Trump. E enfatizou que quem precisa ser ouvido são “os epidemiologistas e especialistas em saúde pública”.
A governadora de Michigan também repudiou esse tipo de manifestante com “símbolos como suásticas e bandeiras confederadas, laços e rifles automáticos” que, como destacou, “não representam” a maioria dos habitantes do estado.
No protesto no capitólio de Illinois em Springfield, chamava a atenção a faixa “Arbeit macht frei, JB”: as iniciais do nome do governador democrata Pritzker, antecedida pelo dístico na entrada de Auchwitz. Havia também um “Heil, Pritzker”, acompanhado de uma suástica.
Como registrou o Washington Post, essas manifestações de ódio já foram vistas em outros atos, como em Ohio, onde no dia 18 podia ser visto um cartaz com uma ilustração de um rato com a estrela de David nele e as palavras “a verdadeira praga”.
Em outros estados, repetiram-se as cenas patéticas de trumpistas exigindo o vem pra rua morrer, na tentativa de dar aparência de verossimilhança ao slogan eleitoral “Reabrir a América de Novo”, depois que a Covid-19 destroçou a encenação do “Mantenha a América Grande de Novo”, ancorada nos índices na estratosfera de Wall Street.
Aliás, enquanto a Main Street – a economia real – se tornou tão débil que não consegue sequer garantir máscaras faciais, respiradores ou testes.
É enorme a pressão sobre os governadores para que sejam eles que assumam o ônus de reabrir de qualquer jeito, para que depois Trump possa jogar a culpa sobre eles se a Covid-19 reacelerar.
Não é por falta de aviso: o próprio diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, Robert Redfield, advertiu que há uma possibilidade de uma segunda onda da pandemia no próximo inverno que seria “ainda mais difícil” que a pela qual o país está passando.
Apesar de todo o barulho, ainda é grande o apoio popular ao distanciamento social, como revelou uma pesquisa da CBS, em que 70% da população acredita que a prioridade central deveria ser “tentar retardar a propagação do coronavírus mantendo as pessoas em casa e o distanciamento social, mesmo se a economia ficasse prejudicada a curto prazo”. Pesquisa anterior mostrara que as pessoas estavam principalmente preocupadas de que o levantamento da quarentena fosse “rápido demais” e não o contrário.