Quando Bolsonaro desembarcou em Tel Aviv, na noite do dia 30 de março, acabara de terminar a manifestação que marcava um ano do início da Grande Marcha do Retorno (dos palestinos da Faixa de Gaza reivindicando o levantamento do bloqueio israelense que os esfomeia e em protesto contra a transferência da embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém, anunciada um ano atrás por Trump).
Somente neste 30 de março, durante a marcha em Gaza, foram mortos 4 manifestantes e outros cerca de 300 ficaram feridos, pelos tiros de centenas de atiradores espalhados por Israel na fronteira.
No encontro com Netanyahu, realizado no dia seguinte, nenhuma palavra sobre mais um morticínio, ao contrário, Bolsonaro dirigiu-se a ele para dizer, em hebraico: “Eu amo Israel”.
Fez isso, com dezenas de manifestantes à porta da residência oficial do primeiro-ministro, com cartazes trazendo a foto de Vladimir Herzog, morto, encimado pela frase “Ditadura nunca mais” e entoando palavras de ordem de “Fora fascista!” [num repúdio à comemoração que Bolsonaro orientou que os quartéis fizessem no aniversário do golpe que destituiu o presidente João Goulart em 1964].
Bolsonaro foi o único chefe de Estado a se prontificar a ir a Israel poucos dias antes das eleições gerais, para dar uma força a Netanyahu, lá conhecido como Bibi, encalacrado em 4 processos por corrupção, já investigados pela polícia e acatados pela Procuradoria-Geral, processos os quais só pode adiar se tiver a maioria no parlamento capaz de conduzi-lo ao cargo.
Para isso, Netanyahu joga todas as suas cartas, o que inclui desde mais uma rodada de subsídios aos assentamentos judaicos em terras assaltadas aos palestinos, até a manutenção do cerco a Gaza e assassinato de manifestantes palestinos. Para continuar no poder, conta com o apoio de Trump, que declarou suporte à anexação do território sírio do Planalto do Golã, medida que foi repudiada por unanimidade pela União Europeia, pela Liga Árabe e pelo voto quase unânime do Conselho de Segurança da ONU, à exceção do voto do próprio Estados Unidos.
É a essa política – que incluiu o voto contrário à maioria dos integrantes do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, exigindo a intensificação do monitoramento pela ONU, da insana ação da ocupação israelense nos territórios palestinos – e que vai contra o que foi construído pelo Itamaraty desde 1975 quando o governo brasileiro autorizou a Organização de Libertação da Palestina (que acabara de ser reconhecida pela ONU com legítima representante do povo palestino) a abrir sua representação no Brasil.
Desde então, o Brasil manteve uma relação amistosa com Israel sem deixar de reconhecer os direitos dos palestinos, obtendo simpatia e respeito entre os povos do Oriente Médio e o reconhecimento por suas gestões em favor de uma paz justa.
Toda essa construção, como avalia a historiadora Arlene Clemesha integrante do corpo docente da Universidade de São Paulo e pesquisadora da Questão Judaica e da História da Palestina Moderna, está sendo desmantelada pelo atual posicionamento de governo imposto ao Itamaraty.
“O país sempre procurou ter uma posição, digamos, de equidistância. Isso porque é muito difícil falar em equilíbrio – uma posição de equidistância não significa de equilíbrio, porque a situação é essencialmente de desequilíbrio, há um lado forte e um lado fraco”, afirma Arlene.
Ela destaca “a posição histórica do Brasil” que “foi procurar uma equidistância e, ao mesmo tempo, uma posição de respeito a direitos humanos, lei internacional, resoluções da ONU. Isso significou sempre uma postura de condenação da ocupação israelense em territórios palestinos (delimitados na partilha que deu origem ao Estado de Israel, em 1948), que é considerada ilegal pela ONU”.
Para ela isso “vai significar um isolamento do Brasil em relação a todo o resto do mundo, praticamente, que condena a ocupação israelense dos territórios de Gaza, Cisjordânia (que pertencem aos palestinos) e Colinas do Golã (que pertencem à Síria)”.
“O Brasil vai passar a ficar em um conjunto isolado dentro da comunidade internacional. Dentro da Assembleia Geral da ONU, os EUA costumam ficar bastante isolados em suas posições em relação à ocupação israelense, junto com alguns ‘paisezinhos’, países-satélite”, acrescenta a pesquisadora.
Este posicionamento já foi capaz de, em pouco tempo, trazer graves prejuízos ao país, como fazer com que participações brasileiras em eventos em países árabes fossem canceladas, como aconteceu com visita marcada ao Egito, e encomendas de carne brasileira fossem parcialmente suspensas, como fez a Arábia Saudita, ainda em janeiro.
O antropólogo norte-americano, Jeff Halper, que vive há 20 anos em Jerusalém e é autor do livro “Guerra contra o povo”, alerta para “a mudança de uma posição histórica da política externa brasileira” para apoiar a continuação de Netanyahu no poder e um regime que só tem a oferecer, em troca, “uma tecnologia ligada a uma polícia e uma política repressora”.