Depoente acabou admitindo à CPI que quando levou as provas de corrupção na compra da Covaxin a Bolsonaro, o presidente afirmou: “é coisa do Ricardo Barros”
Os depoimentos do deputado Luis Miranda (DEM-DF) e de seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, à CPI da Pandemia revelaram que o esquema montado no órgão para desviar US$ 45 milhões para um paraíso fiscal, através da compra fraudulenta de 20 milhões de doses da vacina Covaxin, foi montado pelo deputado Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, e tinha, no mínimo, o conhecimento do presidente. Ao não acionar a Polícia Federal, como prometeu ao deputado, o fato é que Bolsonaro endossou o esquema irregular que estava em curso na pasta da Saúde. No mínimo, “prevaricou”, denunciou o presidente da Comissão, senador Omar Aziz, sendo apoiado por vários parlamentares.
Logo no início de seu depoimento, o deputado Luis Miranda relatou que ao apresentar os documentos que comprovavam as irregularidades no contrato da Covaxin, Jair Bolsonaro reagiu dizendo que já sabia quem estava envolvido na roubalheira. “O presidente entendeu a gravidade. Olhando nos meus olhos, ele falou: ‘Isso é grave’. Não me recordo do nome do parlamentar, mas ele até citou um nome para mim, dizendo: ‘Isso é coisa de fulano’. E falou: ‘Vou acionar o Diretor-Geral da Polícia Federal, porque, de fato, Luis, isso é muito grave”, disse o deputado nesta sexta.
A própria Polícia Federal confirma que Bolsonaro não encaminhou a denúncia dos irmãos Miranda como prometeu que faria.
Mesmo sendo pressionado a declinar o nome do deputado citado por Bolsonaro, o depoente insistiu por quase toda a sessão que não se lembrava o nome do deputado citado por Bolsonaro. Mas, com o desenrolar das inquirições, durante a fala da senadora Simone Tebet (MDB-MS), já no final da sessão, o deputado cedeu e, emocionado, confirmou que se tratava do líder do governo.
Ele confirmou o nome de Ricardo Barros (PP-PR) após Simone Tebet afirmar que ele seria preservado em um eventual processo de Conselho de Ética. Miranda disse que estava sendo ameaçado e temia uma ação por quebra de decoro como retaliação. “Se Vossa Excelência tiver a coragem de dizer o nome, não se preocupe com Conselho de Ética, porque nenhum deputado vai ter coragem de se insurgir contra Vossa Excelência, contra a opinião pública, contra a massa de brasileiros que quer saber a verdade. Pode falar o nome”, disse Tebet.
“A senhora sabe que se eu fizer isso eu vou ser perseguido. Já disseram que eu vou perder a relatoria da reforma tributária, já perdi todos os espaços, já perdi tudo o que eu tenho, já acabaram com a minha política. O que mais vocês querem que eu faça?”, afirmou Miranda, mas acabou cedendo: “Eu sei o que vai acontecer comigo. A senhora também sabe que é o Ricardo Barros”. “Eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é que vocês não sabem pelo o que eu vou passar”, afirmou.
Após a confirmação feita por Luis Miranda, senadores passaram a defender a convocação do líder do governo na Câmara dos Deputados, para prestar depoimento à CPI.
A constatação do crime de prevaricação diante da denúncia apresentada por um funcionário de carreira do MS e por um deputado federal foi secundada pela informação de que Bolsonaro não só não fez nada ao receber a grave informação, como já sabia do esquema de corrupção, conhecia quem comandava o esquema e decidiu manter o acobertamento do crime.
Durante a sessão, foram sendo esclarecidos os mecanismos usados por Barros para desviar do dinheiro do Ministério da Saúde. O servidor Luis Ricardo, da divisão de importações do MS, detectou que a nota fiscal internacional, documento necessário para liberar a importação da Covaxin, estava com dados que não condiziam com o contrato de compra da Covaxin. Determinava o pagamento antecipado, apontava uma empresa que não constava no contrato como beneficiária do pagamento e definia uma quantidade menor de vacinas que o contrato determinava. A empresa que assinou o contrato foi a Precisa, que já cometera irregularidades na gestão de Ricardo Barros quando ministro da Saúde.
O servidor público repetiu à CPI o que já havia relatado ao Ministério Público Federal e ao próprio presidente da República, denunciando a pressão dos seus superiores, já indicados na gestão Pazuello, para liberar a importação nas condições irregulares. Sua decisão de barrar o processo e apontar as irregularidades fez com muitas delas fossem sanadas, mas não todas. A determinação para que o pagamento fosse feito para uma terceira empresa com sede num paraíso fiscal, por exemplo, foi mantida.
A decisão de autorizar a importação nessas condições foi tomada pela “fiscal do contrato”, Regina Célia Silveira Oliveira, servidora indicada na gestão de Ricardo Barros no Ministério da Saúde. Esses fatos demonstram que a direção do MS e o próprio Planalto estavam empenhados em fechar a compra da Covaxin. Em uma rede social, no fim da noite, Barros negou ter sido citado por Bolsonaro. O deputado disse que não participou de negociações sobre a compra da Covaxin e que não tem relação com “esses fatos”. “Também não é verdade que eu tenha indicado a servidora Regina Célia como informou o senador Randolfe”, acrescentou o líder do governo.