São 25 cargos no primeiro escalão do Ministério da Saúde ocupados por militares, em sua quase totalidade sem experiência na área médica. Ministro Gilmar Mendes, do STF, apontou o problema
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, criticou no sábado (11), durante videoconferência do Banco Plural, a situação criada pelo governo no Ministério da Saúde durante a pandemia do coronavírus. Sua crítica se dirigia ao fato do órgão ter sido, segundo ele, esvaziado de técnicos com experiência na saúde em plena pandemia. Os cargos de direção do órgão foram preenchidos com militares, metade deles da ativa, em sua maioria sem experiência ou atuação na área da Saúde Pública.
“Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, disse Gilmar.
PRESIDENTE DESDENHA GRAVIDADE DA DOENÇA
Desde o início da pandemia, Jair Bolsonaro desdenha as opiniões da comunidade científica, dos epidemiologistas e dos médicos, nega a gravidade da doença e tenta impor o uso de medicações sem eficácia comprovada no tratamento da Covid-19, como é o caso da cloroquina.
A ideia fixa de recomendar o uso precoce da cloroquina nos pacientes infectados levou o presidente a demitir dois ministros da Saúde, os médicos Henrique Mandetta e Nelson Teich, que discordaram da ordem de Bolsonaro de elaborar um protocolo do ministério recomendando o tratamento com a substância. Após a saída dos dois ministros, Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército, assumiu interinamente o cargo e implantou o protocolo da cloroquina exigido por Bolsonaro.
A cloroquina não comprovou em seres humanos a eficácia que tinha in vitro, ou seja, no laboratório. Os resultados negativos de grandes estudos clínicos levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a suspender o seu uso mesmo em caráter experimental.
E em praticamente todos os países do mundo o seu uso para o tratamento da Covid-19 foi suspenso. Todos os principais trabalhos científicos acabaram confirmando a ineficácia da droga. Além da OMS, o Centro de Controle de Doenças – CDC, dos EUA, também passou a desaconselhar o uso da droga mesmo em caráter experimental. Só Bolsonaro e Donald Trump continuaram insistindo em recomendar o seu uso para a Covid-19.
MUNDO TODO SUSPENDEU USO DA CLOROQUINA
No Brasil, hospitais que faziam testes com a cloroquina em várias fases da doença, como o Hospital Albert Einstein, e o Hospital das Clínicas da USP, também passaram a recomendar a suspensão dos testes com a substância.
A “indicação” da cloroquina para o tratamento da Covid-19 ficou restrita à opinião pessoal de Jair Bolsonaro e de alguns poucos seguidores que atuam na área da saúde. Uma delas, a Dra. Nise Yamaguchi, que chegou a ser cogitada por Bolsonaro para assumir o ministério da Saúde, foi recentemente afastada do Hospital Albert Einstein.
O afastamento se deu porque, além de insistir no uso da droga para tratamento de pacientes com Covid-19, a médica bolsonarista fez declarações consideradas ofensivas à comunidade judaica.
Como apontou o ministro do STF, a saída dos ministros Mandetta e Teich e o preenchimento de dezenas de cargos de direção do ministério com militares – já são 25 cargos ocupados por membros da corporação – está gerando uma situação anômala no Ministério da Saúde. Em plena pandemia de um vírus novo, que está provocando problemas gravíssimos para a população e para a economia do país, que já matou mais de 72 mil brasileiros e se mantém provocando cerca de mil mortes por dia, em média, na última semana, o Ministério da Saúde está repleto de militares sem experiência em saúde nos cargos chave do órgão.
MINISTÉRIO INOPERANTE
A inoperância do Ministério da Saúde numa situação grave como esta é visível depois do afastamentos dos técnicos. Em que pese algum excesso que possa ter sido cometido pelo ministro do STF, ele tem razão em apontar a gravidade da situação criada com a falta de atuação do órgão na coordenação das ações de combate ao coronavírus.
Essa falta de uma atuação eficaz do ministério pode interessar a Bolsonaro, que nega a doença e não quer tomar nenhuma providência, mas para a população brasileira ela é desastrosa, e para a imagem das FFAA, que ocupa a direção do órgão, ela também não interessa nem um pouco.
Na lista abaixo, com nomes dos militares que ocuparam os cargos do ministério em substituição aos técnicos da área, pode-se observar que praticamente todos os cargos de direção do órgão foram mudados em plena pandemia, levando o Ministério da Saúde para situação de paralisia quase total.
O Ministério da Saúde deveria exercer a liderança e a coordenação necessárias para o combate à pandemia. A presença dos militares da ativa sem experiência em Saúde na direção do órgão impede que isto ocorra e é interpretada pelo corpo técnico da Saúde como um atrelamento das decisões ao que pensa Bolsonaro, prevalecendo as conveniências políticas sobre as determinações técnicas.
O resultado é que o Ministério da Saúde não está exercendo nenhum papel na coordenação no combate à pandemia do coronavírus. Os estados e municípios estão enfrentando sozinhos e descoordenados as agruras e o drama do avanço da pandemia para o interior do país. Este foi o quadro apontado pelo ministro Gilmar Mendes e que deveria ser levado em consideração pelas autoridades para a superação dos graves problemas vividos pela população brasileira.
TESTES NÃO CHEGAM AOS ESTADOS E MUNICÍPIOS
Nem a ajuda com testes diagnósticos e equipamentos, que seria o mínimo, está sendo garantida. Em maio, o então secretário de vigilância em saúde do ministério, Wanderson de Oliveira, declarou que a meta era realizar 70 mil exames de RT-PCR por dia nos laboratórios públicos do País durante o período “mais crítico da doença” que, segundo ele próprio, deveria acontecer em junho.
