Mamede Said Maia *
De todas as medidas que Jair Bolsonaro tomou depois de eleito presidente da República, nenhuma é mais grave que a indicação de Ernesto Araújo para ministro das Relações Exteriores. Diplomata recém-promovido a embaixador, ocupava um cargo de terceiro escalão no Itamaraty e não tem o reconhecimento de seus pares para estar à frente da diplomacia brasileira. Todos os diplomatas que chegaram a ministro das Relações Exteriores tinham chefia de importantes embaixadas ou subsecretarias em seu currículo.
Araújo nunca respondeu por uma embaixada, mas fez fama, junto a Bolsonaro, por ter criado um blog no qual fazia campanha aberta para o então candidato. Um artigo sobre política externa em que ele faz uma defesa apaixonada do presidente norte-americano, Donald Trump, e destila ideias exóticas, é seu maior trunfo. Foi esse artigo que encantou os filhos de Bolsonaro e fez dele o futuro ministro, atropelando nomes experientes que, segundo se diz, o general Augusto Heleno e outras pessoas do círculo do capitão defendiam.
A indicação de Ernesto Araújo é um tapa na cara das tradições diplomáticas brasileiras, marcada por uma política externa não alinhada, que preza pela autodeterminação dos povos, não ingerência e solução pacífica dos conflitos. Mesmo durante a ditadura militar, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o novo governo português que pôs fim à ditadura de Salazar.
Reconheceu a independência de Guiné-Bissau, de Angola e de Moçambique, apoiando o ingresso das ex-colônias portuguesas na ONU, e estabeleceu relações diplomáticas com a China, além de apoiar a independência do Zimbábue e da Namíbia. Foi no Governo Geisel que o Brasil se pronunciou pela primeira vez a favor da retirada de Israel dos territórios árabes ocupados e do reconhecimento dos direitos dos palestinos, além de ter votado na ONU contra o regime do apartheid da África do Sul.
O Brasil é uma das 11 nações do mundo, num universo de 162 países estudados pelo Institute for Economics and Peace’s, que não está em guerra ou tem qualquer tipo de conflito com seus vizinhos ou com outros países. Agora, corremos o risco de, em um alinhamento automático com os EUA, reproduzirmos, como papagaios, a política belicista e excludente de Donald Trump. Muito feio para a imagem internacional do país. Mas é bem a cara do que o Governo Bolsonaro promete…
* Diretor da Faculdade de Direito da UNB