O senador Bernie Sanders pediu ao presidente norte-americano Joe Biden que apoie o esforço internacional para suspender as proteções de patentes relacionadas ao coronavírus, que vêm privando as nações mais pobres das vacinas que salvam vidas, bloqueio que vem sendo mantido pelos países centrais com o objetivo de garantir os lucros das grandes corporações farmacêuticas.
“Devemos fazer todo o humanamente possível para esmagar esta pandemia global e salvar milhões de pessoas que correm o risco de morrer desnecessariamente”, disse Sanders, na sexta-feira (23) durante um evento virtual organizado por várias entidades para marcar a entrega, à Casa Branca, de dois milhões de assinaturas da petição que reivindica de Biden que endosse a renúncia às patentes das vacinas contra a Covid-19, proposta já apresentada em outubro passado pela Índia e África do Sul à Organização Mundial do Comércio, e que segue bloqueada.
O que, como se comprova ao elencar a situação da vacinação no mundo inteiro, acaba por impor o que já vem sendo denunciado como o “apartheid das vacinas”, com os países ricos se adonando da maior parte das vacinas disponíveis, deixando os demais países desamparados.
“Para mim, este não é um grande debate, esta é a moralidade humana básica”, destacou Sanders, que ecoou o alerta dos infectologistas sobre o imenso risco de novas variantes da doença, que venham a se mostrar resistentes às vacinas disponíveis.
A quebra de patentes não é propriamente uma novidade e, inclusive, quando da epidemia da Aids, foi adotada mundialmente, com os resultados conhecidos, e é inconcebível que com a Covid-19, que já causou 3 milhões de mortes no planeta, isso não se repita.
Sanders enfatizou que acabar com a pandemia de Covid-19 requer “colaboração, solidariedade e empatia, requer uma mentalidade diferente”. A mentalidade – acrescentou – “que diz à indústria farmacêutica que salvar milhões de vidas é mais importante do que proteger seus lucros já excessivos”.
60% PRÓ QUEBRA DE PATENTES
Pesquisa Data for Progress divulgada na semana passada revelou que 60% dos eleitores dos EUA querem que Biden apóie a quebra de patentes das vacinas contra a Covid-19 pela OMC, que já tem apoio de mais de 100 membros da organização. Sem a quebra de patentes, os fabricantes de genéricos em todo o mundo ficam impedidos de replicar fórmulas de vacinas.
Para Ben Levenson, da Ação Popular, os dois milhões de assinaturas mostram que essa “é a coisa certa a fazer para acabar com a pandemia em todos os lugares e acabar com o apartheid da vacina”.
Ele chamou o governo Biden a “enfrentar a ganância da indústria farmacêutica.”
“Esta é uma pandemia internacional e o tempo está se esgotando”, afirmou o deputado democrata Jan Schakowsky no evento.
“A resposta está bem diante de nossos olhos, uma renúncia [às patentes] da OMC para permitir que os países possam produzir seus próprios produtos farmacêuticos … Precisamos fazer isso agora.”
NÃO AO APARTHEID DAS VACINAS
O diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em artigo publicado no mesmo dia no jornal New York Times, advertiu que “dos mais de 890 milhões de doses de vacinas administradas globalmente, mais de 81% foram administradas em países de alta e média alta renda. Os países de baixa renda receberam apenas 0,3 por cento.”
“Quanto mais esse coronavírus circular em qualquer lugar, mais tempo o comércio global e as viagens serão interrompidos e tanto maior a chance de que possa surgir uma variante que torne as vacinas menos eficazes”, advertiu o Dr. Tedros.
O diretor-geral da OMS conclamou os países ricos a apoiarem a proposta da África do Sul e da Índia de renunciar temporariamente a certos direitos de propriedade intelectual relacionados ao coronavírus, medida que ele disse “nivelaria o campo de jogo e dar aos países mais força “nas discussões sobre vacinas com as empresas farmacêuticas”.
“Se este não é o momento de tomar essas medidas”, sublinhou Tedros, “é difícil imaginar quando isso aconteceria”.
Enquanto cometem apartheid das vacinas, esses países acusam Rússia e China, que têm buscado tornar suas vacinas acessíveis a todos, de fazer “diplomacia das vacinas” para se cacifarem.
MONOPOLIZAÇÃO E GANÂNCIA
Em uma reunião na OMC na véspera, a África do Sul criticou asperamente os países ricos – Estados Unidos, União Europeia, basicamente – por falarem da boca para fora sobre ‘cooperação internacional contra a pandemia’, ao mesmo tempo em que bloqueiam a quebra temporária de patentes que permitiria produzir vacinas no mundo inteiro rapidamente.
“Um ano depois, três milhões de mortes depois, ainda há grande disparidade no acesso às vacinas, enquanto a tecnologia e o conhecimento para o desenvolvimento e produção de vacinas são monopolizados pelo sistema de propriedade intelectual, com apenas fabricantes selecionados autorizados a fabricar por meio de uma licença, e mesmo assim em termos que restringem a produção e fornecimento”, disse o representante Sul-africano .
“Há um punhado de países desenvolvidos bloqueando o progresso na discussão de nossa proposta que recebeu apoio global maciço”, denunciou.
“Esses mesmos países clamam por solidariedade internacional e, ao mesmo tempo, compraram a maior parte do suprimento de vacina suficiente para vacinar sua população várias vezes, com o resultado de negar aos países em desenvolvimento o acesso às vacinas.”
Apontando para um relatório recente do jornal inglês Guardian sobre os enormes lucros da Pfizer, Moderna e outras gigantes farmacêuticas com as vacinas, o porta-voz da África do Sul questionou: “a preocupação dos oponentes [à renúncia] é realmente que a Pfizer e a BioNTech , Moderna, AstraZeneca, etc. não ganharam bilhões suficientes, enquanto na situação atual da Covid indústrias e economias específicas estão entrando em colapso e milhões de vidas e meios de subsistência em todo o mundo estão em jogo?”
Sob o governo Bolsonaro, o Brasil votou contra a quebra de patentes, para depois de pressionado pela Índia, fornecedor de uma das vacinas usadas no país, a AstraZeneca, se abster. Isto é, fez o país atuar contra seus próprios interesses, como o mais afetado pela pandemia, e a favor das multinacionais farmacêuticas. Para que a quebra temporária de patentes passe a vigorar, é preciso decisão por consenso dos 164 países.
“Embora tenhamos discussões circulares neste fórum, o vírus está correndo à solta, evitando vacinas, com grande probabilidade de que a falta de vacinas em muitas partes do mundo volte a ferir com força, com muito mais bloqueios e doenças”, o oficial continuou. “Se a oposição é apenas para proteger os poucos bilhões a mais que essas empresas vão ganhar, então a oposição é autodestrutiva e míope.”