O Brasil precisava e continua precisando muito desses testes para poder fazer o rastreio de pacientes infectados e a busca ativa de casos nas populações expostas, e assim isolá-los adequadamente. Este é o método que os especialistas julgam ser capaz de interromper a transmissão do vírus e debelar a pandemia.
Embora a projeção de mais casos tenha se confirmado, a rede de laboratórios públicos centrais (Lacens) fechou o mês passado (junho) com média de apenas 14,5 mil testes diários – ou 20,8% do previsto, segundo dados do último boletim epidemiológico do ministério.
Além de distribuir menos testes do que o projetado, o governo também tem feito entregas de kits incompletos, sem um dos reagentes essenciais para processar as amostras, segundo secretarias de saúde. Sem os reagentes não há como fazer os diagnósticos. O principal entrave para ampliar a testagem é a falta de um insumo usado na primeira etapa do processamento da amostra. Nela, os laboratórios usam reagentes para extrair o RNA do vírus. Sem fabricação em escala industrial no Brasil, a maior parte desse material é importada.
KISTS DIAGNÓSTICOS INCOMPLETOS
No Paraná, por exemplo, o governo local diz que só recebeu 78,5 mil das 716,4 mil reações que o ministério informa ter distribuído ao Estado – e todas seriam de amplificação. “Não recebemos reagentes para fazer a extração de RNA. Não havia disponível para compra, este é o maior problema dos laboratórios do Brasil.” Já o Tocantins relata que chegou a pegar emprestado 2,5 mil kits de extração de Lacens de Goiás e do Maranhão. “Importante ressaltar que mesmo após o Ministério da Saúde suspender abruptamente o fornecimento de kits de extração, (…) o Lacen não suspendeu a realização dos testes”, diz boletim epidemiológico do Estado.
Maranhão e São Paulo também confirmam o problema e afirmam que só não estão em situação semelhante porque fizeram aquisições próprias. “Em abril, São Paulo chegou a ter uma fila de exames e montamos uma plataforma de laboratórios. Compramos 1 milhão de kits tanto de amplificação quanto de extração e não dependemos mais dos kits do ministério”, diz Dimas Covas, diretor do Instituto Butantã e responsável pela rede de testagem em São Paulo. Hoje, a capacidade do Estado é de 8 mil processamentos por dia. A Secretaria da Saúde do Maranhão relata que, com investimentos próprios, conseguiu chegar a uma capacidade diária de análise de 1,5 mil amostras.
SITUAÇÃO PREJUDICA A POPULAÇÃO
Apesar da reação do Ministério da Defesa e dos comandantes militares às críticas de Gilmar Mendes, os militares sabem bem que a inoperância do Ministério da Saúde, ocupada a sua direção por militares e com um general da ativa como ministro interino, numa situação dramática como esta, poderá não só prejudicar intensamente a população brasileira, como aliás já está ocorrendo, mas também pode trazer desgastes muito grandes para as próprias FFAA.
Entre os ocupantes dos cargos no Ministério da Saúde, poucos são aqueles que têm alguma familiaridade com o tema da Saúde. Uma delas é a diretora de Programa da secretaria de Atenção Primária, a médica (e militar) Laura Triba Appi – que, de início, foi nomeada para o cargo de assessora. Outro é o capitão Mario Luiz Ricette Costa, que assume como assessor técnico da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento, atuava na Diretoria de Saúde do Ministério da Defesa.
Já o secretário-executivo interino, coronel do Exército Antônio Élcio Franco Filho, chegou a ocupar o cargo de secretário de Saúde de Roraima no primeiro semestre do ano passado.
Segue a lista dos cargos de direção do MS. São 25 no total. Alguns têm patentes e outros não, mas todos são militares:
Eduardo Pazuello – ministro interino
Coronel Antônio Élcio Franco Filho – secretário-executivo interino
Tenente-coronel Jorge Luiz Kormann – diretor de programas
Tenente-coronel Marcelo Blanco Duarte – assessor o Departamento de Logística
Tenente-coronel Paulo Guilherme Ribeiro Fernandes – coordenador-geral de Planejamento
Tenente-coronel Reginaldo Machado Ramos – diretor de Gestão Interfederativa e Participativa
Emanuella Almeida Silva – coordenadora de Pagamento de Pessoal e Contratos Administrativos
Tenente-coronel Stefano Silvestro – diretor Executivo do Fundo Nacional de Saúde
Coronel Weber Freitas Nepomuceno – chefe da assessoria parlamentar
Subtenente Giovani Cruz Camarão – coordenador de Finanças do FNS
Tenente-coronel Cezar Wilker Tavares Schwab – Subsecretaria de Planejamento e Orçamento
Coronel Luiz Otávio Franco Duarte – subsecretário de assuntos administrativos
Major Tiago da Silva Brilhante – diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS
Laura Tiriba Appi – médica da escola de saúde do Exército para assessoria do Secretário Adjunto
Alexandre Magno Asteggiano – assessor
André Cabral Botelho – coordenador de contabilidade
Celso Coelho Fernandes Júnior – coordenador-Geral de Acompanhamento e Execução de Contratos Administrativos
Paulo César Ferreira Júnior – diretor de Programa da Secretaria-Executiva
Angelo Martins Denicoli – diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS
Mario Luiz Ricette Costa – assessor técnico da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento
Alexandre Martinelli Cerqueira – Subsecretário de Assuntos Administrativos
Ramon da Silva Oliveira – coordenador geral de Inovação de Processos e de Estruturas Organizacionais
Marcelo Sampaio Pereira – diretor de programa da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde
Angelo Martins Denicoli – diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS
Vagner Luiz da Silva Rangel – coordenador de execução orçamentária