“No Brasil, a resposta federal tem sido uma combinação perigosa de inação e irregularidades, incluindo a promoção da cloroquina como tratamento, apesar da falta de evidências”, diz o estudo
A revista científica Science publicou, em sua edição de quarta-feira, 14 de abril, um extenso estudo sobre a pandemia do novo coronavírus no Brasil. O país tornou-se o epicentro mundial da pandemia e, segundo a revista, a responsabilidade principal pela tragédia, que já matou mais de 360 mil pessoas, é da inação, o negacionismo e a falta de coordenação do governo federal.
Participam, do estudo, Marcia C. Castro, do Departamento de Saúde Global e População, Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan, Boston, MA, EUA; Sun Kim, do Departamento de Saúde Global e População, Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan, Boston; Lorena Barberia, do Departamento de Ciência Política, Universidade de São Paulo (USP); Ana Freitas Ribeiro, da Universidade Nove de Julho, São Paulo e da Universidade Municipal de São Caetano do Sul; Susie Gurzenda, do Departamento de Saúde Global e População, Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan, Boston, MA, EUA; Karina Braga Ribeiro, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e do Departamento de Saúde Coletiva, São Paulo, SP, Brasil; Erin Abbott, do Centro de Análise Geográfica, Universidade de Harvard, Cambridge, MA, EUA; Jeffrey Blossom, do Centro de Análise Geográfica, Universidade de Harvard, Cambridge Beatriz Rache, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), São Paulo, SP, e Burton H. Singer, do Emerging Pathogens Institute, University of Florida, Gainesville, FL, EUA.
“No Brasil, a resposta federal tem sido uma combinação perigosa de inação e irregularidades, incluindo a promoção da cloroquina como tratamento, apesar da falta de evidências. Sem uma estratégia nacional coordenada, as respostas locais variaram em forma, intensidade, duração e horários de início e fim, até certo ponto associadas a alinhamentos políticos”, diz um trecho do estudo.
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A ausência de uma ajuda financeira adequada, principalmente na segunda fase da doença, é apontada como um fator que impede a população mais vulnerável de se defender do ataque do vírus. “O país tem visto taxas de ataque muito altas e carga desproporcionalmente maior entre os mais vulneráveis, iluminando as desigualdades locais”, aponta o estudo.
“Após múltiplas introduções do SARS-CoV-2, o Brasil teve uma fase epidêmica inicial (15 de fevereiro a 18 de março de 2020) com circulação restrita, precedida por circulação viral não detectada. Embora a propagação inicial tenha sido determinada pelas desigualdades socioeconômicas existentes, a falta de uma resposta coordenada, eficaz e equitativa provavelmente alimentou a propagação espacial generalizada do SARS-CoV-2”, destaca a Science.
O estudo concluiu que houve uma “rápida disseminação de casos e óbitos de COVID-19 no Brasil, com padrões e carga distintos por estado. Eles demonstram que nenhuma narrativa única explica a propagação do vírus nos estados brasileiros. Em vez disso, camadas de cenários complexos se entrelaçam, resultando em epidemias COVID-19 variadas e simultâneas em todo o país”.
“O Brasil é grande e desigual, com disparidades em quantidade e qualidade de recursos de saúde (por exemplo, leitos hospitalares, médicos) e de renda (por exemplo, um programa de transferência de renda de emergência começou apenas em junho de 2020, e em novembro de 41% das famílias estavam recebendo). Em segundo lugar, uma densa rede urbana que conecta e influencia os municípios por meio de transporte, serviços e negócios ( 26) não foi totalmente interrompido durante os picos de casos ou mortes”, dizem os autores do estudo.
“O alinhamento político entre governadores e presidente teve um papel no momento e na intensidade das medidas de distanciamento, e a polarização politizou a pandemia com consequências para a adesão às ações de controle. O SARS-CoV-2 estava circulando sem detecção no Brasil por mais de um mês, resultado da falta de vigilância genômica bem estruturada”, observa o estudo. “As cidades impuseram e relaxaram medidas em diferentes momentos, com base em critérios distintos, facilitando a propagação”, prossegue o estudo.
Para os pesquisadores, “em tal cenário, respostas imediatas e equitativas, coordenadas em nível federal, são imperativas para evitar a propagação rápida do vírus e disparidades nos resultados”. No entanto, a resposta do COVID-19 no Brasil não foi imediata nem justa. Ainda não é. O Brasil vive atualmente o pior momento da pandemia, com um número recorde de casos e mortes, e perto do colapso do sistema hospitalar. A vacinação começou, mas em um ritmo lento devido à disponibilidade limitada de doses”, enfatiza o estudo da Science.
O trabalho fala da nova variante. “Uma nova variante de preocupação (VOC), que surgiu em Manaus (P1) em dezembro, é estimada em 1,4-2,2 vezes mais transmissível e capaz de escapar da imunidade de infecção anterior não-P1. Essa variante está se espalhando por todo o país. Tornou-se o mais prevalente em circulação em seis dos oito estados onde as investigações foram realizadas”, revela o estudo.
A revista aponta ainda que “sem contenção imediata, medidas de vigilância epidemiológica e genômica coordenadas e um esforço para vacinar o maior número de pessoas no menor tempo possível, a propagação de P1 provavelmente se parecerá com os padrões aqui demonstrados, levando a perdas inimagináveis de vidas. O fracasso em evitar essa nova rodada de propagação facilitará o surgimento de novos VOCs, isolará o Brasil como uma ameaça à segurança da saúde global e levará a uma crise humanitária completamente evitável”.