Nova versão deixou na brocha a sua tropa da CPI que dizia que o documento não existia na data do encontro no Alvorada. Bolsonaro disse ainda que não tinha obrigação de tomar providências
A entrevista de Jair Bolsonaro, nesta segunda-feira (12), ao sair de reunião com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, na sede do STF, foi reveladora do estado mental do presidente.
Ameaçando interromper a entrevista, repentinamente, começou a rezar um “Pai Nosso” e insistiu para que seus seguidores, que batiam ponto no local, fizessem o mesmo. Os repórteres esperaram o final para questionar sobre as denúncias de prevaricação.
TENTATIVA DE DESCONVERSAR NÃO SURTIU EFEITO
CONFUSÃO DE NOMES
Demonstrando desconhecimento das leis, Bolsonaro disse que a prevaricação não se aplicaria a ele. Ao responder, o presidente trocou o sobrenome do deputado Luis Miranda (DEM-DF), a quem chamou de “Luis Lima”.
“O que eu entendo que é prevaricação se aplica a servidor público e não se aplicaria a mim. Mas qualquer denúncia de corrupção, eu tomo providência. Até o do Luis Lima, mesmo conhecendo toda a vida pregressa dele, a vida atual dele, eu conversei com Pazuello”, disse Bolsonaro, jogando por terra a versão anterior, sustentada por sua tropa de choque da CPI, de que o documento não existia na data do encontro.
Ao prosseguir em sua versão, Bolsonaro acabou confirmando que recebeu o documento que o deputado disse ter entregue a ele. ‘Pazuello, tem uma denúncia aqui do deputado Luis Lima que estaria algo errado acontecendo. Dá pra dar uma olhada?’ “Ele viu e não tem nada de errado: ‘Já estamos tomando a providência. Vamos corrigir o que está sendo feito’. Agora, você pode ver. Foi corrigido. Ele falou comigo na véspera do meu aniversário, 20 de março, se não me engano, foi lá. Deixou alguns papéis lá. Não entrei com profundidade se era invoice, se não era”, disse Bolsonaro.
“ENTÃO OS PAPÉIS QUE ELE DEIXOU LÁ”
“Então os papéis que deixou lá, eu passei para frente isso daí. Quatro meses depois ele veio com essa denúncia. Se tivesse comprado a vacina, daí tudo bem, procede. Comprou vacina, pagou superfaturada etc. alguém prevaricou, não é? Está presente, em curso, crime de responsabilidade mais grave ainda. Tudo bem. Por que ele trouxe o negócio para frente se nada foi comprado? Nada foi para a frente no tocante à Covaxin. Nada compramos naquele momento”, complementou o presidente, sem dizer que o negócio só não andou porque o servidor Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado, denunciou ao Ministério Público e o escândalo tornou-se público.
Ele também não disse nada sobre o fato do empenho de R$ 1,6 bilhão já ter sido até assinado a nem sobre a existência de um documento oficial, assinado pelo Secretário Executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, enviado em nome do órgão, à empresa Precisa, intermediária da negociata, solicitando a ampliação do contrato para 70 milhões de doses, ou seja, as 20 milhões que suscitaram as denúncias, mais outras 50 milhões de doses.
Luis Ricardo Miranda informou, tanto a Bolsonaro, quanto ao MPF e à CPI, que estava sendo pressionado a assinar uma nota de importação ilegal, com pagamento antecipado de US$ 45 milhões para uma terceira empresa com sede num paraíso fiscal e por um quantitativo menor do que dizia o contrato.
Sobre sua declaração de que não tem obrigação de encaminhar suspeitas de crimes no governo, Renato Ribeiro, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), contestou: o presidente da República é o “principal servidor público” — portanto, passível de cometer o crime de prevaricação.
“É CLARO QUE ELE TINHA OBRIGAÇÃO DE TOMAR MEDIDAS”, DIZ ESPECIALISTA
“Se ele é o chefe máximo da Administração Pública, do Poder Executivo, evidentemente que, sim, ele é um servidor público. Ele é o maior servidor público. É quem poderia tomar todas as medidas para o deslinde dessa questão. Ninguém melhor que o presidente, sabendo, consciente da denúncia, ou da suspeita, pelo menos, para tomar todas as medidas que fossem necessárias. Então, ele é um servidor público. Não faria nenhum sentido dizer que ele é um servidor privado”, afirmou Ribeiro.
FUX INFORMOU QUE CHAMOU BOLSONARO PARA DISCUTIR LIMITES
Após o encontro no STF, Luiz Fux desceu e explicou aos repórteres que convocou a reunião para que, diante dos últimos acontecimentos, fosse discutida a importância do respeito às instituições brasileiras e os limites impostos pela Constituição Federal. Nos últimos dias, Bolsonaro, além de ameaçar a democracia, acusou várias vezes, publicamente, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, TSE, Luiz Roberto Barroso, de ser imbecil, idiota e pedófilo.
Luiz Fux informou que Bolsonaro também teria rezado também durante a conversa, antes de pedir perdão. “O presidente entendeu, se utilizou até de um momento evangélico, ele gosta de orar, sobre o perdão e, ao final, nós combinamos uma reunião entre os Três Poderes para nós fixarmos balizas sólidas para a democracia brasileira tendo em vista a estabilidade do nosso regime político”, disse Fux.
Tudo isso aconteceu no mesmo dia em que a Polícia Federal iniciou inquérito para investigar Bolsonaro por crime de prevaricação no caso Covaxin.