![](https://horadopovo.com.br/wp-content/uploads/2022/03/mineracao-terras-indigenas.jpg)
Jair Bolsonaro usou o conflito entre Rússia e Ucrânia como pretexto para justificar liberação da mineração em terras indígenas. Com o conflito internacional, o fertilizante pode faltar ou encarecer. Ele afirmou que o Brasil é dependente da Rússia para obter potássio, matéria-prima de fertilizantes usados na agricultura brasileira. Por isso, regiões como a foz do Rio Madeira, próximo a uma reserva indígena, poderiam suprir essa demanda, defendeu.
De maneira oportunista, Bolsonaro usou as redes sociais esta semana para ressuscitar um discurso proferido por ele na Câmara, defendendo a exploração de potássio em áreas indígenas, quando exercia o mandato de deputado.
“Como deputado, discursei sobre nossa dependência do potássio da Rússia. Citei três problemas: ambiental, indígena e a quem pertencia o direito exploratório na foz do Rio Madeira (existem jazidas também em outras regiões do país)”, disse. Ele defendeu a aprovação do Projeto de Lei 191/2020, em tramitação na Câmara. “Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas”, disse.
Bolsonaro afirmou ainda que “nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância”.
O Brasil é o quarto maior produtor de grãos do mundo e o segundo maior exportador. Essa produção necessita do uso de fertilizantes e hoje 85% desses insumos são comprados no mercado internacional. O presidente finge esquecer que, caso se confirme a falta dos insumos para produção de fertilizantes, ele é um dos responsáveis por isso. O Brasil chegou perto de atingir a autossuficiência no setor no passado.
Com o fechamento de uma unidade da Petrobras e da venda de três das fábricas de fertilizantes que operavam no país, no contexto da política de desmonte e privatização da estatal, o Brasil se tornou dependente da importação desses insumos, tendo a Rússia como um dos maiores fornecedores.
A Petrobras foi retirada do mercado de fertilizantes em 2016, quando o então presidente Michel Temer, alegando falta de lucratividade, fechou duas fábricas de fertilizantes nitrogenados no Nordeste. Uma delas, na Bahia (Fafen-BA), localizada no polo petroquímico de Camaçari, inaugurada em 1971, e a outra, de Sergipe (Fafen-SE), em Laranjeiras, ativada em 1982. A decisão fez parte de um “plano de negócios” para desmonte da estatal.
Em novembro de 2019, já no governo de Jair Bolsonaro, a Petrobras arrendou as duas plantas para a Proquigel Química SA. A empresa, entretanto, só conseguiu reativar a produção delas em 2021. Dando continuidade à política privatista e de desmonte do Estado, Bolsonaro vendeu a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3), em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, para o grupo empresarial russo Acron.
De 2016 para cá, a estatal também fechou a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenadas do Paraná (Fafen-PR), em Araucária. O fechamento ocorreu em fevereiro de 2020 e a desativação da fábrica, que havia sido comprada em 2013, causou a demissão de cerca de mil trabalhadores.
Segundo dados da balança comercial brasileira, da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), analisados pela área econômica Fundação Única dos Petroleiros (FUP), o Brasil gastou ano passado US$ 15,2 bilhões em importações de adubos e fertilizantes químicos.
O valor é 90% maior do que o gasto em 2020. Foi o produto mais importado entre os itens da categoria “indústria de transformação”. O país adquiriu no exterior 41,5 milhões de toneladas de fertilizantes – incremento de 22% nas quantidades –, a preço médio de US$ 364,34 por tonelada, 56% acima dos valores pagos em 2020.
Gerson Castellano, petroquímico e diretor da Fundação Única dos Petroleiros (FUP) diz que a produção de fertilizantes é estratégica para o país e critica o liberalismo exacerbado. “Comer é algo que independe de crenças. O ex-presidente dos EUA, George Bush, disse certa vez: ‘Vocês já imaginaram um país incapaz de cultivar alimentos suficientes para sua população? Seria uma nação exposta às pressões internacionais. Seria uma nação vulnerável. Por isso, quando falamos de agricultura, estamos falando de uma questão de segurança nacional’. Esta fala é do Bush, um liberal. A questão alimentar é estratégica e extrapola ideologias”,
Para Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-diretora do Ibama, Bolsonaro usa a guerra como pretexto para tentar viabilizar o projeto de acabar com as terras indígenas e aniquilar os direitos dos povos originários. “O PL 191, elaborado pelo Executivo, foi redigido de forma a viabilizar exploração mineral em larga escala e sem cuidados ambientais, com prioridade para o garimpo de ouro. Se aprovado, destruirá as terras indígenas”, observou.
O Instituto Socioambiental (ISA) defendeu que a sociedade precisa ser informada, por meio de estudos científicos, sobre o potencial de produção mineral fora das áreas indígenas. “A exploração de jazidas de potássio situadas fora desses territórios deve ser priorizada. O presidente, no entanto, escolhe fomentar o racismo contra os povos indígenas, alimentando o falso antagonismo entre o desenvolvimento nacional e os direitos indígenas”, criticou.
Por sua vez, o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o senador Zequinha Marinho (PSC-PA) ressaltou que é preciso diminuir a dependência do país em relação aos fertilizantes. “O município de Autazes, no Amazonas, na beira do Rio Madeira, tem, talvez, a maior jazida de potássio do Brasil, deste lado do mundo. E não está em área indígena. Talvez, esteja próxima, mas, por uma questão de burocracia, a empresa que estava investindo quase R$ 2 bilhões está parada por uma pendenga judicial ligada à questão ambiental”, sustentou.
O Ministério Público Federal passou a acompanhar o caso depois de receber denúncias de que a empresa Potássio do Brasil iniciou estudos e procedimentos na região sem qualquer consulta às comunidades. Em julho de 2016, o órgão expediu recomendação ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), para que cancelasse a licença já expedida, e à Potássio do Brasil, para que suspendesse as atividades de pesquisa na região até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação, informou o MPF. “Nenhum dos pedidos foi atendido. A concordância em realizar as consultas nos moldes previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) só veio após o MPF levar o caso à Justiça. O processo tramita na 1ª Vara Federal do Amazonas”, explicou em nota o MPF.
De acordo com o órgão, “o estudo de impacto ambiental classificou o porte do empreendimento como excepcional e afirma ser muito alta a interferência nos referenciais socioespaciais e culturais nas comunidades tradicionais e indígenas da região”. “Atualmente, está pendente de análise no processo pela Justiça Federal no Amazonas a definição do Instituto de Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como órgão competente para o licenciamento, considerando que a questão afeta diretamente terras indígenas, posicionamento defendido pelo MPF e pelos próprios indígenas Mura”, completa o texto.