“A política externa do Brasil tem uma certa tradição. Qual é a tradição? É de cooperação, não de inimizade. E estamos perdendo o espaço em uma coisa que é muito importante no mundo, que é o meio ambiente”, avaliou o ex-presidente
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou na terça-feira (20), em entrevista ao site Sputnik, esperar que o governo Bolsonaro tenha capacidade de evitar que se chegue ao impeachment. “Se for necessário, mais um, mas é lamentável, eu não acho que seja o caminho para resolver os nossos problemas […]. não há razão para o impeachment “, disse ele.
Apesar da negativa sobre a abertura do impeachment, segundo o ex-presidente Cardoso, porém, não é possível dizer que não há crime de responsabilidade para motivar o impedimento, “porque pode ser que apareça”. O ex-presidente também reforçou que o afastamento de um presidente só acontece com o movimento da sociedade e lembrou que o processo é “traumático”.
FHC diz que Bolsonaro “deveria dar exemplo para a população em relação ao comportamento na pandemia”. “Ao longo da crise no Brasil, o presidente participou de diversas aglomerações e foi negligente com o uso de máscaras em público, além de apoiar abertamente o uso de medicamentos que não funcionam contra um COVID-19, como a hidroxicloroquina e a ivermectina”, destacou o ex-presidente.
“Quem é presidente deveria ter uma atitude mais circunspecta sobre o que está acontecendo. Nesse sentido, você pode dizer que [o governo] tem alguma responsabilidade, mas a COVID-19 é um vírus, o novo coronavírus, um bichinho que ninguém vê, e ataca “, afirmou FHC.
Em sua sabotagem às medidas de combate à pandemia, Bolsonaro enfatizou que a quarentena prejudica a economia . Para Fernando Henrique Cardoso, esse argumento é falacioso. “Não se sabe quanto tempo vai durar isso, quanto dura, e isso tem efeito econômico negativo. E as pessoas ficam hesitando entre o econômico e a saúde. Não pode, tem que cuidar da saúde em primeiro lugar, porque senão do que adianta ter a economia fluida se a saúde não existe? “, disse ele.
FHC criticou a política externa de Bolsonaro que, segundo ele, está isolando o Brasil. “A política externa do Brasil tem uma certa tradição. Qual é a tradição? É de cooperação, não de inimizade. E estamos perdendo o espaço em uma coisa que é muito importante no mundo, que é o meio ambiente, que é um tema importante” , afirmou o ex-presidente, que também ressaltou que o Brasil sempre valorizou a paz em sua política externa.
Outra questão é a política ambiental. Tem sido um campo de conflito durante o atual governo brasileiro, acusado de reduzir a fiscalização em meio ao crescimento do desmatamento e de incêndios ilegais nas florestas do país. O tema se tornou um problema diplomático e motivo de pressão de líderes de outros países, como o presidente francês, Emmanuel Macron, e, mais recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
“O que temos de importante no mundo é porque nós podemos formular uma política de proteção do meio ambiente e de defendê-la. Como é que você vai jogar para isso? É realmente criminoso, não pode”, lamentou Cardoso, que apontou a possibilidade da ampliação da pressão de Biden sobre Bolsonaro.
Ainda sobre a política internacional, FHC criticou o alinhamento de Bolsonaro ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump, e afirmou que a relação brasileira com a Rússia e a China deve ser a mais próxima possível. O ex-presidente brasileiro também apontou que a relação do Brasil com os países vizinhos latino-americanos deve ser de amizade e cooperação, ao contrário da política praticada pelo atual governo.
“Quanto mais próximo melhor [de Rússia e China]. Quem compra nossos produtos? A China. Isso é um interesse, nós precisamos disso. Eu fui à China várias vezes, você vai à China e a China é outra. A Rússia começa a ser outra, eu tenho família na Rússia, por acaso […]. Enfim, acho importante se relacionar bem com todos os países “, afirmou o ex-presidente brasileiro.
O ex-presidente falou também sobre as eleições. “Eu não vou votar nunca no Bolsonaro porque ele é de extrema-direita […], não está no meu horizonte. Prefiro alguém mais ligado ao PSDB. Se não tiver, entre Lula e Bolsonaro, posso considerar a hipótese de Lula. Eu quero isso? Não quero isso. Eu vou ajudar para que aconteça? Não. Vamos tentar uma terceira solução”, destacou.
“Uma ‘terceira via’ para as eleições presidenciais no Brasil ainda não está consolidada”, avaliou. Mesmo com os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disputando uma possível vaga como presidenciáveis em seu partido, Cardoso não descartou a possibilidade de que o candidato do centro-direita seja o apresentador de televisão Luciano Huck.
“Qualquer um deles tem que ser candidato nacional, sair da fronteira do seu Estado e conquistar o país. Ou sair da televisão e ganhar a condição de líder político. Há tempo para isso, não muito, mas ainda há tempo. Eu, pelo menos, vou me resguardar até ver quem é que realmente tem a possibilidade “, disse.
Apesar de torcer pelo fortalecimento de uma terceira via, Cardoso ressaltou que o ex-presidente Lula “respeitava as instituições” e é um político moderado. O ex-presidente disse ainda que não vê a possibilidade de Lula desistir da candidatura em 2022 e lamentou que o petista tenha mantido uma narrativa de “perseguição jurídica”.
“Lula é muito competente politicamente, ele vai tentar dizer ‘veja, eu já fui absolvido’. Ele não foi absolvido, o processo foi anulado por uma questão formal, uma questão substantiva”, apontou o ex-presidente.