“Tratamos também de possiblidade de tratamento precoce. Isso fica a cargo do ministro da Saúde, que respeita o direito e o dever do médico off-label tratar os infectados”, afirmou ele ao final do encontro
Como já havia adiantado o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), a reunião realizada por Jair Bolsonaro, na manhã desta quarta-feira (24), com alguns governadores selecionados a dedo pelo próprio Planalto e os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, serviu basicamente para tirar “foto” e dar “manchete”.
Mais do que isso, o encontro mostrou que Jair Bolsonaro, apesar do jogo de cena, fruto das pressões da sociedade, dos cientistas e dos profissionais de saúde contra o seu negacionismo, mantém-se aferrado, apesar das aparências, ao seu ridículo “tratamento precoce”, à base de cloroquina e outras charlatanices. “Tratamos também de possiblidade de tratamento precoce. Isso fica a cargo do ministro da Saúde, que respeita o direito e o dever do médico off-label tratar os infectados”, argumentou Bolsonaro ao término da reunião.
Apesar dos sistemas de saúde nos estados estarem à beira do colapso, com filas nas UTIs, ameaça de falta de oxigênio hospitalar e de insumos para intubação de pacientes, uma tragédia em que em apenas num dia, na véspera da reunião, morreram mais de 3 mil brasileiros, elevando o número de mortos do país para quase 300 mil, o que fica a cargo do ministro da Saúde, segundo as palavras de Bolsonaro, é o assunto do tratamento precoce, ou seja, da cloroquina. Não é a toa que dra. Ludhmila Hajjar se recusou a aceitar o convite para ser ministra de Bolsonaro. Ela não queria compactuar com essa postura negacionista.
Tanta coisa urgente a ser feita para unir a sociedade. Tanto precisa ser feito para deter o vírus, tanto esforço ainda é necessário para se garantir as doses necessárias de vacinas – que o país ainda não produz – e o que se ouviu de Bolsonaro na saída do encontro é que os médicos têm o direito de fazer o “tratamento precoce”. E ele não estava falando em atendimento precoce da doença, que é outra coisa bem diferente, que demanda melhorar a estrutura hospitalar e a ofertas de leitos. Não. Ele estava se referindo ao uso da cloroquina e da Ivermectina precocemente, drogas provadamente ineficazes contra a Covid-19.
Nenhum anúncio sobre campanhas oficiais em defesa das medidas sanitárias, do distanciamento social preventivo e da higiene adequada das mãos. Nada do que interessa foi abordado por Bolsonaro na saída da reunião. Nenhuma palavra sobre as medidas financeiras que são tão necessárias para garantir que as pessoas possam fazer o isolamento sem morrer de fome. Aliás, a ajuda de R$ 600 que o Congresso Nacional aprovou no ano passado, e que foi fundamental para milhões de pessoas, foi agora reduzida por Bolsonaro para valores ínfimos, que variam de R$ 150 a R$ 350. Além de reduzir o valor da ajuda, um número muito menor de pessoas vai recebê-la, apesar do extremo agravamento da pandemia.
O único que defendeu o isolamento social ao final do encontro foi governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que também fez um pronunciamento. Ao lado de Bolsonaro, ele ressaltou a importância de restringir a circulação de pessoas. “Pedir a todos que entendam que em situações delicadas e críticas muitas vezes se faz necessário o isolamento social”, disse o governador.
Coincidentemente são exatamente essas medidas duras de isolamento social, apontadas como essenciais neste momento para impedir a matança provocada pelo vírus, que continuam sendo combatidas, de forma cada vez mais barulhenta e raivosa por Bolsonaro e por suas milícias. Na semana passada, por exemplo, ele entrou no STF contra alguns governadores que a aplicaram essas medidas em seus estados, inclusive no DF. No último fim de semana, Bolsonaro estava em frente ao Palácio da Alvorada, junto com sua agitada milícia, ameaçando governadores por aplicarem o distanciamento social rígido em seus estados.
Sobre a vacinação, que é a exigência maior da população brasileira neste momento, Bolsonaro disse muito pouco. Falou de forma ligeira e superficial, como se os problemas para a obtenção das vacinas já tivessem sido superados. Menos de 6% da população recebeu a primeira dose da vacina no Brasil. Ou seja, Bolsonaro sai de uma reunião onde seriam discutidas medidas urgentes para conter a maior tragédia sanitária da história, segundo a Fiocruz, e ele fala ‘en passant’ sobre vacinas e não diz nada sobre a redução da circulação de pessoas, medidas consideradas fundamentais por todos os especialistas. Como disse Eduardo Leite, não parece coisa séria.
Variantes do vírus estão se criando no país com o descontrole da pandemia. Mais de 1.500 empresários alertaram, em manifesto divulgado esta semana, que se continuarmos nesse ritmo de imunização levaremos três anos para vacinar toda a população. Bolsonaro falou muito rapidamente sobre as vacinas, disse que é consenso que tem que vacinar, mas não anunciou nenhuma medida emergencial para obtê-las e para acelerar a vacinação. Ele sempre foi contra a vacina, por isso concentrou-se, na verdade, em enfatizar que os médicos têm que ter o direito e o dever de fazer o tratamento precoce aos infectados.
O principal problema do país hoje para vencer o vírus é, sem dúvida, o negacionismo e a sabotagem do Planalto à luta para debelar a pandemia. Sabedor disso, o ministro Luiz Fux, do STF, afirmou que se deve evitar a judicialização das atitudes. “Como esses problemas da pandemia exigem soluções rápidas, nós vamos verificar a estratégias capazes de evitar a judicialização, que é o fator de demora na tomada dessas decisões”, disse, Fux, um dia depois do STF negar ação de Bolsonaro contra medidas de isolamento tomadas por governadores.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco cobrou que o Planalto cumpra a sua obrigação de liderar o país no combate à pandemia, coisa que não vem acontecendo. Aliás, o Planalto não só não está ajudando, como atrapalha a luta contra a Covid-19. “Essa união significa um pacto nacional liderado por quem a sociedade espera que lidere, que é o senhor presidente da República, Jair Bolsonaro, já com a compreensão de que medidas precisam ser urgentemente tomadas”, disse Pacheco.
Percebendo que a convocação da reunião foi estreita e sectária, porque deixou de fora todos os demais 20 governadores que não comungam com a conduta negacionista do governo federal, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), frisou a necessidade de “despolitizar a pandemia” e de “desarmar os espíritos” para tratar de um problema nacional. O deputado também alfinetou as desinformações emanadas do Planalto e citou a importância de uma linguagem unificada para repassar informações à população.
S.C.
Quem nos governa não é louco, mas sim uma pessoa cruel , sem caráter nenhum e profundamente ignorante.